Roda Viva solta o verbo sobre assédio no Campus XVIII da UNEB

Fotos: Caroline Santos Lima e Cintia Glória Lima

Entrevista de Elissandro Santana, de Porto Seguro, para Desacato.info.

Elissandro Santana:

Apresentem-se e discorram se ocorre ou não assédio no Campus XVIII da Universidade do Estado da Bahia.

Cíntia e Carol:

Meu nome é Cintia Lima, sou discente do curso de História na UNEB e integrante do Diretório Acadêmico Roda Viva. Desde que entrei na Universidade, sempre escutei vários relatos de casos de assédio, todos relacionados a um determinado grupo docente. Mas nunca me importei com isso, pois é da nossa cultura banalizar esse tipo de violência. Foi após o assédio contra uma professora que todos esses casos vieram à tona. Eu já estava mais madura nessa época, logo senti a necessidade de me posicionar sobre isso, uma vez que as denúncias sobre o assédio na instituição sempre foram minadas pelo corporativismo. O D.A de história lançou uma campanha contra o assédio e fomos criminalizados ao demarcar uma posição, ao ponto de membros do D.A serem ameaçados, seguidos, abordados dentro da própria instituição com palavras agressivas e dedos em riste. Após muita pressão dos movimentos, conseguimos a instalação do processo de sindicância para apurar os casos de assédio, mas um dos envolvidos nos casos de assédio continua indo à instituição mesmo após seu afastamento, e usa diversos mecanismos, dentre eles, as redes sociais, para exercer seu poder e manipular os discentes da instituição contra o movimento estudantil. Realizando, assim, a criminalização do movimento social.

Sou Carol Lima, 20 anos, estudante de História na Universidade do Estado da Bahia – Campus XVIII – desde 2014. Atualmente, estou no V semestre. Componho junto com outros colegas de curso a atual gestão do Diretório acadêmico de História Roda Viva. A situação do assédio no campus, até onde temos conhecimento, está presente há cerca de 10 anos e têm se intensificado durante os últimos 4 anos, com denúncias em reuniões de colegiado e departamento, durante os últimos 2 anos. Ficamos sabendo da maior parte destas informações em uma mesa para a campanha “Universidade sem assédio” que realizamos enquanto Diretório, no dia 25 de Agosto de 2016, com o tema “O assédio destrói”.

Elissandro Santana:

De que forma se constrói o assédio e como ele se materializa no cotidiano acadêmico?

Cíntia e Carol:

Cíntia: Entendemos assédio a partir da ideia de abusos de poder, e isso, dentro da instituição, faz-se presente, sobretudo, na relação direta professor e aluno, por exemplo. Podendo ocasionar uma tentativa de trocar nota por sexo, seguida pela negação da vítima, vindo a “provocar” sua reprovação na disciplina. Esse tipo de abordagem pode constranger e, na maioria das vezes, acarretar problemas para as vítimas, levando-as crer que possuem alguma parcela de culpa, dando a entender para estas pessoas que foram elas quemotivaram a sua perda, sendo que, na verdade, trata-se, minimamente, de falta de respeito e não saber levar um “não” por parte de quem está no topo desta escala.

Carol: O assédio constitui peça hierárquica. De “Superior” para “inferior”. No campo acadêmico, pode ser entre professor/a e estudante; direção e professor/a; coordenador/a com estudante; direção com terceirizados. Deste modo, é uma tentativa (do superior para com o inferior) e coerção de “barganhar” algo com a outra, por esta condição imposta, seja sexo, privilégio, silêncio, “favores”, votos, “apoio” etc. Logo, são alguns itens que a pessoa dada como inferior acaba se submetendo, por medo, receio, ameaça, constrangimento, que se configura desde a perda do emprego à uma prova de recuperação ou nota lançada no SAGRES, o nosso portal acadêmico.

Elissandro Santana:

Cara Cíntia, isso sobre sexo é grave, por isso, gostaria de saber se usou como exemplo para dizer que tal fatoé uma das possibilidades insustentáveis do assédio, ou se foi para relatar que isso aconteceu no Campus XVIII da UNEB. Caso afirmativo, alguma providência legal foi tomada?

Cíntia:

Como disse no início, pode ser uma tentativa, e ainda que soubesse de alguma situação desta no Campus XVIII, não estou apta a dizer, já que se abriu uma comissão para investigar sobre “Assédio” no campus e tudo ocorre em sigilo. Mas há situações que temos notícias de ter ocorrido em outras instituições de ensino.

Elissandro Santana:

Qual o modus operandi do assédio no campus e como isso interfere no processo de ensino e de aprendizagem?

