O lançamento do documentário “História Mal Contada – os feminicídios na cobertura jornalística”, realizado na última sexta-feira (10), no auditório do CCE/UFSC, seguiu de uma roda de conversa que debateu questões da violência de gênero e dos casos de feminicídio noticiados na imprensa catarinense. Participaram do evento especialistas e representantes de movimentos sociais e da luta pelos direitos humanos e equidade de gênero, pesquisadores (as), estudantes e público em geral.
O Grupo de Pesquisa Transverso: Estudos em Jornalismo, Interesse Público e Crítica, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGJOR/UFSC), promoveu o documentário, que faz parte de uma pesquisa mais ampla do Grupo Transverso, intitulada “Os feminicídios em Santa Catarina e a cobertura jornalística: mapeamento de um problema público”.
O documentário abordou os resultados da pesquisa com o mapeamento das matérias de casos de feminicídio em Santa Catarina pelo portal NSC Total, de 2015 a 2021. Como parte dos resultados, foram identificadas questões relacionadas ao uso do termo de feminicídio ter aumentado nos últimos anos, a utilização de fontes policiais e masculinas como predominantes nas matérias, em notícias e reportagens sobre a temática geral – que não se tratava de casos específicos, se observou que o tema não foi trabalhado com a profundidade e complexidade esperadas, assim como também foram analisadas características e representações sobre os agressores e as vítimas.
Produzido pela Lilás Filmes, com cerca de 25 minutos, o documentário também trouxe o depoimento de mulheres, representantes de movimentos sociais e pesquisadoras, que têm discutido e estudado o problema das violências de gênero que resultam em feminicídios.
Após a apresentação do material audiovisual, a roda de conversa debateu sobre a cobertura jornalística de casos de feminicídio e foi composta pela professora e coordenadora da pesquisa sobre a cobertura jornalística de feminicídios em Santa Catarina, uma das coordenadoras do Grupo de Pesquisa Transverso (UFSC), Terezinha Silva, pela coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU/SC), Luciana Freitas, pela jornalista do portal NSC Total, Catarina Duarte, pela jornalista do portal Gênero e Número, Schirlei Alves, pela doutoranda em psicologia (PPGP/UFSC), Verônica Bem dos Santos, e pela representante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC/SC), Patrícia Klock. A mediação do evento foi realizada pela professora, jornalista e integrante do Grupo Transverso, Fernanda Nascimento.
As profissionais jornalistas Catarina Duarte, do portal NSC Total, e Schirlei Alves, do portal Gênero e Número, debateram a vivência da mulher jornalista dentro das redações na cobertura de casos de feminicídio. “É possível notar uma diferença muito grande de como as redações dos portais feministas tratam casos de feminicídio em relação às grandes mídias”, ressalta a jornalista Schirlei. A jornalista Catarina também observou a importância da conscientização dentro das matérias. “Cada vez mais matérias estão trazendo notas de serviço, mostrando como buscar ajuda e denunciar casos de violência”, aponta.
A coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU/SC), Luciana Freitas, destacou sua vivência enquanto mulher negra, mãe, educadora quilombola, mestra em Educação pela UFSC e doutoranda na UFSC. Luciana pontuou que são poucas as mulheres negras que conseguem fazer trajetória semelhante à dela, pois na grande maioria, são as que mais sofrem diversos tipos de violências, sendo que muitas vezes os casos de mortes de mulheres negras não são notificados como feminicídio. A ativista também ressaltou a importância de compreender o contexto e os marcadores sociais que levam mulheres a serem vitimadas e que, segundo o ponto de vista dela, nas coberturas de feminicídios o jornalismo não deveria se preocupar com os dois lados, com o contraditório, e que deveria tomar partido pelas mulheres vitimadas.
A doutoranda Verônica Bem dos Santos, que analisa inquéritos de feminicídio e pesquisa como são produzidas as categorias de vítimas neste tipo de crime, debateu um pouco da sua pesquisa na roda de conversa. “Em todos esses inquéritos, nota-se o ideal de maternidade, de feminilidade. Casos que correspondem a esse ideal tem mais atenção da mídia, da investigação, tem mais atenção do Estado. Por que algumas mulheres merecem ter sua morte reconhecida pela questão de gênero e outras mulheres ficam de fora? Mortes de mulheres racializadas, mortes de mulheres em contexto de tráfico, prostituição muitas vezes não são nem reconhecidas pelo contexto de gênero”, aponta.
A representante do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC/SC), mestranda Patrícia Klock, compartilhou sua própria experiência como mulher no campo e ressaltou a importância da escuta das mulheres camponesas. “A distância física é uma questão a se pensar quando falamos de feminicídio. Muitas das entrevistas feitas com mulheres no campo são por internet, por telefone. E as que não tem essa comunicação? Precisamos pensar nas mulheres no campo e as condições de vulnerabilidade, pois quem se desloca para ir à cidade, ao mercado, é o homem, não a mulher. Quem tem o dinheiro é o homem, não a mulher. A mulher produz, trabalha no campo, mas quem tem a renda? O homem. Precisamos pensar na autonomia dessa mulher em questões de renda, políticas públicas e educação, para a mulher camponesa ter sua própria vida. A gente tem que buscar conhecer e ouvir o que elas precisam”, ressalta.
Além da fala das representantes, também foi adicionado um momento de troca de conversa e perguntas do público. A advogada Iris Gonçalves Martins ressaltou sobre a importância de pensar no pós-feminicídio. “Existe uma segunda morte que é sobre a memória dessas mulheres. Como ficam esses filhos dessa mulher que foi morta? Como fica essa família dessa mulher?”, questiona.
A roda de conversa foi encerrada pela professora e coordenadora da pesquisa sobre a cobertura jornalística de feminicídios em Santa Catarina e uma das coordenadoras do Grupo de Pesquisa Transverso (UFSC), Terezinha Silva, que ressaltou a complexidade de perspectivas em torno da problemática do feminicídio, que são estruturais e estão presentes na história e na cultura de uma sociedade que é machista, patriarcal e sexista, e que precisa se educar em diferentes frentes para transformar essa triste realidade. “O documentário ‘História Mal Contada’, assim como a discussão proposta na roda de conversa de hoje, são algumas das contribuições que esperamos estar trazendo, somando-nos aos esforços de tantas e tantos que antes de nós têm produzido trabalhos fundamentais, dentro e fora das universidades, para discutir e pensar ações para o enfrentamento de um problema que não é só das mulheres: é público, é da sociedade, é nosso também, jornalistas, estudantes, pesquisadores(as) e professores(as) de jornalismo”, declara Terezinha.
O documentário “História Mal Contada – os feminicídios na cobertura jornalística” está disponível para visualização no site do Transverso/UFSC, a partir do link: <https://transverso.ufsc.br/> e no canal do Grupo de Pesquisa no YouTube: https://www.youtube.com/@grupotransverso
O projeto de pesquisa do qual o documentário é um dos resultados teve o apoio da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina (PROPESQ), e contemplado com financiamento destinado ao apoio a novos pesquisadores da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC).
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