Por Altamiro Borges.
No bilionário mundo do futebol, o cartola Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, nunca escondeu suas íntimas ligações com os donos da Rede Globo. Com a notícia divulgada nessa terça-feira (18), de que a Justiça da Espanha emitiu ordem de prisão contra o suposto corrupto, a famiglia Marinho deve estar apavorada. Será que Ricardo Teixeira revelará os esquemas sinistros das transmissões dos jogos da seleção brasileira nos últimos anos? Nos últimos dias, o blogueiro Luis Nassif já vinha alertando para o risco da prisão e da delação bombástica do cartola. Neste domingo (16), o programa Domingo Espetacular, da Record, também trouxe uma reportagem do jornalista Luiz Carlos Azenha que menciona as maracutaias da CBF e da rival TV Globo.
Segundo a revista Placar, o motivo da ordem de prisão foi “a participação do cartola no esquema montado por Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona, para desviar milhões de dólares em jogos amistosos da seleção. A ordem teria partido da juíza Carmen Lamela, da Audiência Nacional. ‘Teixeira obteve, de forma indireta, mediante a um emaranhado societário que se nutria da renda do acordo da ISE para a Uptrend, grande parte dos 8,3 milhões de euros que a ISE transferiu para a Uptrend pela suposta intermediação desta última’, afirmou a Lamela. Como consequência das investigações, Sandro Rosell já se encontra preso. Se fosse, de fato, detido, Teixeira não seria extraditado para a Espanha, como determina a lei brasileira”.
Ainda segundo a matéria, “os investigadores concluíram que ‘parte dos fundos não foi para a CBF, senão que, de uma forma fraudulenta, foi ao próprio Teixeira’. As autoridades espanholas ainda chegaram à constatação de que o delito de Ricardo Teixeira foi ‘a apropriação por parte do presidente da CBF dos fundos pagos para obter os direitos das partidas jogadas pela seleção brasileira’. Desde a prisão de Sandro Rosell, a defesa de Ricardo Teixeira tem negado qualquer tipo de irregularidade”. As negativas, porém, não convenceram a Justiça da Espanha e a situação do cartola tende a se deteriorar rapidamente. E já há boatos de que ele toparia fazer uma “delação premiada”, o que poderia arrastar para a lama a poderosa Rede Globo.
O cerco se fecha contra a famiglia Marinho
Como antecipou Luis Nassif, em artigo postado no Jornal GGN em junho último, as recentes descobertas do submundo do futebol estão se aproximando rapidamente da famiglia Marinho. “No dia 23 de maio passado, a edição em inglês do El Pais noticiava a prisão de Sandro Rosell, ex-presidente do Barcelona de 2010 a 2014 e ex-executivo da Nike. Era uma notícia curiosa. O Ministério Público da Espanha prendeu Rosell e desvendou uma organização criminosa cujo epicentro estava no Brasil. Preso na Espanha, Sandro Rosell foi quem trouxe a Nike para a seleção brasileira. Quando foi preso, El Pais, ABC e Público manchetaram que ‘esquema brasileiro cai na França’. As investigações mostraram que Rosell atuava em parceria com o ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, através da empresa Alianto”.
Após dar detalhes sobre o funcionamento do esquema mafioso, Luis Nassif concluiu: “A Fifa é um escândalo eminentemente brasileiro, know how tupiniquim, desenvolvido pela Rede Globo, em parceria com a CBF e levado por João Havelange para a Fifa. Cria-se uma empresa laranja, que adquire os direitos de transmissão por um preço mínimo. Depois, a laranja vende para as emissoras de TV, que faturam várias vezes mais com a venda do patrocínio. Parte da diferença fica com os laranjas, que repassarão para os dirigentes esportivos… Nos campeonatos brasileiros, o laranja era a empresa Traffic Group, de J. Hawilla. Na Argentina, o Torneios y Competencia. Na Fifa, a ISL, que quebrou em 2001. Nos negócios de Rosell, a Alianto”.
“Os grupos de mídia acertavam os acordos com os dirigentes de federações, mas o contrato era fechado com os laranjas. Era da parte dos laranjas que saiam as propinas para os dirigentes. E se fosse muito grande a diferença entre o valor recebido pelas emissoras na venda de patrocínios, e aqueles pagos aos laranjas, tratava-se de negócio privado entre privados. Crime perfeito! As investigações apontaram corrupção na venda dos jogos da Copa do Mundo, das Eliminatórias, da Copa das Américas e da Libertadores. Na Fifa, as investigações rapidamente descobriram as relações entre o ILS e os dirigentes, incluindo os brasileiros João Havelange e Ricardo Teixeira. No Brasil, nada foi feito. Embora, na Fifa, Teixeira fechasse os negócios diretamente com a Globo – outras emissoras precisavam passar pelos intermediários – a emissora passou relativamente incólume pelas primeiras etapas da investigação”.
