Em junho, o Tribunal de Justiça do Rio derrubou a lei que regulamentava as manifestações em trens, barcas e metrô
Por Jaqueline Deister
Na última semana, o vídeo de um vendedor ambulante que atuava no interior das barcas sendo detido por policiais militares do 12º Batalhão de Polícia Militar de Niterói viralizou nas redes sociais. O registro da ação que imobilizou o homem ocorreu na chegada da embarcação na estação Praça Arariboia na terça-feira (29).
A proibição imposta ao vendedor também se aplica para as apresentações artísticas que ocorrem dentro dos transportes públicos como metrô e barcas. Em junho, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro derrubou a lei 8.120/2018 que regulamentava as manifestações culturais em trens, barcas e metrô. A norma, de autoria do deputado André Ceciliano (PT) e sancionada pelo ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB), estabelecia que o artista não poderia cobrar cachê dos usuários dos transportes públicos, que poderiam doar valores durante as performances espontaneamente. De acordo com o texto, as concessionárias deveriam criar um cadastro de interessados em realizar apresentações.
Em outubro de 2018, a lei foi questionada na justiça pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), hoje senador da república. O parlamentar alegou que as apresentações culturais representavam risco para a segurança e bem-estar dos passageiros.
O desembargador e relator do caso, Heleno Ribeiro Pereira Nunes, afirmou à época que “a difusão de manifestações culturais não pode prejudicar o sossego, o conforto e segurança pública. Os passageiros devem poder decidir se querem ou não assistir às apresentações”.
Apesar da decisão do Tribunal ter sido divulgada em junho, as repressões começaram a ser observadas por artistas e passageiros no final do mês de outubro. Na manhã desta quarta-feira (6), um cantor foi detido por policiais nas barcas durante uma apresentação. No vídeo, divulgado nas redes sociais, é possível notar que os passageiros, em solidariedade ao artista, começam a cantar junto com ele.
Arte e resistência
Rafael Oliveira, conhecido no mundo artístico como Rah Bxd, integra o coletivo Poetas do Vagão e realiza performance de poesia marginal nos transportes públicos há um ano e sete meses. As apresentações realizadas pelo poeta retratam a realidade da Baixada Fluminense a partir da perceptiva de raça e classe. Para o morador do município de Belford Roxo, o trabalho com arte de rua foi uma oportunidade para melhorar a sua condição de vida.“Conheci o trabalho no metrô pela falta de emprego, não estava me satisfazendo ganhar menos e trabalhar para os outros, decidi ir para o metrô trabalhar e fazer um dinheiro. Eu trabalhava num lava jato aqui na rua”, conta o jovem de 21 anos.
Rah Bxd realiza apresentações no metrô e nas barcas junto com mais outros quatro artistas. De acordo com ele, as situações mais difíceis durante as performances foram protagonizadas por passageiros que proferiram ofensas racistas. Para o integrante do coletivo Poetas do Vagão, o importante é, mesmo com a derrubada da lei 8.120/2018, não desistir.
“A resistência é o que há. A gente não vai abaixar a cabeça, temos que colocar comida dentro de casa, dar dinheiro para as nossas mães. No coletivo mesmo tem dois integrantes que têm filho, mulher. Não temos outra escapatória. Queremos fazer a nossa arte, que é o nosso sonho. Não vamos abaixar a cabeça”, ressalta.
Posicionamento
O Brasil de Fato procurou a CCR Barcas, concessionária responsável pelas barcas para um posicionamento. A empresa disse que por medida de segurança da navegação, não permite a atuação de ambulantes ou pedintes no interior de suas embarcações e explicita esta proibição por meio de sinalização e de avisos sonoros. Destacou que a tripulação é treinada para prestar orientação acerca dessa regra e, por não possuir Poder de Polícia, conta com o apoio de policiais militares do Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis).
Segundo a CCR, conforme a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de promover a segurança e o bem-estar dos passageiros dos meios de transportes públicos, estão proibidas as apresentações artísticas no interior das embarcações.