Cíntia e Carol:

Cíntia: Entendemos que isso interfere no processo de aprendizado do aluno a partir do momento em que ele se sente constrangido, ressalto, quando não há consentimento para as investidas, caso contrário, entendemos o desconforto que essa situação pode causar. A pessoa que assedia sente-se confortável para fazer abordagens invasivas, mesmo com outras pessoas presentes. Isso se assegura na crença da “impunidade”, à certeza de que aquela prática não resultará em nada. Logo, vítimas de assédio moral, sexual e ameaças, podem ser práticas de quem age desta maneira, seja dentro da instituição ou em outro ambiente de estudo, trabalho, levando a dificuldades para o aprendizado, organização ou superlotação de tarefas, pois quando estas situações ocorrem, a motivação para ir à universidade, trabalho se reduz, tendo vontade de fugir de tudo isso como passar um tempo sem conseguir dormir direito e sem conseguir sair de casa. Para nós, a luta que fazemos diariamente é a militância de anos de vários movimentos estudantis, políticos e sociais; temos mais orientações e força para enfrentar tais situações frente às organizações competentes que podem solucionar este dilema. Mas é interessante levar em consideração, também, que nem todos os casos de assédio são levados a sério pela comunidade, a começar pela criação de anos de construções machistas. Para quebrar isto, inclusive, é essencial testemunhos de vítimas, pois não acontece somente em salas de aula, onde só estão o professor e o aluno, mas com as outras instâncias e cargos da instituição. Numa sociedade que culpa a mulher e naturaliza esses abusos, estamos destinadas à rotulação de vitimismo e de loucura. Isso é horrível!

Carol: Segundo cartazes da própria universidade colados pelo campus, organizados para uma campanha contra o “Assédio Moral” (2016) pela PGDP – Pró-Reitoria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas – são selecionados, oito pontos sobre o que se configura como as estratégias do agressor: a) Escolher a vítima e isolá-la do grupo; b) Impedir de se expressar e não explicar os porquês; c) Fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em frente aos pares; d) Desestabilizar emocionalmente e profissionalmente; e) Culpar, responsabilizar publicamente, podendo, os comentários de sua incapacidade invadir inclusive o espaço familiar; f) Destruir a vítima (agravando doenças preexistentes); g) Livra-se da vítima induzindo-a a demissão e h) Impor ao coletivo sua autoridade. Logo, destes pontos, no mínimo, 50% se encaixam ao assédio relacionado a nós estudantes, com destaque para os 4 primeiros pontos. Deste modo, o processo de ensino e aprendizagem fica totalmente comprometido nesta situação, já que a universidade é um espaço coletivo de construçãode saberes, e a partir do momento em que o/a estudante passa por essas situações, até mesmo os/as colegas ficam também recessos da chamada “perseguição” por parte de quem está ocupando o cargo de docência. Porém, esta “perseguição” precisa ser vista com olhos para além do que está dito, precisa-se questionar o que ocorre nos bastidores. Além do espaço da sala de aula, as relações interpessoais com os colegas ficam em retaguarda, pois uma das sensações é a de invisibilidade, isto também é “estratégia” do agressor. Logo, o modo pelo qual se configura é de maneira silenciosa, pelas beiradas, tachando sempre a vítima com “(des)argumentos” de loucura, “mimimi”, e se for mulher então, o machismo sempre fala mais alto e sabemos que tachar com problemas psicológicos são práticas de misoginia além do período medieval. Deste modo, a sensação que temos enquanto mulheres, militantes, estudantes, é que esta situação já passou da hora de ser combatida! O que posso afirmar, com segurança, é que vamos lutar sim para combater e conquistar uma política de assessoramento para o corpo estudantil que, de fato, combata essa situação de assédio na Universidade do Estado da UNEB.

Elissandro Santana:

O problema já chegou à Reitoria? Caso a resposta seja afirmativa, gostaria de saber qual o posicionamento do Reitor em relação ao problema.

Cíntia e Carol:

Cíntia: A instalação da sindicância para apurar os casos já demarca o interesse da Reitoria em combater os abusos de poder, mas dizer que isso foi um presente do reitor é menosprezar o processo que levou a essa instalação, um processo doloroso de muito pressionamento e embates. Para exemplificar, cito o vídeo do Reitor a respeito da situação no Campus XVIII que só foi ao ar depois de muita pressão dos movimentos sociais. Uso como exemplo, também, as passagens que solicitamos para protocolar as denúncias de ameaças a membros do D.A em Salvador, que só foi possível mediante pressão. Mas reitero que, diante de um corpo docente omisso que se cristalizou no Campus XVIII, é, para nós do movimento estudantil, importante saber que o Reitor tem interesse em combater os casos de assédio.

