25 de fevereiro de 1981.
Eram outros tempos, é claro, o Brasil submergia sob uma ditadura militar, o mundo ainda vivia a Guerra Fria.
Trabalhava na época como repórter na Folha e fui escalado na véspera para cobrir o julgamento de Lula e outros dez metalúrgicos na Auditoria Militar da rua Brigadeiro Luis Antonio, em São Paulo.
Os sindicalistas haviam sido enquadrados pela Justiça Militar na Lei de Segurança Nacional por “incitação à desobediência coletiva das leis” por conta da greve de 41 dias que haviam comandado, no ano anterior, de dentro da prisão do Dops, onde ficaram um mês.
O que aconteceu naquele dia do primeiro encontro marcado de Lula com a Justiça brasileira, que acabou não acontecendo, como veremos a seguir, eu conto nas páginas 98 e 99 do meu livro Do golpe ao Planalto _ uma vida de repórter (Companhia das Letras, 2006).
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Para fazer a cobertura do julgamento dos metalúrgicos na Auditoria Militar marcado para o final de fevereiro de 1981, era preciso providenciar uma credencial especial, distribuída no quartel-general do então II Exército, no Ibirapuera. Cada jornalista foi recebendo a sua, e a minha vez não chegava. Sem maiores explicações, negaram-me a credencial. Fui perguntar ao chefe da 2ª Seção, o serviço secreto do Exército, responsável pelo credenciamento, o que estava acontecendo. Sem prestar muita atenção no que eu lhe dizia, o coronel encarregado encerrou logo a conversa. “Não tenho que lhe dar satisfações”. Além de mim, só os correspondentes estrangeiros não foram credenciados.
Com seu jeito pragmático, o chefe de reportagem Adilson Laranjeira, em vez de ficar se lamentando, resolveu pedir credencial para outro repórter e me mandou passar o dia do julgamento em São Bernardo do Campo, para fazer “matéria de clima na cidade”. Fui cedo, direto para a casa de Lula, pensando em tomar um café com Marisa. Ao chegar lá, descobri que ninguém tinha ido à Auditoria Militar. Os advogados acharam melhor que eles fossem julgados à revelia. Repórter é como goleiro: tem que ter sorte. Horas depois, quando os outros jornalistas souberam do paradeiro de Lula e dos demais metalúrgicos denunciados pela Justiça Militar, eu já havia colhido um rico material _ e naquele dia acabei vivendo, sem querer, minha primeira experiência como assessor de imprensa.
É que Lula e os advogados não queriam falar com os repórteres aglomerados no portão, e me pediram que conversasse com os colegas. Fiz um breve relato sobre quem se encontrava na casa, o que estavam fazendo e tal, mas deixei a melhor parte para a minha matéria, claro, publicada com o título “Aqui em casa cada um sabe o que fazer”.
Durante a madrugada, o telefone não parou de tocar, reclamou Marisa, que só foi dormir depois das duas da manhã. Às sete horas, os dois já estavam de pé e, aos poucos, a casa foi se transformando num cenário paralelo ao da Auditoria Militar, com a chegada de vários dos personagens mais importantes.
Quando a fome bateu, por volta das duas da tarde, resolveram fazer uma “vaquinha” para comprar feijoada num bar próximo [era uma quarta-feira, como hoje] já que Marisa não teve tempo de preparar o almoço. As cinco marmitas desapareceram rapidamente, e Lula, o principal acusado no julgamento, dormiu no chão, apesar de toda a bagunça ao seu redor. Confundiam-se naquela sala a voz do senador italiano Armelino Milani, a do correspondente do Washington Post, a dos repórteres da televisão alemã e a da peãozada de forte sotaque nordestino.
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Lula e seus companheiros foram julgados à revelia e condenados a penas de até três anos de prisão.
No dia 16 de abril de 1982, o Superior Tribunal Militar anulou todo o processo.
E a candidatura de Lula ao governo do Estado de São Paulo pode ser lançada pelo PT no dia 21 do mesmo mês. Na sua primeira disputa eleitoral, Lula ficaria em quarto lugar (Franco Montoro, do PMDB, foi eleito governador).
Fonte: r7