Por Débora Fogliatto.
Em menos de um mês, relatos de duas estudantes constrangidas por professores em salas de aula de universidades em Porto Alegre foram amplamente divulgados no Facebook. O fato que levou as jovens, uma na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e outra na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a serem forçadas a deixar a sala de aula foi terem ido para a universidade levando suas filhas pequenas. Os casos trouxeram à tona a discussão acerca de maternidade no ambiente escolar e da necessidade de se respeitar e propor soluções para as mulheres e crianças.
Foi na primeira semana letiva que Taís Oliveira Barboza levou para a sala de aula a pequena Bethina, quietinha no sling — pano que fica preso ao corpo da mãe e do bebê, permitindo que ele seja carregado sem que ela precise usar os braços. Sem fazer barulhos, ela sentou no fundo da sala, amamentou a bebê, deu um pouco de água e o mordedor para a filha. Passados sete minutos desde que ela havia entrado na sala, um dos dois professores da cadeira, olhando para a estudante, falou: “Assim não dá, né? Pode sair da sala” (com um gesto em direção à rua). O outro professor ainda tentou intervir, dizendo que ela poderia ficar, mas o primeiro reiterou a necessidade de Taís sair da aula.
“Eu resolvi sair, sem ter o que falar, sem contestar, sem nada. Vi meus argumentos de militância indo por água a baixo, me senti incapaz de argumentar, de contestar aquilo, aliás, ninguém teve coragem de falar nada”, relatou ela em seu Facebook, alguns dias após o ocorrido. Ao final da aula, por volta das 22h, o professor que a havia expulsado abordou a estudante e pediu desculpas, dizendo que ela estava sendo “extremista” de se sentir ofendida e levar a questão ao Centro Acadêmico da faculdade.
Mesmo com o episódio, Taís continua frequentando as aulas da disciplina, e ao mesmo tempo falou com a coordenação da Famecos, que a orientou a encaminhar um requerimento sobre o assunto. A Faculdade também se desculpou e se colocou à disposição da aluna, segundo ela. Nos últimos dias, a estudante continua levando a bebê de 7 meses para a PUCRS quando o pai da criança não pode ficar com ela. “Eu que estou dentro do feminismo, inclusive no feminismo negro, vejo a falta de assistência e o descaso que a sociedade tem com as mães, principalmente se forem negras”, afirma.
A PUCRS informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que Taís tem “frequentado regularmente as aulas acompanhada da sua filha, quando necessário, e não há impedimento da Instituição em relação a isso”. A universidade também esclareceu que “o corpo discente é tratado com isonomia, pelo que inexiste ato de perseguição ou restrição de qualquer tipo, por parte dos professores, à referida aluna, situação que já foi explicada internamente”.
No final de março, Nina Bitencourt também publicou em seu perfil um relato de descaso em sala de aula. Estudante do Instituto de Letras da UFRGS, ela precisou levar a pequena Anya, de 5 anos, com ela para a faculdade. Segundo seu relato, a professora a olhou com “ar de incredulidade” e começou a questioná-la se a criança iria entrar na aula, se não iria “incomodar”, se nenhum parente poderia cuidar da menina, entre outras perguntas que a intimidaram. “Respondi pacientemente às perguntas e expliquei que ela estar ali comigo era o modo de garantir minha permanência na universidade”, relata.
A menina sentou no chão, ao lado da mãe, e ficou brincando de bonecas durante a aula, enquanto Nina tentava “ignorar os respirares fundos da professora, olhares raivosos pra minha filha e prestar a atenção na explicação dela”. Após cerca de 15 minutos de aula, a docente perguntou novamente, em tom de voz alto: “mas tu não tem mesmo com quem deixar ela?”, o que fez com que Nina começasse a arrumar suas coisas para sair da aula. “Eu saí da sala, não podia mais continuar sendo humilhada e continuar deixando minha filha ser exposta daquela maneira. Fui até à Comissão de Graduação e, enquanto eu era orientada quanto às medidas cabíveis, a professora apareceu e continuou falando, justificando, se exaltando e repetindo na frente da minha filha o quanto ela estava atrapalhando porque estava brincando”, contou.
Ela, que entrou grávida na universidade, decidiu abandonar a cadeira, argumentando que “não tem condições de seguir assistindo aula com uma pessoa dessas”. “O questionamento que quero deixar com esse breve relato é: quantas mães não assistiram aula por causa dos seus filhos hoje? Quantas mães não conseguiram emprego por causa dos seus filhos hoje? E quantas mais serão excluídas por serem mães amanhã?”.
Mães universitárias
Apesar dos relatos terem viralizado no início deste ano, os constrangimentos e dificuldades passados por mães universitárias não são novidade. Em 2013, Agnes Santos se mudou para Porto Alegre de Uberlândia, Minas Gerais, para cursar o Mestrado em Sociologia na UFRGS. Por ser recém-chegada na capital gaúcha e não ter com quem deixar sua filha, à época com 3 anos, precisou levar a menina nos primeiros meses de aula. “Eu só consegui começar a receber bolsa em outubro daquele ano e, então, a levei nas aulas de março a outubro. Ela não conversava, nunca chorou nem nada parecido. Ficava boa parte do tempo no meu colo e dormia com frequência, nenhum professor nunca reclamou”, relata.
No entanto, após alguns meses, ela foi chamada pela coordenadora do curso, que disse estar “preocupada com seu rendimento acadêmico”, argumentando que seria prejudicado pela presença da criança. “Ela finalizou a conversa dizendo que eu deveria cuidar, pois poderia acabar sendo desligada. Eu me senti constrangida, mas deixei quieto porque queria receber a bolsa, o que acabou acontecendo um tempo depois, e eu pude colocar a minha filha em uma creche”, conta Agnes.