Carol: Sim, o atual reitor da UNEB, senhor José Bites de Carvalho está ciente das situações. A situação chegou até ele, no dia 23 de agosto do presente ano, mais especificamente com um movimento nas redes sociais na página oficial chamada: UNEB – Universidade do Estado da Bahia, através de uma chuva de comentários com a frase: “O assédio na Uneb XVIII – Eunápolis – está um tremendo descaso! Gostaríamos de saber quando é que a UNEB vai resolver a situação, afastar e punir o professor assediador do campus e de qual maneira a UNEB está prestando assistência e apoio jurídico às estudantes?”. Foram mais de 50 comentários de várias entidades, grupos estudantis, sociedade civil organizada, estudantes, solicitando, no mínimo, uma resposta para a situação, até que houve a notícia de que o reitor postaria um vídeo para esclarecimentos. Aguardamos. O vídeo foi postado no dia 30 de agosto pela ASCULT – Assessoria Especial de Cultura e Arte da UNEB e pode ser acompanhado pelo link: https://www.facebook.com/ascom.uneb/?fref=ts.
A resposta do Reitor se configura de maneira ampla, mas que ajudou a quebrar mais ainda todo o silêncio, principalmente, para a comunidade do XVIII. Em sua resposta, o Reitor Bites pontua, entre vários aspectos, sobre: a) Formação de sindicância para apuração; b) Formalização do processo; c) Diz que a direção do Departamento está acompanhando o processo; d) Disponibilidade pela comissão para ouvir relatos; e) Reitor diz também que o processo foi encaminhado em Julho.
Deste modo, de lá para cá, especificamente, agosto, a comissão está em andamento e trabalho. Para dar melhor desenvolvimento e sigilo a todo o processo e investigação. Desde modo, saiu no Diário Oficial da Bahia no dia 26 de agosto de 2016 o resumo de portaria Nº 2.346/2016, que diz respeito ao afastamento de ambos os professores na situação especifica, a portaria garante além do afastamento remunerado, o sigilo nas investigações, pode ser conferida pelo link: Link: http://diarios.egba.ba.gov.br/html/_DODia/DOSecEdu.html.
Em relação ao posicionamento, o Reitor diz que os encaminhamentos possíveis são no que se refere à comissão de sindicância. O que venho a ressaltar que não impede que a abordagem e o tema sejam discutidos e problematizados coletivamente.

Elissandro Santana:

As ações para o combate ao assédio estão envolvendo toda a comunidade acadêmica do XVIII, ou nem toda a comunidade está disposta a enfrentar os assediadores, ainda que por meio das instâncias legais de luta?

Cíntia e Carol:

Cíntia: Muito antes de nós entrarmos na UNEB, o corpo discente já era bem fragmentado e polarizado por situações diversas que eu nunca entendi exatamente o motivo. Quando ingressei no campus, já peguei o “bonde andando” como diz a expressão popular: havia uma rixa entre os cursos e isso ficou evidente conforme ia me envolvendo no Movimento Estudantil. É importante ressaltar que os discentes do curso de História quase sempre participaram das ações políticas dentro do campus, e com os casos de assédio não foi diferente. O D.A de História é o único ativo dentro do campus e fomos nós dentro do movimento estudantil a comprar o enfrentamento contra os abusos de poder de forma sistemática. Com esse cenário de maniqueísmo instalado no campus, não foi difícil para os docentes envolvidos nas denúncias manipularem os alunos contra o já estigmatizado Movimento Estudantil. Nossos cartazes foram riscados e ainda são com frequência, nossas postagens no facebook são ridicularizadas e reduzidas a “Guerra de Curtidas” na qual aquele que receber mais curtidas vence; nossa atuação dentro de outras esferas é sempre reduzida ao estigma que se construiu em torno do curso de história, à polarização bem versus mal. Polarização esta que reserva para nós, membros do Diretório acadêmico, o lugar de “galera das trevas” e “bruxas”, titulações carinhosamente colocadas pelos professores que desejam sufocar o debate sobre assédio. Nem toda a comunidade está disposta a enfrentar o assédio porque uma parte nem acredita que isso exista. É comum ouvir comentários do tipo “ah, mas existe assédio aqui, existe assédio ali, existe assédio em todo lugar”, fala esta que naturaliza os abusos de poder. É comum também ouvir que estamos sujando o nome da instituição ao debater o tema. Ou ouvir que as situações denunciadas não passam de brincadeiras e que não deveriam ter sido levadas a sério. Assédio não é piadinha. É por conta dessa lógica machista que nós, mulheres, sentimos medo de sair na rua. Camuflar os nossos erros afirmando que eram apenas uma brincadeira ou piada é muito perigoso, pois a gente diminui a gravidade dos nossos atos e os nossos atos tem consequências, principalmente, se nosso erro for um crime. Se a mulher relatou que se sentiu incomodada e fez a denúncia, a reação do acusado deveria ser no sentido de pedir desculpas publicamente, no mínimo. Ao invés de tentar mascarar o assédio como brincadeira e fazer com que dezenas de pessoas vissem o caso como brincadeira. Assédio não é elogio, não é brincadeira nem é piada e não é culpa da mulher. É uma coisa nitidamente absurda. Nós temos uma responsabilidade social. Influenciamos pessoas.

