As doenças infecto-contagiosas e o neoliberalismo
Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.
Na semana passada o Brasil perdeu o status de país livre do sarampo, demérito alcançado devido ao período de quase um ano onde foram constatados casos de sarampo no território brasileiro. Além do sarampo, temos um crescente de casos de dengue, febre amarela, H1N1, poliomielite e uma série de doenças infecto contagiosas praticamente extintas ou pelo menos controladas no Brasil até 2015. Essa situação é rapidamente explicada pela mídia devido à redução da cobertura vacinal amplamente constatada.
Cenário posto, precisamos analisar com muita calma os elementos em debate, pois, a princípio não houve redução no gasto público direto com a vacinação no período de 2015 até os dias de hoje. O que sabemos é que há uma redução drástica no gasto público em saúde que é mais uma das marcas do acelerado desmonte do SUS. Refiro-me à fase acelerada porque a trajetória de políticas neoliberais vem prejudicando o SUS desde a sua criação em 1990 com apenas variações na sua intensidade, contexto que não permite que o SUS se efetive em todos os seus princípios, diretrizes e estrutura necessária. No governo Temer houve redução de mais de 4 bilhões de reais no gasto em saúde.
A redução do gasto em saúde é apenas uma das dimensões dos “ajustes” neoliberais, que visam a trágica austeridade fiscal, discurso mentiroso que o capital financeiro impõe às economias periféricas como a brasileira, sob a rígida orientação do Banco Mundial com seus documentos controversos e políticas de incentivo às privatizações. Nesse período pós-golpe, foram enormes os cortes nos gastos públicos na esfera social, aquela que visa reduzir injustiças sociais, diminuir a fome e incluir minimamente as pessoas na vida social, seja pela saúde, educação, moradia, saneamento básico, combate ao abuso de drogas, entre tantas outras políticas. Junto dos cortes orçamentários nas políticas sociais, temos uma economia que segue ladeira abaixo. Uma economia que sustenta um desemprego de mais de 12% da população economicamente ativa, segundo o IBGE. Dado subestimado, pois não considera a informalidade que não garante vida digna, também não considera os desalentados, que já desistiram de procurar emprego.
Esse breve panorama serve para trazer um pouco da precária condição de vida por que passa a classe trabalhadora no Brasil, desemprego, fome, miséria, violência e uma insegurança social muito grande. Assim, não podemos cair na armadilha de atribuir a volta das doenças infecto-contagiosas apenas à redução da cobertura vacinal.
O conceito ampliado de saúde, que orienta o SUS coloca que a saúde é condicionada e determinada pelas condições materiais de vida da população, envolvendo emprego, renda, habitação, alimentação, saneamento, etc. Desta forma, tantas doenças ressurgem no Brasil não apenas por dificuldade na vacinação ou no cuidado específico da saúde, mas porque a condição de vida está cada vez por aqui.
Precisamos continuar vacinando, investindo em saúde, mas de nada isso vai adiantar se não melhorar a condição de vida a população como um todo. Para isso precisamos de uma economia da repartição e não da acumulação. O que será obtido apenas com muita luta.
Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
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