Já Taiane Arguilar, estudante de Administração da PUCRS e mãe do Ricardo, de 3 anos, sentiu o preconceito no meio acadêmico já quando estava grávida. “Eu fiquei grávida na faculdade, a gravidez em si foi um processo bem doloroso de aceitação, principalmente no meio acadêmico, porque as pessoas te julgam com olhares, cochichos e até te tratam como diferente”, recorda.
No período em que o bebê era amamentado, ela precisava contar com o pai da criança ou com a boa vontade de amigos próximos que ficavam com ele no corredor da faculdade enquanto ela assistia às aulas. Quando chegava a hora de amamentar, saía da sala, exatamente por não se sentir confortável em entrar com o bebê. “Depois do desmame foi mais tranquilo deixar ele em casa, mas, mesmo assim, até hoje ainda tenho que contar com a boa vontade das pessoas para cuidarem dele enquanto estou na aula”, relata.
Creches nas universidades
Taiane faz parte do Movimento de Mulheres Olga Benário, o qual está, em conjunto com um professor e estudantes de Administração, desenvolvendo o projeto de uma creche universitária na PUCRS. A ideia é que as crianças fiquem no local por períodos de quatro horas — duração das aulas — divididos em três turnos, e que as estudantes de Pedagogia possam fazer estágio no local como parte do currículo do curso. Isso ainda está sendo viabilizado, dentro da sala de aula, e com o Diretório Central dos Estudantes.
Já na UFRGS, existe uma creche universitária, mas ela é limitada a filhos de professores e servidores. A assessoria de imprensa da universidade afirma que não há uma regulamentação específica referente a crianças nas salas de aula, mas reitera que há editais para auxílio-creche, no valor de R$ 250, para mães de filhos menores de 6 anos. As estudantes precisam se candidatar para receber o benefício. A Direção da Faculdade de Letras também informou que recebeu o relato de Nina, o qual foi encaminhado para avaliação na Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, que irá determinar se um processo administrativo será aberto sobre o caso.
Para Agnes, caso fosse possível deixar sua filha na creche da UFRGS, o constrangimento pela qual ela passou poderia ser evitado. “Nem sempre é fácil conseguir uma vaga na escola pública e creche privada custa muito caro”, explica. O déficit de vagas em creches públicas é um problema recorrente: segundo o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, em 2015 faltavam três milhões de vagas em creches e pré-escolas públicas para alunos de até 5 anos de idade no Estado.
Em outra postagem no Facebook, Nina questionou exatamente este ponto. “Nossa voz ecoada tem como objetivo uma solução maior, melhor e que sabemos ser a maior prazo: queremos vagas em creches públicas para todas, queremos que a instituição de ensino ofereça espaço para deixarmos nossas crianças, queremos estar inseridas na universidade e no mercado de trabalho sem sermos inutilizadas para além do espaço doméstico depois que nos tornamos mães”, afirmou.
Pelas redes sociais, a Iniciativa Mulheres Unidas começou um levantamento de assinaturas para tentar protocolar um projeto de lei no Senado que determine a abertura de creches nas universidades e faculdades do país. Segundo a entidade, se a proposta atingir 20 mil apoios até agosto, irá para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), que deve discutir a ideia para o projeto. Em menos de 24 horas, desde que a campanha foi lançada, já eram mais de 1.700 assinaturas online.
O grupo destaca que, segundo pesquisa da Andifes (2011), as mulheres representam 57,5% das vagas ocupadas nas instituições de ensino superior federais e, ao mesmo tempo, a maior taxa de evasão ocorre entre as mulheres, sendo 68% dos trancamentos de matrícula por parte delas decorrentes da licença maternidade. “A ausência de políticas afirmativas de assistência para as estudantes mais necessitadas interfere diretamente no desempenho dessas. É ainda mais grave a situação das mães estudantes, que não conseguem conciliar seus estudos com os cuidados da criança. Embora existam universidades com creches, o número de vagas não é suficiente para a demanda. As vagas deveriam atender tanto universitárias quanto funcionárias das instituições”, critica a Iniciativa.
Dentre as universidades de Porto Alegre e da Região Metropolitana, a Unilasalle, de Canoas, já contou com parceria entre a instituição de ensino superior e a de educação infantil, que também pertence à rede. Entre os anos de 2012 e 2013, o projeto “Esperar Brincando” permitia que crianças de 3 a 6 anos que eram filhos de acadêmicos ficassem na escola, fazendo atividades pedagógicas e lúdicas. A universidade informa que a proposta não foi mais oferecida porque havia pouca procura, mas que seria possível repensar caso haja demanda.
Para Taís, tais iniciativas são importantes, mas também é preciso debater o preconceito da sociedade e do meio universitário com as mães. “A maternidade mudou, as mulheres avançaram e lugar de mãe é na universidade sim”, constata. Ela lembra que a licença-maternidade é de quatro meses, período em que as estudantes podem ficar em casa sem prejuízos acadêmicos, mas que com cinco meses os bebês ainda são amamentados no peito na maioria das vezes. “Quem leva a sério a amamentação exclusiva, precisa dar de mamar pelo menos nos primeiros seis meses. A minha filha fica cerca de duas horas mamando, e nessas horas fica tranquila. Eu escolhi levar para a faculdade e não tenho que ser julgada por isso, mas as pessoas julgam a todo momento”, defende.
Fonte: Sul 21