Carol: O combate ao assédio, acreditamos, enquanto diretório e militância ativa, que deveria partir primeiramente da universidade. Na universidade, no sentido, como já disse anteriormente, com políticas internas, acompanhamentos de situações de assédio, campanhas de combate ao assédio sofrido por estudantes, algo que vejo agora possa estar caminhando, do ponto de vista institucional. No entanto, há um coletivo feminista na UNEB Campus X – Teixeira de Freitas, chamado “Eu defendo as Minas” que já realizava ações, debates, intervenções acerca do tema; tivemos a oportunidade de conhecer, no início do ano, o que nos inspirou e informou muito, tanto que, agora, quando explodiram todas essas situações de assédio na UNEB – Eunápolis, não estávamos com as mãos desatadas ou desinformadas sobre o que poderíamos e deveríamos fazer, no aspecto de não deixar a situação solta e se tornar mais um item para o que convém chamar de “Lendas do XVIII”. Eu defendo as Minas, foi muito importante, inclusive, referente a estudos deste grupo ao qual a pesquisadora e professora Ediane Lopes (UNEB – X) faz parte, que identifica que não há aparato dentro da universidade que assegure estes/as estudantes em situação de assediadas/os, mais um motivo para enfrentamos e tocarmos esta luta na universidade. Nós, enquanto Diretório Acadêmico, Roda Viva, estamos realizando, idealizando e concretizando várias atividades dentro do Departamento. Tais atividades são abertas à ampla comunidade acadêmica como para a comunidade externa do Campus XVIII. Nossas ações, no que se refere à campanha “Universidade sem Assédio” e nossa primeira campanha de gestão, por sinal, tem sido: a) colagem de cartazes; b) oficina de cartazes; c) Faixa; d) (02 – duas) mesa de debate, a primeira já citada: “O assédio destrói” e a segunda realizada dia 13/09: “A construção social do macho”, os espaços da mesa têm sido bem mistos e com a participação de todos os cursos do campus, uma parcela significativa tanto de estudantes quanto de alguns professores. Nossas ações têm favorecido mais discussões acerca do assédio e acredito que estamos também incentivando, principalmente, que mais mulheres, jovens e adolescentes de múltiplas faixas etárias sairmos da condição de opressão e passemos a reagir a estas situações. Acredito, também, que destacar e discutir sobre a denúncia, fortalece o empoderamento de algo que possa vir a ser feito como uma das ações primordiais que possam ser feitas. As nossas atividades têm sido fortalecidas e apoiadas por vários movimentos sociais e sociedade civil, tanto no âmbito local, Eunápolis, quanto Teixeira de Freitas, Salvador e organização nacional como: Ocupa UNEB; ADUNEB, ColetivAÇÃO, Flores de Dandara, Frente Brasil Popular, SENCE (Secretaria Nacional de Casas de Estudantes – SENCE), Eu defendo as Minas, entre outros. Estamos nesta luta e vamos continuar, mesmo que as represálias por diversos níveis de composição da comunidade acadêmica do XVIII sejam constantes e indispostas/os ao que se quer discutir, pois, apesar de tudo isso, as conquistas que teremos nesta luta serão usufruídas por estas pessoas também, porque a luta é para ser inclusiva e por direitos comuns. Espero, realmente, que pensem sobre a situação, porque fingir que não existe assédio seja ele moral ou sexual é apenas mais uma prática que fortalece aos “assediadores”, “opressores”, “machistas”, “pseudo-esquerdo-macho”, “agressor”. Enfim, mesmo que veladamente, estas pessoas compactuam com tais práticas a partir do momento em que se calam. Não somos obrigados/as a nada, claro, mas em condição de opressão, quem silencia também agride, e esta “agressão” é sentida com maior gosto de fel pelas estudantes. CHEGA DE SILÊNCIO, REAJA, REAJAM!

Créditos de imagem: Caroline Santos Lima e Cintia Glória Lima.

 

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