Retrospectiva: Vivemos uma posição de desconforto, de fragmentação e desesperança

“Os únicos derrotados são os que abaixam a cabeça” (Mujica)

Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.

O sentimento que melhor descreve o tempo em que vivemos no Brasil atual é desânimo, afinal o poder econômico manda e desmanda no país. Bolsonaro, mais um lacaio do sistema cumpre as ordens do capital de uma maneira apressada e atabalhoada, assim como seus eleitores e sua persistente base de apoio. Enquanto isso o país adoece de maneira estranhamente triste. Cada brasileira e cada brasileiro faz esforço cada vez maior para tocar seu dia, pois esperança não há.

Fazendo uma brevíssima tempestade de conjuntura, temos Lula injustamente preso; pois, apesar de ter sido cooptado pelo capital, era o único que apresentava ainda algum potencial de organização da classe, pois não chegou a fazer todos os esquemas na velocidade que o capital financeiro mais afoito e incontrolável desejava.

Uma presidente derrubada por motivos fúteis. Um congresso nacional que mais parece um profissional do sexo de luxo, pois vende a alma e tudo o mais, dependendo da quantia de dinheiro.

Depois disso tudo, o que vimos foi um amontoado de cortes nos direitos do trabalhadores, uma verdadeira desforra, onde o culpado sempre foi o PT. Pior, esse discurso incoerente continua presente em setores significativos da própria classe trabalhadora. Na sequência veio a reforma da previdência parcialmente aprovada, e pouca ou nenhuma resistência dos movimentos sociais, sindicatos ou associações. Diria que não há chance democrática de segurar a aprovação da reforma da previdência em segundo turno na câmara dos deputados e no senado.

Com o desemprego e o desalento crescendo assustadoramente. Fato que pode ser percebido nas ruas, com a mendicância, a fome, a desorganização das instituições sociais, o aumento das doenças infecto-contagiosas, dos suicídios. A privatização de setores essenciais como saúde e educação, retirando não apenas as condições materiais de vida de uma parcela significativa da população, mas a esperança de viver, de lutar e de sonhar.

Mas de repente, em meio a tantas notícias ruins, vem um lampejo de esperança, como se uma bóia salva-vidas tivesse sido jogada pelas denúncias veiculadas pelo The intercept Brasil. A gravidade das denúncias tem repercussão internacional e, os derrotados nesse último período histórico tentam ver uma luz no fim do túnel, mas o jogo vira mais uma vez e o poder econômico mostra a que veio. As denúncias obtidas por meio de hackers poderia desmascarar o grande esquema criminoso que colocou Bolsonaro e sua quadrilha no poder. Foram desvendadas as reais intenções de Moro e Dalagnol com relação à Lula, darem lastro para a candidatura do tirano e serem governo agora.

O poder econômico no Brasil perdeu qualquer limite de sensatez e do ridículo. Vejam, a mídia golpista encabeçada pela Rede Globo, que dentre os grupos de comunicação é a menos financiada pelos evangélicos, vinha fazendo a crítica ao governo Bolsonaro. Seus repórteres vinham trabalhando com afinco e demonstrando a revolta contra um governo tirano. De fato, nunca acreditei em lutar com as organizações Globo no mesmo front, e dito feito. A Globo se vendeu mais uma vez, como de costume. Desconheço o que aconteceu no submundo do poder, mas algum acerto “refinanciando”, perdoando ou fazendo algum esquema, calou o maior aparelho de formação de opinião do Brasil. O que se vê agora são repórteres apagados, com semblante cansado e apenas preservando seu mísero emprego.  Tentando não enlouquecer.

Mas todo o cenário apresentado não é o que há de pior no país, o pior é perceber o apoio popular e esse projeto anti-humano possui. O pior é perceber que muitos jovens, mesmo aqueles que têm acesso à educação pública, à saúde pública e outros benefícios sociais, graças às lutas democráticas do passado, apoiam esse projeto, apoiam a destruição da previdência pública e apostam que a financeirização da vida vai resolver os problemas de todos.

Vivemos em uma situação de risco iminente, de medo, de competitividade, de ódio pelo diferente. Vivemos uma posição de desconforto, de fragmentação e de desesperança, ou seja vivemos uma condição onde as condições materiais de vida, que podem prover saúde às pessoas, estão sob risco e as condições subjetivas, produzidas socialmente chegam a limites incompatíveis com uma condição mental digna. É preciso amor, é preciso paz para viver, mas isso só será possível com muita luta, com muita mobilização e com uma ruptura radical com a sociedade capitalista.

Imagem de capa: “Desocupados ou desocupação” de Antonio Berni.

Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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