Por Flávio Carvalho, para Desacato.info.
“Well, are you ready to go?”(La Casa Azul)
Três meninas ao microfone, sobre o palco mediano, numa calorosa festinha de final de curso. Erguem o punho esquerdo fechado e cantam, juntas, o refrão de uma canção famosa por aqui, de um grupo musical catalão chamado La Casa Azul: ¡Bienvenidas a la Revolución Sexual!
Dia seguinte, um domingo ainda mais quente do ano, apresentei-me para recolher minha credencial de convidado no Salão Erótico de Barcelona. Há quem diga que eu estava entrando num dos mais importantes salões desse tema em todo o mundo. Eu acredito nisso, depois de tudo o que eu vi. E senti.
Devo iniciar dizendo que a primeira hora foi estressante, pra quem vinha de um ambiente tranquilo, como o pequenino Pueblo onde eu vivo. Encontrei Trash Metal e Hard Rock a todo volume, proibitivo a qualquer tentativa de conversar no imenso pavilhão olímpico alugado – da Prefeitura – para aquele evento, o tal Salão. Se ainda não assistiu os seus vídeos promocionais na Internet, faça-o agora mesmo.
Em três palcos simultâneos, Hardcore pornográfico. No palquinho com mais apelo sadomasoquista, seis meninas se alternavam enfiando-se gigantescos pênis de borracha, enquanto se golpeavam com uma diversidade infinita de utensílios sádicos. Doía só de ver. Incomodava qualquer sensibilidade. Noutro palco, patrocinado por uma sex-shop, convidou-se, entre o público excitadíssimo, uma voluntária a provar ao vivo, um masturbador masculino no modelo (de verdade), enquanto a sua parceira lhe vendava os olhos e sentava –ambos nus – na cara do modelo que tinha a careca toda tatuada. No palco principal, uma pessoa trans (de aparência mais feminina que masculina) penetrava – tudo aqui é num ritmo frenético – analmente, uma pessoa trans (com barba e vagina). Dezenas de pessoas gravavam, bem de perto, com seus telefones e câmeras de todos os tamanhos. Detestei os gritos do narrador do palco principal: lembrou-me um narrador de rodeio no Brasil. Em cima de tudo, um telão enorme, um filme antigo de um padre lambendo uma freira, e uma palavra piscando em luzes de neon: Libertad.
Um homem aproveitava a tarde passeando nu, somente com uma bolsa pendurada a tiracolo e de sandálias havaianas. Outro, também desnudo, não parava de estimular o (enorme!) próprio pênis no meio do salão com uma centena de pessoas (aproximadamente 30% de mulheres), promovendo-se para agências que trabalham para filmes pornográficos, jovens que lhe pedem selfies – ele atendia a todas, pacientemente – e câmeras de televisão. Uma menina, que se define como “puta não, putíssima”, aproveitava uma das câmeras de TV para protestar contra a pederastia na Igreja católica e contra o Congresso dos Deputados e (mais um, segundo ela) projeto de criminalização sobre o Trabalho Sexual. Uma stripper comprava um doce grande e colorido, de forma fálica. Uma menina vestida somente com duas tiras de couro pretas me oferecia, por seis euros (foi o que eu pude entender, com o barulho), entrar numa salinha com fila do lado de fora. Na tal fila, percebi uma dúzia de homens que não hesitam em se masturbar, em pé, ali mesmo, assistindo o espetáculo que parecia haver ali dentro. Alguém protestou algo, e a horda de punheteiros foi convidada a entrar na pequena sala com uma única luz: vermelha. Do pequeno banheiro ao lado, vi sair (acompanhada) a atriz que estava no palco BDSM a poucos minutos atrás. Um vendedor de quadros eróticos – belíssimos – anunciou uma rebaixa de preços.
Numa salinha, igualmente quente, destacadamente silenciosa e absolutamente lotada, assisto minha anfitriã, uma jovem empreendora brasileira de São Paulo, iniciar uma Oficina sobre Sexualidade Consciente e Tantra para Casais. Anuncia a inauguração da sua nova página web, Auranuda, e fala – pausadamente, sorridente, suavemente, com música baixinha e tranquilizante – sobre Afeto, Respeito, Consentimento, Devoção… Seu público é diverso, participativo (responde, comenta e colabora) e de todas as idades e gêneros – Transgêneros inclusive. Acabo de ser consciente que todo o anúncio publicitário, provocador, rebelde, feminista, dos organizadores deste Salão, está voltado pra mensagem desta brasileira: seu nome é Deva Prem e parece muito necessária não somente para a feminização do público deste evento, mas para um público crescente de pessoas interessadas em tudo que tem a ver com a centralidade da palavra Sexualidade na melhora das suas vidas. Uma jovem (que se define como massagista), na saída da Oficina, me comenta, interessada: não é que a Deva destoe do resto do Salão; é que o Salão só tem a ganhar com ela! Há outras centenas de atividades educativas sobre Sexualidade…
Desde que escrevi, recentemente, para o Portal Desacato, um artigo sobre Sexualidade Consciente e Política, aumentei consideravelmente o meu número de seguidores de várias partes do mundo nas redes sociais onde participo. A Hashtag #tantra, sobre a qual escrevi aquele artigo, pode ser a responsável para que essa estatística de crescimento de seguidores, seja mais de mulheres?
