Risco da ingestão de farinhas de mandioca e tucupi coloridos artificialmente

Por Raimundo Nonato Brabo Alves e Moisés de Souza Modesto Junior.

Os amazônidas e especialmente os paraenses são consumidores natos de mandioca, principalmente na forma de farinha de mesa e na composição de pratos típicos como o pato no tucupi, a caldeirada paraense de peixe e o tacacá, que apresentam em suas receitas o tucupi. Para o paraense a farinha de mesa é indispensável nas refeições e o tucupi diferencia o sabor dos pratos regionais, inclusive mantém a tradição da degustação do tacacá, pela parte da tarde, diariamente.

Considerando a produção de mandioca da região Norte de 7.787.395 toneladas da raiz (IBGE, 2015), estima-se que 98% seja processada para fabricação de farinha de mesa com um rendimento de 25%, resultando em um consumo de 1.907.911 toneladas na região, somente neste ano.

Na farinha de mesa as preferências vão de farinhas d’água a farinha seca ou farinha mista, de acordo com a palatabilidade, crocância, textura e digestibilidade de cada tipo. Os consumidores também expressam preferências quanto à coloração: optando pelas farinhas amarelas e menos pelas farinhas brancas e cremes.

Em condições naturais, a cor da farinha é originada em função da coloração da polpa das raízes de mandioca processadas. Farinhas brancas ou cremes são resultantes do processamento de raízes de cultivares de polpa branca ou creme e a farinha amarela é obtida de raízes de cultivares de polpa amarela que tem maior concentração de betacaroteno, sendo a preferida no mercado. As cultivares de polpa amarela também são destinadas a extração do tucupi, produto extraído da prensagem da massa triturada da raiz de mandioca.

Quando a demanda de farinha amarela se elevou no mercado, principalmente para atender o consumo na forma de farofas temperadas, os farinheiros tiveram que recorrer ao uso de corantes artificiais para intensificar a cor amarela nas farinhas obtidas de raízes de polpa branca e creme, para torná-la mais atraente ao consumidor. Passaram a usar o corante amarelo-tartrazina (produto usado na indústria de alimentos e medicamentos e permitido pelo órgão de vigilância sanitária), já que a oferta de mandiocas com raiz de polpa amarela não era suficiente para atender a demanda do mercado.

Chama-se a atenção dos consumidores para o risco do consumo de farinha amarela e de tucupi coloridos artificialmente, pois os corantes são usados de forma indiscriminada e em dosagens elevadas, alguns potencialmente carcinogênicos, devendo ser considerada uma adulteração do produto.

A aplicação do corante tartrazina resulta em uma farinha de cor amarelo vivo, facilmente distinguível das demais farinhas. O tucupi contendo corante artificial quando precipita mantém a coloração amarela em todo o conteúdo, quando exposto em garrafas PET, ao contrario do tucupi natural, que quando em repouso, precipita a parte sólida que dá cor amarela natural ao produto, expondo uma água quase transparente na parte superior. A cor amarela só é ressaltada no tucupi natural quando a garrafa é agitada e o líquido volta a ficar uniformizado.

O problema é que o uso indiscriminado desse corante pode prejudicar a saúde dos consumidores, por estar incluído no rol de substâncias alergênicas, principalmente se usado acima das doses recomendadas.

Prospecções realizadas em algumas farinheiras do Nordeste Paraense evidenciaram a utilização do corante amarelo-tartrazina na dosagem de 400g para 20 litros de água, solução suficiente para 1.000 kg de farinha, quando a dose máxima permitida seria de 300g de tartrazina por tonelada de farinha.

A tartrazina (INS 102) é um pigmento sintético do grupo funcional dos azo-compostos (compostos orgânicos que contém nitrogênio em sua estrutura química). É derivada do creosoto mineral e possui boa solubilidade em água. É usada em condimentos, sorvetes, balas, goma de mascar, gelatina, como também em cosméticos e medicamentos.

Seu uso é permitido por lei conforme a ANVISA, mas o fabricante é obrigado a informar a presença deste corante com a seguinte frase no rótulo: “Este produto contém corante amarelo de tartrazina que pode provocar reações alérgicas em pessoas sensíveis”, para os alimentos e “Este produto contém o corante amarelo de tartrazina que pode causar reações de natureza alérgica, entre as quais asma brônquica, especialmente em pessoas alérgicas ao Ácido Acetil Salicílico”, isto nos medicamentos. Ocorre que não vem sendo cumprida esta exigência legal nas embalagens de farinha de mandioca coloridas artificialmente.

O corante tartrazina foi avaliado toxicologicamente pelo Joint FAO/WHO Expert Committee on Food Additives – JECFA, grupo de especialistas que avalia a segurança de uso de aditivos para o Codex Alimentarius, com enfoque em análise de risco. O JECFA determinou a IDA (Ingestão Diária Aceitável) numérica de 7,5 mg/kg de peso corpóreo para tartrazina. Isso significa, por exemplo, que uma criança de 30 kg e um adulto de 60 kg podem consumir de 225 mg a 450 mg de tartrazina por dia, respectivamente, sem risco provável à saúde, à luz dos conhecimentos disponíveis na época da avaliação.

A situação torna-se ainda mais grave no meio rural, pois os farinheiros adquirem no mercado informal, o corante em embalagem de saco plástico, sem rótulo, em porções de 100 g, com sérios riscos de ser um produto fora do prazo de validade e sem controle de qualidade, pois eles não sabem nem o nome do produto adquirido, se referindo ao mesmo como “tinta”.

O consumo de tartrazina acima das doses permitidas pode provocar, reações alérgicas em pessoas sensíveis ao corante como asma, bronquite, rinite, náusea, broncoespasmos, urticária, eczema e dor de cabeça.

Um paradoxo ocorre no processamento da farinha: enquanto os farinheiros utilizam a fermentação das raízes, torragem da farinha e fervura das folhas e do tucupi visando reduzir os teores de ácido cianídrico – um veneno mortal – dos derivados da mandioca, ao mesmo tempo por desconhecimento, acrescentam excesso de corantes alergênicos à farinha e ao tucupi.

Deve-se orientar os agricultores e farinheiros sobre os problemas causados pelo uso indiscriminado de corantes artificiais à saúde humana e incentivá-los para aumentarem a área de produção de mandioca com cultivares de polpas amarelas para o preparo de farinha amarela natural. Quando o uso do corante for indispensável, deve-se adquirir de estabelecimentos idôneos e usá-los conforme a dosagem recomendada em suas embalagens, atendendo a exigência legal.

Recomenda-se aos consumidores se alimentarem de farinhas de cor branca e creme e, quando optarem pela amarela, escolham aquelas sem uso de corantes artificiais. A farofa pode ser temperada no momento da torragem e colorida com o uso de urucum (coloral) que é um corante natural sem efeitos alergênicos ao consumo humano.

Considerando que a adição de corantes artificiais na farinha e no tucupi acima da dose permitida pode afetar diretamente a saúde humana, sugere-se uma campanha para desestimular o consumo desses produtos coloridos artificialmente.

farinhabranca
Farinha branca
farinhaamarela
Farinha amarela natural

 

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Farinha amarela artificial

Raimundo Nonato Brabo Alves
Eng. Agrôn. M.Sc. em Agronomia. Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental. E-mail: [email protected]

Moisés de Souza Modesto Junior
Eng. Agrôn. Especialista em Marketing e Agronegócio. Analista da Embrapa Amazônia Oriental. E-mail: [email protected]

 

Fonte: EcoDebate

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