Por Thierry Meyssan.
Xeque Hasina, que depois de quinze anos dirigia o Bangladesh e era famosa como uma campeã da democracia, foi subitamente derrubada pela multidão, em 4 de Agosto. Ela é acusada pelo novo governo de ter transformado o seu regime numa ditadura. Efectivamente, as eleições legislativas de 7 de janeiro de 2004 deram-lhe um parlamento obediente, já que elas haviam sido boicotadas pela Oposição e, sobretudo, as manifestações de Julho-Agosto foram reprimidas de maneira sangrenta, causando pelo menos 250 mortes, talvez até 650.
Como sempre, as aparências são enganadoras e os contos mediáticos puras intoxicações.
Em 24 de maio de 2023, o Departamento de Estado dos EUA interditou o acesso ao território dos Estados Unidos a certos dirigentes bengalis a fim, dizia, de os forçar a organizar eleições livres e justas [1].
Primeira anomalia : ingerências da Comissão Europeia e do Departamento de Estado dos EUA
No dia 6 de janeiro, quer dizer, na véspera das eleições gerais boicotadas pela Oposição, Maria Zakharova, porta-voz do Ministério russo dos Negócios Estrangeiros, pôs em causa as ingerências da Comissão Europeia e do Departamento de Estado dos EUA na organização destas eleições [2]. Segundo o Washington Post, Bharat (India) teria intervido junto do Departamento de Estado para que a mudança de regime no Bengladesh decorresse suavemente.
Sabe-se que o Instituto Republicano Internacional (IRI) e o Instituto Democrático Nacional (NDI) se envolveram fortemente na preparação dessas eleições. Estes organismos, ligados à CIA, receberam mesmo vários milhões da Fundo Nacional para a Democracia (NDI) para tal.
O Supremo Tribunal Bengali tinha restaurado o sistema de quotas na função pública em junho. Estas são reservadas aos veteranos da Guerra da Independência (1971) e seus descendentes, o que favorece os membros da Liga Awami no Poder que lutaram na Guerra da Independência. Os jovens licenciados encontram-se, assim, sem perspectivas de emprego. Uma greve pacífica foi então organizada por sindicatos estudantis. Ela foi interrompida durante as festas muçulmanas (Eïd).
Após as eleições de janeiro de 2024, um diplomata norte-americano alertou a Xeque Hasina que se ela não aceitasse ceder uma parte do território bengali, para criar um Estado cristão a cavalo sobre o Mianmar e instalar uma base aérea militar estrangeira na ilha de Saint-Martin, seria derrubada. Em 24 de maio de 2024, ou seja, duas semanas antes do início do movimento contra ela, a Xeque Hasina reuniu os dirigentes dos 14 partidos políticos da sua coligação para os alertar sobre este complô [3]. Em vão.
Segunda anomalia: operações de destruição dos símbolos do Bangladesh
Desde o início da greve, em junho, vários indivíduos atacaram e vandalizaram monumentos de homenagem ao fundador da nação, o Xeque Mujibur Rahman (assassinado em 1975). Ora, no momento, ninguém criticava esse herói nacional. Acontece que este não é apenas o pai da nação (Bangabandhu), mas também o da Conselheira Principal (Primeira-Ministra), a Xeque Hasina. Isto, foi exactamente o que se viu no início da guerra na Síria (2011): indivíduos não identificados vandalizaram as estátuas de Hafez al-Assad (1930-2000), que, portanto, à época ninguém no país contestava. Não se tratava de pôr em causa a sua herança, mas de destruir símbolos do Estado de maneira a deslegitimar o seu filho e sucessor, Bashar al-Assad.
A mídia internacional não deu importância a estas ações contra os monumentos públicos. Elas eram, segundo tudo parecia, perpetradas por membros do Partido Nacionalista do Bangladesh (BNP). Esta formação fora criada por Ziaur Rahman, Presidente de Bangladesh de 1977 a 1981, data de seu assassinato. Ela é favorável aos islamistas, enquanto a Liga Awami é laicista. Toda a história do meio-século de existência do Bangladesh é uma luta entre islamistas e laicistas. A presidente do BNP e antiga Conselheira Principal (1991-1996 e 2001-2006), Khaleda Zia, está hoje em dia na prisão por desvio de fundos. O seu filho, Tarique Rahman, prossegue a sua luta a partir de Londres (capital do antigo Império das Índias de onde o Bangladesh é originário), onde vive no exílio.