Vaginas Livres é um coletivo que possui um interessantíssimo stand no Salão. Uma ONG feminista ao lado, me ensina que Menstruação é um tema maior do que eu pensava. O Ponto Lilás da Prefeitura de Barcelona conscientiza contra as diversas violências de gênero nos ambientes de ócio noturno. Um aplicativo de Encontros é comandada por uma jovem socióloga que me explica pautas interessantíssimas nos ambientes de Swing (muito mais que intercâmbio de casais). Educação sexual!
Conheci o que é o Shibari e fiquei me perguntando, na hora, por que só havia homens amarrando mulheres, cheias de marcas no corpo. E não vi o contrário, pelo menos naquele momento.
Tudo isso enquanto o segurança orientava um casal de meia idade a não transar nas arquibancadas e – gentilmente! – os orientava um lugar seguro para continuar. Eros realmente reinava.
Se você ainda não parou para pensar nas linhas tênues entre sexualidade, sensualidade, erotismo e onde deviam e não se deviam confundir com pornografia, não compreenderá esse textinho.
Depois do momento inicial de estresse, o meu lado racional, antropológico, parou de fascinar-se com a fauna e flora de tribos urbanas altamente fotográficas e começou a psicologizar o que eu chamaria de Falsos Moralismos, ainda muito presentes nos meus diversos estados de consciência (admito que altamente alterados pelo festival de ruído, luzes e cores): subconsciente e inconsciente, principalmente.
De repente, abateu-me uma drástica nostalgia sobre um tempo intenso da minha vida. Quando no Alto da Sé, em Olinda (cidade que me criou), promoviam-se as famosas Festas da Soma. Aproximei-me, jovem, naquele tempo. A imensa curiosidade, na medida que eu me aproximava, tratava a Somaterapia com todos os preconceitos possíveis: eram todas loucas ou bruxas. Havia mais mulheres que homens.
No meio da sala, havia um senhor bigodudo e barrigudo, autografando um livro (que eu só pude comprar tempos depois, com meus primeiros salários do Banco Bradesco): Ame e dê vexame! Quando comprei esse livro, um amor de juventude presenteou-me com outro, em complemento: Sem Tesão não há solução! “Só se muda o que se reconhece; a Sexualidade está na base de toda a sociedade”.
Eu me aproximei do Partido Comunista, por aquele amorzinho, e meu primeiro voto a candidato a Presidente do Brasil foi pro pernambucano comunista (naquela época), chamado Roberto Freire.
Pra minha sorte, corrigi a tempo o meu equívoco. O autor daqueles livros, que até hoje os guardo comigo, também chamado Roberto Freire (longe de ser a mesma pessoa) era Anarquista Libertário, como eu também hoje, politicamente, assim me defino. Viva a Somaterapia! Não compliquemos a vida: todo amor é livre, ou senão não será amor. Não há nada mais “político” que os diálogos transfeministas.
Sexualidade e Consciência são dois temas correlacionados – ou pelo menos deveriam ser – que proporcionam esse imenso fascínio entre dois polos complementares: o individual mais profundo e íntimo; e a forma com que nos relacionamos em sociedade, em dupla ou de forma mais coletiva. São, ambos os temas, pautados (dogmatizados) pelas mais conservadoras instituições: Tradição (igrejas, religião), Família (Patriarcado, principalmente) e Propriedade (a verdadeira barbárie capitalista).
Nos une, de fato, como trabalhadoras e trabalhadores do mundo, ainda que pacifistas, uma “arma” importantíssima, gratuita e potente: o corpo da gente. Pra desoprimir: Alba Povedano, PsicoWoman, Noemi Casquets, Simone Weill, Wilhelm Reich, Deva Prem, Roberto Freire, Paulo Freire, Augusto Boal… Onde pensas que está tua Energia Vital? Não existe luta coletiva dissociada da transformação profunda, estrutural. Toda forma de amor é fundamental. O afeto, contra a violência fascista, é antídoto central.
¡Bienvenidas a la Revolución Sexual! Foucault está vivo e deveria ter um stand naquele Salão.
“Y hace días que sabes que no,
que a veces no hay que tener el control.
Well, are you ready to go?
Tú que decidiste que tu vida no valía,
que te inclinaste por sentirte siempre mal,
que anticipabas un futuro catastrófico,
hoy pronosticas la Revolución Sexual.
Tú que decidiste que tu amor ya no servía,
que preferiste maquillar tu identidad,
hoy te preparas para el golpe más fantástico
porque hoy empieza la Revolución Sexual”.
(La Casa Azul)
@1flaviocarvalho @quixotemacunaima. Sociólogo e Escritor. Ex-dirigente sindical da CUT e ex Formador da Escola de Formação da CUT no Nordeste.
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