Agora, porém, “o jogo passou a ficar pesado para a Globo”, garante o blogueiro. “O FBI e o Ministério Público da Espanha identificaram pagamento de propinas na venda dos direitos de transmissão da Copa Brasil. Ali, não houve intermediários: a Globo comprou diretamente da CBF, através de seu diretor Marcelo Campos Pinto. Foi propina na veia, sem os cuidados da intermediação. A Globo entrou definitivamente na mira do Departamento de Justiça dos EUA, do FBI e da cooperação internacional”. Para Luis Nassif, “esse fato explica muito dos episódios recentes da política brasileira”, como as recentes manobras do império global para fritar Michel Temer – o golpista que a famiglia Marinho ajudou a alçar ao poder.
Pelo jeito, Ricardo Teixeira é realmente o “homem-bomba da Globo”, como já alertará o jornalista Luiz Carlos Azenha em texto publicado em maio de 2015 em seu blog, o Viomundo. Vale relembrar o artigo:
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Ricardo Teixeira, homem-bomba da Globo
Anos 2000. A International Sport and Leisure (ISL) corre o risco de falir. A empresa havia sido criada por Horst Dassler, o magnata alemão herdeiro da Adidas. Foi o homem que ajudou a inventar o marketing esportivo: assumir um evento, empacotar comercialmente e vender a emissoras de televisão, já com os patrocinadores definidos.
Hoje sabemos que a ISL dominou o mercado à custa de dezenas de milhões de dólares em propinas. O homem da mala de Dassler era Jean Marie Weber. O encarregado de molhar a mão da cartolagem e garantir os direitos de TV e de marketing que eram das federações.
Foi o esquema da ISL que enriqueceu João Havelange e Ricardo Teixeira. Na casa dos milhões e milhões de dólares. Mostramos no Brasil – modéstia à parte, pela primeira vez – a relação entre as datas de pagamento das propinas e o enriquecimento de Teixeira. Está tudo em O Lado Sujo do Futebol.
Voltemos à ISL. Fustigada por concorrentes, deu passo maior que as pernas, sem contar a drenagem do dinheiro que destinava à corrupção. No desespero, fez um pedido à Globo Overseas, dos irmãos Marinho. Queria um empréstimo. A Globo concordou em fazer um adiantamento de uma parcela devida, relativa a direitos de TV da Copa do Mundo, com 13% de desconto. Assim foi feito.
Mas, a FIFA chiou, já que não recebeu da ISL o repasse que lhe era devido. Foi à Justiça. O caso resultou numa ação contra seis executivos da ISL, inclusive o homem da mala. A Globo foi ouvida no caso. No dia 26 de agosto de 2001, o todo-poderoso do futebol global, Marcelo Campos Pinto, deu depoimento.
Não era objeto daquele caso investigar a Globo. Como não é agora, com os cartolas presos em Zurique. Mas aquele primeiro caso colocou a bola para rolar. Foi resultante dele a investigação subsequente, do promotor Thomas Hildbrand, que acabou com um acordo envolvendo Teixeira e Havelange. Eles devolveram parte do dinheiro recebido como propina e ficou por isso mesmo. Não admitiram culpa, mas o meticuloso trabalho de Hildbrand seguiu o dinheiro e constatou sem sombra de dúvidas o propinoduto na casa das dezenas de milhões de dólares.
O que há em comum entre o caso suiço e o de agora, nos Estados Unidos? A escolha arbitrária, pela cartolagem, de intermediários que facilitam o enriquecimento pessoal. Por que a FIFA não vendeu os direitos diretamente às emissoras de TV? Por que a CBF não vendeu os direitos da Copa do Brasil diretamente às emissoras de TV? Porque os intermediários levam a bolada de onde sai a propina.
Foi assim com a ISL, foi assim com a Traffic de J. Háwilla. Exemplo? Contrato da Nike com a CBF. De acordo com a promotoria dos Estados Unidos, Háwilla recebeu pelo menos U$ 30 milhões da Nike na Suiça, dos quais repassou 50% a Ricardo Teixeira. Só aí são, em valores de hoje, por baixo, R$ 45 milhões de reais para o cartola! Considerando o valor total do contrato, dá uma taxa de cerca de 20% de propina.
Como sabemos que Teixeira está sendo investigado pelo FBI? Porque na página 74 do indiciamento feito nos Estados Unidos é mencionado que, no dia 11 de julho de 1996, houve a assinatura do contrato entre a Nike e a CBF em Nova York. Quem assinou em nome da CBF foi o co-conspirador de número 11. Como quem assinou em nome da CBF foi Ricardo Teixeira, ele é o co-conspirador número 11 (num documento paralelo, a plea bargain de J. Háwilla, Teixeira é o co-conspirador número 13).