A partir de maio de 2023, o BNP contrata Hunter Biden (filho do Presidente norte-americano) através da empresa Blue Star Strategies. O acordo especifica que Hunter Biden receberá, além das taxas de lobby, US$ 100 milhões de dólares assim que o BNP volte ao Poder.
Os islamistas são representados pelo Jamaat-e-Islami, fundado por Sayyid Abul Ala Maududi e Said Ramadan, representante da Confraria Egípcia dos Irmãos Muçulmanos. Eles militam contra o Estado bengali e pela ligação ao Paquistão.
Em 10 de julho, uma marcha de protesto confrontou-se com manifestantes da Liga Awami. Em 19 de julho, os manifestantes atacaram um centro de detenção, libertaram os prisioneiros e incendiaram-no. Os tumultos que se seguiram fizeram mais de uma centena de mortos. Em 4 de agosto, novos protestos causaram 97 mortes adicionais. A Conselheira Principal, Xeque Hasina demite-se após 650 mortes em dois meses e foge para a Índia num helicóptero militar [4].
Terceira anomalia: um regime pacífico torna-se de repente mortífero
Xeque Hasina jamais havia mandado atirar contra a multidão. Por que de repente ela derramou tanto sangue? Encontramos aqui o método desenvolvido pelos Estados Unidos durante as guerras da Iugoslávia e que eu os tinha visto aplicar na Líbia e na Síria: atiradores especiais colocados nos telhados ferem ou matam, em simultâneo, polícias e manifestantes de modo a cada um veja o outro como inimigo.
Em 6 de agosto, Mohammad Shahabuddin, Presidente da República, dissolve o Parlamento e nomeia Muhammad Yunus Conselheiro Principal interino (Primeiro-Ministro) do Bangladesh para dirigir o governo após debates com o exército e os dirigentes dos protestos.
Quarta anomalia: um outsider torna-se conselheiro principal
Por uma “feliz coincidência”, Muhammad Yunus anunciara em junho a sua intenção de regressar à política e de governar o Bangladesh [5]. Passa-se sempre o mesmo nas revoluções coloridas: o vencedor não é nunca aquele em quem se pensa.
O economista Muhammad Yunus (Prémio Nobel da Paz 2006 pela sua prática dos micro-créditos) tinha entrado em conflito com a Xeque Hasina, que contestava uma ação do seu banco de microcrédito. Ele tinha transferido 100 milhões de dólares de subvenções de diversos países para uma empresa familiar para evitar pagar impostos e cobrava taxas de juro elevadas às mulheres pobres, na ordem de 21 a 37 % [6].
Yunus é um amigo pessoal dos Clinton e um doador importante da Clinton Global Initiative (CGI). Os Clinton ameaçaram Xeque Hasina de se oporem a um empréstimo de 1,2 mil bilhões de dólares do Banco Mundial se o Bangladesh processasse Muhammad Yunus. Sem este empréstimo, a construção da ponte ferroviária sobre o rio Padma foi interrompida. Jornais, financiados pelos Estados Unidos, revelaram supostos subornos pagos pela empresa de construção canadense de pontes à Xeque Hasina. Esta proclamou a sua inocência e acusou Muhammad Yunus de ter urdido este complô. Ele fora então defendido pelo antigo presidente do Banco Mundial e membro do comité directivo do Grupo Bilderberg, James Wolfensohn.
O promotor-br do Tribunal Penal Internacional (TPI), Luis Moreno Ocampo, viajou para o país com vista a proceder a inculpações. No entanto, não houve processos bengalis contra Muhammad Yunus e um tribunal canadense estabeleceu que não havia qualquer irregularidade na construção da Ponte de Padma.
Desde a sua nomeação, Muhammad Yunus atribuíu-se 25 ministérios. Ele declarou durante a sua primeira conferência de imprensa: « Eu tomei as rédeas de um país que, bem vistas as coisas, era um verdadeiro desastre. Nos seus esforços para permanecer no Poder, a ditadura (sic) da Xeque Hasina destruiu todas as instituições do país. O sistema judicial foi estilhaçado. Os direitos democráticos foram suprimidos por uma repressão brutal que durou dez anos e meio ».
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