Retrospectiva: Universidade é para gerar lucro?

Luta pela Universidade Federal Fronteira Sul no interior de SC. Foto: Arquivo Jornal Comunitário.
As universidades públicas virarão empresas

 

Por Elaine Tavares. 

O projeto Future-se apresentado pelo governo para as universidades federais pretende transformar essas instituições federais em empresas, trabalhando com conceitos como gestão e empreendedorismo. Segundo o ministro da educação a forma de inserção será por adesão, como foi a EBSERH, empresa privada gerindo os Hospitais Universitários. Mas, é claro, as universidades que não aderirem ficarão sem qualquer ajuda. Ou seja, não será uma opção, como tampouco foi opção a entrega dos HUS.

Na proposta as universidades serão gerenciadas por uma organização social totalmente fora do universo universitário que será contratada para administrar a partir de parâmetros empresariais. Ou seja, a universidade deverá ser uma empresa que gere lucro. Caso não, será descartada.

Quem conhece a universidade sabe que hoje ela recebe muita verba privada. Cursos que atuam junto a empresas são sempre mais beneficiados, pois acabam realizando pesquisas que servem aos seus financiadores. Isso acontece muito na área técnica. Já a área de humanas, por exemplo, ou da comunicação e expressão, tem outra pegada. Não são cursos que vendem inovações ou serviços. Outros setores, como as licenciaturas, igualmente não são “lucrativos”. Que será deles? Um empresário entenderá essas particularidades? Obviamente não.

Como no caso da EBESERH a lógica financeira será a de injetar dinheiro nas organizações sociais, que são privadas, deixando de mandar os recursos diretamente para as IFES. É uma proposta que visa fortalecer a empresa privada e não a pública. Na prática, a universidade ficará totalmente na mão da OS.

O governo propõe a criação de um Fundo financeiro do qual o MEC poderá ser cotista, o que significa que outras empresas poderão se associar. Por outro lado, o MEC poderá entregar seus “lucros” para a OS que administra, caso entenda necessário. Ou seja, os ganhos serão todos das empresas. Educação precisará dar lucro.

O que o governo chama de “governança” é a responsabilidade de cada universidade de vender seus produtos e arrecadar recursos para continuar existindo. Ou seja, professores, alunos e trabalhadores terão de ser “criativos” e encontrar formas de gerar lucro. O ensino será algo totalmente tangencial. Os Centros de Ensino criarão Sociedades de Propósito Específico, cujo “propósito específico” será ganhar dinheiro para continuar ganhando dinheiro.

O projeto é um show de horrores que descaracteriza totalmente a ideia de universidade tal como a conhecemos. Aparentemente o objetivo de criar conhecimento, produzir ciência, promover o crescimento pessoal, está completamente fora da proposta. Tudo gira em torno da gestão. É a transformação da universidade em empresa, na qual professores e técnico-administrativos serão envolvidos num processo de produção privada. Sua função será a de criar produtos. Não há qualquer referência ao ensino, à educação, nada.

De fato não há novidade alguma no projeto, pois antes das eleições já era sabido que a proposta do então candidato era a de destruir tudo o que fosse público. O que se vê, agora, é concretização de tudo o que já estava anunciado no plano de governo.

O que surpreende é a incapacidade de reação por parte das entidades sindicais e movimentos sociais. Sem uma ação concreta e rápida contra mais esse ataque ao Brasil, a universidade afundará.

A Andifes, associação que reúne os reitores das Universidades Federais, realizou uma conversa inicial com a imprensa, informando sobre o projeto, e o que se viu foi uma algaravia sobre a situação difícil das entidades e a necessidade de se encontrar saídas para a gestão. Nenhum rechaço, pelo contrário, a entidade acredita que é necessário encontrar caminhos para captar recursos. A posição foi de que a Andifes vai discutir, criar grupos de estudo, patati, patatá.  Nós já vivemos essa situação antes com a proposta da EBSERH e também vimos como tudo aconteceu. Na UFSC, por exemplo, a adesão, que foi rejeitada por toda a comunidade em mais de 70%, foi à votação no Conselho Universitário, numa reunião dentro da Polícia Militar, para evitar manifestações. E na maioria das universidades, apesar de a comunidade se manifestar contra, o projeto passou.

Sobre a intenção do governo federal não resta qualquer dúvida: é entregar esse patrimônio nacional que é a universidade pública para a iniciativa privada. Com o andar da carruagem fica cada vez mais claro que no bordão “Brasil acima de todos”, Brasil quer dizer o mundo privado. Tudo para os ricos. Nada para os pobres. É tempo de agir.

Elaine Tavares é Jornalista em Florianópolis.

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