Também é possível identificar J. Háwilla, neste documento, como o co-conspirador número 2. Foi ele quem, em abril de 2014, teve uma conversa um tanto bizarra com José Maria Marin na Flórida. Marin tinha ido a Miami tratar da Copa América Centenário, que será disputada em 2016 nos Estados Unidos. Mas falou com Háwilla sobre pagamentos devidos a ele e ao co-conspirador número 12 (presumivelmente Marco Polo Del Nero, o atual presidente da CBF) no esquema da Copa do Brasil.
Háwilla provavelmente usava uma escuta ambiental, já que o diálogo é transcrito ipsis literis pelos promotores.
Em resumo, Háwilla perguntou se deveria continuar pagando propina ao antecessor de José Maria Marin, Ricardo Teixeira, no esquema da Copa do Brasil. Marin respondeu mais ou menos assim: “Tá na hora de vir para nós. Verdade ou não?”.
Háwilla: “Certo, certo, certo, o dinheiro tinha de ser dado a você”. Marin: “É isso, certo”.
Disso podemos tirar duas conclusões:
– Tudo indica que o FBI usou escutas ambientais em mais de um dos quatro acusados que fizeram confissão de culpa. Em Chuck Blazer, conhecido como Mr. 10%, o fez com certeza. Como nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, não há vazamentos seletivos para a imprensa, só saberemos exatamente quando e se as gravações forem mostradas no julgamento.
– Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero estão sob investigação da polícia federal dos Estados Unidos.
Uma autoridade norte-americana disse ao New York Times que deverá acontecer uma segunda rodada de indiciamentos. O mais provável é que a promotoria aguarde a extradição dos presos em Zurique para tentar obter a colaboração de mais algum deles.
Marin está com 83 anos de idade. Vai passar o resto da vida na cadeia ou fazer acordo com os promotores?
O foco parece ser, acima de tudo, a FIFA e sua cartolagem graúda, ainda em atividade. São aqueles que conhecem com intimidade os bastidores e as negociatas do futebol, tanto quanto ou mais que J. Háwilla. Gente que pode denunciar esquemas, identificar negócios ilícitos, enfim, colaborar com a promotoria em troca de leniência.
Neste sentido, pela longevidade no poder, Ricardo Teixeira tem muito a contar.
Tanto quanto o FBI, ele parece gostar de gravações.
Narramos em nosso livro um episódio intrigante, sobre o dia em que a blindagem de Teixeira no noticiário da TV Globo foi brevemente rompida:
Isso durou até 13 de agosto, um sábado. Nesse dia, 12 policiais civis de Brasília cumpriram mandado de busca e apreensão no apartamento de Vanessa Almeida Precht, no Leblon, no Rio de Janeiro. O endereço era a sede da Ailanto, a empresa de Vanessa e Sandro Rosell acusada de desviar dinheiro do amistoso entre Brasil e Portugal.
Diante de novas denúncias, a polícia obteve na Justiça autorização para vasculhar a empresa em busca de documentos e computadores. A busca foi noticiada no “Jornal Nacional”.
Teixeira enfureceu-se. Na quinta-feira subsequente, veio a vingança. O colunista Ricardo Feltrin publicou uma suposta ameaça de Teixeira ao diretor da Globo Esportes, Marcelo Campos Pinto. Segundo Feltrin, o dirigente estava disposto a revelar gravações, em seu poder, que mostrariam a forma como a Globo manipulou horário de partidas de clubes e da seleção. E mais: outras gravações evidenciariam a prepotência da cúpula da Globo Esportes e o desprezo por concorrentes. A pessoas próximas, Teixeira teria dito estar perplexo com “a cacetada da Globo” e se sentindo traído. Sua maior revolta se devia ao fato de, poucos meses antes, ter ajudado a Globo a manter os direitos de transmissão do futebol.
O recado de Teixeira, via imprensa, inibiu a Globo de avançar no noticiário. Mas o cartola percebeu que alguma coisa estava fora da ordem. Mesmo a contragosto, a Globo havia noticiado alguma coisa contra ele. Era o sinal mais claro de que a informação no Brasil não tinha mais dono.
Um fenômeno causado tanto pela disseminação do acesso à internet quanto pela redução relativa do alcance de veículos tradicionais. Em 1989, por exemplo, quando o cartola tomou posse na CBF, a média de audiência do Jornal Nacional era de 59 pontos. Em 2013, foi de 26. Ou seja, quase 6 em cada 10 telespectadores do Jornal Nacional mudaram de canal. E grande parte deles estava se informando sobre as denúncias contra Teixeira.
Agora, o ex-presidente da CBF perdeu seu refúgio na Flórida. Ele não obteve a cidadania definitiva que buscava no refúgio fiscal de Andorra, onde ficaria livre de extradição. Como definiu meu colega Leandro Cipoloni, Teixeira se parece com aquele rei que, no xadrez, anda de lado uma casa por vez, para escapar do xeque-mate que fatalmente virá.
Se for indiciado nos Estados Unidos e, consequentemente, acossado por autoridades brasileiras, vai respeitar a lei do silêncio?