No momento em que o mundo negocia um novo acordo sobre desenvolvimento sustentável, a ser assinado na cúpula Rio+20, a ONU afirmou que apenas quatro dos 90 objetivos ambientais mais importantes acertados internacionalmente nos últimos 40 anos tiveram avanços significativos. O número é inferior ao de objetivos que tiveram retrocesso: oito no total. Outros 40 registraram poucos avanços e 24 praticamente não apresentaram nenhum progresso. Além disso, 14 não puderam ser avaliados devido à falta de dados mensuráveis.
As informações constam da quinta edição do relatório Panorama Ambiental Global, o GEO-5, divulgado no dia 6 de junho pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Segundo o órgão, houve avanço significativo nos objetivos de erradicação do uso de substâncias nocivas à camada de ozônio, eliminação do uso de chumbo em combustíveis, ampliação do acesso a fontes de água potável e aumento das pesquisas sobre a poluição dos mares.
Mas os esforços para o combate às mudanças climáticas e para a preservação dos estoques pesqueiros, por exemplo, praticamente não deram resultado. E a proteção dos recifes de corais teve retrocesso – desde 1980, eles sofreram redução de 38%.
Mensagem – Para o diretor executivo do Pnuma, Achim Steiner, o relatório é uma mensagem direta para os líderes que se reunirão na Rio+20, conferência sobre desenvolvimento sustentável que começa na próxima semana na cidade. Segundo ele, é “chocante” que o mundo não tenha conseguido avançar na maioria dos acordos ambientais.
Steiner diz, porém, que o relatório não passa apenas uma “mensagem de fracasso”. A segunda parte do documento é voltada para a análise de políticas que contribuem para o desenvolvimento sustentável. Com a divulgação, o Pnuma espera que essas iniciativas possam ganhar escala.
Também presente ao lançamento do relatório, a coordenadora executiva da Rio+20 atribuiu a falta de implementação dos acordos já firmados ao fato de que os líderes políticos e empresariais ainda não incorporaram o desenvolvimento sustentável ao centro de suas políticas. Henrietta Elizabeth Thompson avalia que a conferência não está fadada a ver o mesmo acontecer com seus acordos porque o cenário atual é “diferente”. Como exemplo, ela citou o fato de que neste ano, pela primeira vez, o Banco Mundial reuniu ministros da Economia de todo o mundo para discutir o desenvolvimento sustentável.
Outros fatores que, segundo ela, terão impacto positivo sobre a Rio+20 são a existência de mais informações científicas sobre a necessidade de mudanças e a maior presença de líderes empresariais nas discussões.
De acordo com Fatoumata Keita-Ouane, do setor científico do Pnuma, a pesquisa mostrou que os objetivos são implementados com mais sucesso quando vinculados a metas numéricas e com prazos definidos. Uma das discussões na Rio+20 é justamente o estabelecimento dos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que poderiam englobar metas nas áreas de energia e erradicação da pobreza, por exemplo.
Inércia – Presente na divulgação do relatório do Pnuma, Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) apontou a importância do relatório para a conscientização mundial e decorrente tomada de ações. “Temos que quebrar essa inércia e esperamos que a Rio+20 seja o momento de isso acontecer. Quando os fatos são embasados em ciência, no melhor da ciência, não adianta fazer de conta, no estilo ‘eu não acredito, não quero ouvir’. Se os fatos estão mostrando vários desequilíbrios importantes e poucos progressos, a ação tem que ser correspondente”, propôs.
Apesar de mostrar que os objetivos ambientais firmados na Rio 92 não foram cumpridos, o relatório do Pnuma ressalva que há esperança de melhoria do cenário global. Neste aspecto, o documento cita o Brasil como exemplo positivo, em decorrência da adoção de medidas preventivas, devido à implantação do sistema de monitoramento de desmatamento da Amazônia por satélites.
Nobre destacou que “o Brasil está na vanguarda mundial em vários pontos. É o único país em desenvolvimento que tem metas para a redução da emissão dos gases e que tem legitimidade para assumir posição de liderança na Rio+20”, ressaltou. Para ele, o conhecimento científico traduz com precisão o censo de urgência do cenário atual.
Em sua apresentação, Nobre alertou que “já passamos do ponto em que poderemos ter o futuro que queremos, e que estamos próximos do limite”. O secretário assinalou, ainda, que a diminuição da biodiversidade é um dos pontos mais alarmantes e disse que o desaparecimento do gelo no Polo Norte é praticamente irreversível, afetando não apenas o clima global, mas também a vida polar e marinha. Ele defendeu, também, a implantação de uma política pública mundial para evitar o aquecimento global, uma vez que estudos comprovam que a Floresta Amazônica não resistiria a uma elevação de quatro graus na temperatura.
América Latina – O capítulo ‘América Latina e Caribe’ do relatório divulgado pelo Pnuma levanta questões sobre a gestão ambiental na região. “Muitos países da região não têm leis ambientais robustas”, diz Keisha Garcia, pesquisadora de Trinidad e Tobago e uma das coordenadoras do capítulo. “No geral, o meio ambiente é visto como algo isolado e não está entre as preocupações políticas centrais dos países.”
Quase 80% da população dos 33 países da América Latina e Caribe vive em cidades, o que torna a região uma das mais urbanizadas do mundo. O aumento da população produz vários desafios. Embora a região seja rica em recursos hídricos, a expansão populacional, a urbanização e o mau gerenciamento tornam problemático o suprimento de água no futuro.
A região concentra cerca de 70% das espécies do mundo, mas registra grandes perdas de biodiversidade. As múltiplas ameaças abrangem desde a mudança climática, até pressão demográfica e práticas insustentáveis de manejo da terra. A conversão de ecossistemas naturais em sistemas produtivos é, atualmente, um dos maiores fatores de impacto sobre a biodiversidade. “Políticas que envolvam as comunidades locais são chave para encontrar soluções”, lembra a pesquisadora Keisha.
O uso da terra é um problema frequente na região. Em muitos lugares, a agricultura e a pecuária são produzidas de forma não sustentável, lembra o estudo. “Desde 1960, as terras agriculturáveis aumentaram 86% na América Latina, 46% na África e 36% na Ásia, coincidindo com um grande desmatamento nas três regiões no período”, diz o estudo. Na América do Sul, a terra usada para agricultura aumentou 18% entre 1970 e 2009 e a pecuária, 31%. Práticas de integração pecuária e lavoura usadas em propriedades do cerrado brasileiro aumentam a produtividade e são citadas como bons exemplos.
O capítulo menciona os impactos que a região sofre com a mudança climática, e lista uma série de casos que merecem ser vistos com lupa. A construção de casas populares com critérios sustentáveis no Brasil é um dos exemplos, assim como o Bolsa Verde, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e que pretende beneficiar 73 mil pequenos agricultores e comunidades tradicionais.
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