Por Gilson Camargo.
O tribunal do júri decidiu por maioria de votos pela condenação de Dieison Corrêa Zandavalli, 36 anos, acusado pelo estupro e assassinato da menina kaingang Daiane Griá Sales, de 14 anos, aliciada em uma festa de rua nas proximidades da reserva da Guarita, na Terra Indígena da Guarita, município de Redentora, a 425 quilômetros de Porto Alegre. O crime ocorreu na madrugada de 1º de agosto de 2021.
O julgamento foi presidido pela juíza Ezequiela Basso Bernardi Possani, titular da Vara Judicial da Comarca de Coronel Bicaco. Ela fixou a sentença em 36 anos e seis meses de prisão em regime inicial fechado, com o cumprimento imediato da pena.
A prisão do réu foi mantida. Ele está recolhido no Presídio Estadual de Três Passos. A leitura da sentença pela magistrada foi encerrada às 17h30min, finalizando mais de 20 horas de trabalhos em plenário.
A condenação é pelos crimes de homicídio qualificado por feminicídio, motivo torpe, motivo fútil, recurso que dificultou a defesa da vítima e dissimulação, para assegurar a impunidade de outro crime, e estupro de vulnerável.

Iniciado na manhã de quinta-feira, 13, no Foro da Comarca de Coronel Bicaco, no Noroeste do RS, o júri do acusado pelo estupro e morte da menina kaingang, em uma área de lavoura no município de Redentora, durou mais de 20 horas. O primeiro dia de julgamento começou às 8h e, após a escolha dos jurados (quatro mulheres e três homens), oitiva das testemunhas e interrogatório do réu, terminou por volta de 21h. O júri é presidido pela juíza de direito Ezequiela Basso Bernardi Possani, titular da Vara Judicial da Comarca de Coronel Bicaco.
Nesta sexta-feira, 14, a partir das 9h, o júri popular foi reaberto, com a fase de debates entre acusação e defesa, com 90 minutos para advogados de defesa e promotoria apresentarem suas teses aos jurados. Familiares da vítima, Daiane Griá Sales, de 14 anos, e do réu acompanham o julgamento no local. Representantes da comunidade indígena e movimentos sociais também estavam presentes. Desde a véspera, mulheres indígenas e não indígenas e representantes de movimentos sociais montaram vigília em frente ao Fórum onde ocorre o julgamento.
A barbárie em detalhes

Quem testemunhou primeiro foi o inspetor Neves Bastos Mello, que participou de forma remota do julgamento. Ele relatou que recebeu pela polícia civil o aviso de pessoas da comunidade indígena de que o corpo havia sido achado em uma área de lavoura, local de difícil acesso. Informou que não havia comunicação de desaparecimento da menina, apenas o registro da descoberta do corpo. O depoimento mais longo foi do delegado que conduziu as investigações, Vilmar Schaefer. Por cerca de duas horas, ele deu detalhes da investigação que chegou ao indiciamento do réu, trabalho realizado por uma força-tarefa que reuniu policiais civis da região durante 40 dias. “Todas as linhas de investigação foram consideradas, pessoalmente gerenciei tudo isso”, disse. Segundo ele, quase 100 oitivas foram realizadas.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, a vítima foi estrangulada pelo réu e morreu por consequência da asfixia. Ainda, segundo o MP, o réu encontrou-se com a vítima em uma localidade de Redentora, onde aconteciam bailes. Depois que ela aceitou a carona, que também fora oferecida a outras meninas indígenas, o acusado dirigiu até o local dos crimes.
A morte teria acontecido na sequência dos atos pelos quais o réu cometeu o crime sexual, aproveitando-se do estado de embriaguez da menina, impossibilitada de reagir, usando de violência, com toques e beijos, apoiando-se sobre ela, conforme a denúncia. Segundo o MP, o corpo da vítima foi achado mais de três dias depois dos fatos, em um matagal.
Durante o depoimento, o delegado citou as razões para a convicção na autoria dos crimes, entre elas o fato dos álibis do acusado para a noite dos fatos serem inconsistentes. “Todos os álibis que nos trouxe foram derrubados”, afirmou. O policial mencionou ainda provas testemunhais dando conta de que o acusado teria dado carona para a menina, e acrescentou: “Na medida que surge o vestígio genético dele no corpo da vítima, evidente que ele teve contato com a vítima. Não tinha como os indícios não apontarem para ele”, concluiu.

Mãe da vítima, de origem kaingang, prestou depoimento com auxílio de uma intérprete, pois não é fluente na língua portuguesa. Foto: Juliano Verardi/Dicom-TJRS
A mãe da vítima, Julia Griá, também prestou depoimento, na condição de informante. Com auxílio de uma intérprete, por não ter fluência na Língua Portuguesa, a indígena disse que viu a filha pela última vez no sábado – a morte ocorreria na madrugada do domingo –, e que achava que ela voltaria logo, mas não voltou mais.
Ela lembrou que foi avisada da morte por uma foto que lhe foi enviada, e não acreditou porque não reconheceu a filha na imagem. Não chegou a ir ao local, e disse que procurou a filha por todos os dias até ela ser encontrada. A mãe afirmou que Daiane participava de grupos de danças na comunidade e no coral da Igreja Evangélica. Contou que pensa muito na menina, de quem se lembra sempre que vê as roupas que ainda estão guardadas na casa.
Interrogatório do réu
Depois de todas as testemunhas serem ouvidas, o réu foi interrogado por cerca de vinte minutos. Dieison Corrêa Zandavalli, 36 anos, que está preso de forma preventiva desde o indiciamento pela polícia civil, em setembro de 2021, optou pelo silêncio parcial, e respondeu a perguntas da sua defesa e dos jurados.
O acusado negou ter cometido os crimes dos quais é acusado. “Não tem nada que eu ficasse com medo. Não tenho participação nisso daí”, disse ao responder por que aceitou ceder material para o teste de DNA. Contou que conheceu Daiane na quinta-feira antes do dia dos fatos, ocasião em que tomou cerveja com ela e teriam “apenas” se beijado e abraçado. “Foi só isso que aconteceu.”
Em relação ao sábado seguinte, disse que não esteve na Vila São João, local da festa, mas que estava em um acampamento numa barragem da região. “Não posso assumir uma coisa que não fiz”, defendeu-se.