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Minicurso do Olavoh – Introdução (parte 1)
Por Guigo Ribeiro, para Desacato.info.
Olavoh adentrou o saguão do hotel em pressa e raiva. Detestava atrasos e respeitava os ponteiros de seu relógio em devoção. Na chegada, malas exageradas no chão (6 malas grandes pra 5 dias) e o peso enorme de não gozar um tempo só seu antes do início do minicurso que ministraria para pessoas que não conhecia. Não conhecia as pessoas, não conhecia o perfil delas, tampouco conhecia sobre o que ia falar. Mas a grana era alta e o prestígio frente aos que o contrataram também. Olavoh havia sido chamado (contratado) 2 dias antes. Logo, teve relativo tempo para se organizar e assim partir para mais um compromisso profissional. O contato deu-se da seguinte forma. Pelas tantas da manhã, recebeu uma ligação de um empresário.Este, dono do próprio hotel que Olavoh se hospedou, afirmou que fontes seguras garantiram a presença certa do presidente na cidade nos próximos meses. Assim, sonhando em ter o presidente hospedado em um de seus maiores (e caros) quartos, resolveu criar mais vínculo com o mesmo. Então convidou Olavoh, ídolo do presidente, para realizar um minicurso no local. Os presentes seriam diversos, partindo da premissa democrática, e o tema seria cardápio em dia de pagamento. Só escolher.
– Você é o homem das ideias. Seu intelecto é prova disso. Realize um minicurso sobre o que quiser e divulgarei sua presença ilustre pelos 17 cantos. Quanto ao preço, me fale depois e não haverá negociação. Só transfiro.
Tentador! Olavoh foi. Olavoh estava lá.
Enquanto acertava os detalhes finais de sua ida ao melhor (e um dos mais caros, repito) quarto, Olavoh ainda sofria os transtornos da viagem, clamando pelos tempos lindos em que avião era de quem sabe andar de avião. Sempre tinha crises nervosas com pessoas se embaralhando no check in, nas fotos pra cada canto e aplausos no pouso. Era sofrível estar diante de alguém que embarca com o RG. E quando o tripulante ao lado se metia a querer papo sem falar direito? Numa dessas até marcou terapia.
– Olavoh, está tudo pronto! Já avisamos que houve um pequeno atraso, mas fique sossegado. A plateia te espera ansiosa. E, claro, pelo seu conhecimento –informado por um funcionário da organização.
– Obrigado! – rude.
Foi.
Havia uma grande plateia presente. Todos ansiosos pelo que seria dito e pelos contatos de negócios posteriores. Olavoh se ajeitou na cadeira, de um longo gole de água e aguardou o fim das palmas. Começou:
– Boa noite pra todos. É uma honra fazer parte desse momento. E desculpem o atraso. Pra tudo que se quer construir, encontramos barreiras, dificuldades. Mas o conhecimento une e muda o curso da história. Por isso aqui estou. Meu minicurso ocorrerá nos próximos 5 dias e vai ser um prazer contar com vocês. E nessa introdução, trouxe a reflexão sobre o que faremos. Não dos temas, mas sim do que me proponho a construir com vocês nos encontros. Hoje, nessa introdução, quero explanar sobre o “nós” no mundo. E sendo “nós”, é importante que se saiba o que cabe pra cada um; por exemplo, vindo pra cá, tive dificuldades com o voo. Atrasos. Foi informado que este se deu pelo mal tempo, mas eu duvido. É uma questão física. O avião voa levado pelo peso e força das turbinas, certo?
Todos concordaram.
– …Então façamos uma conta rápida. O avião acelera x quilômetros por hora e sua força o leva pro alto. Chegando lá, é só manter e escolher seguir o sentido do vento. Caso o destino seja o sentido oposto, pega o embalo necessário e faz a curva. Quer dizer. Nesses tantos… eu posso fumar aqui?
Todos concordaram.
– …justamente por não pensarem neste aspecto. Mas não foi o meu caso nesses tantos anos – acendeu o cigarro – voos e mais voos foram realizados e atrasados. Meu caso deu-se, tenho certeza, por pessoas não aptas aos aeroportos perderem tempo demais nas filas. Por não saber que um botão é um botão. O universo diz isso. O botão é um botão e sua relação é com o dedo. Uma cadeira é uma cadeira e sua relação é com a bunda. Correto? Logo… as máquinas foram feitas para otimizar o tempo e quem não se dá com elas, revela-se primitivo. Portanto… que fique no chão. De preferência em cavernas. E é assim o curso da história. Equivalente! Mas… sobre a introdução… eu já comecei a introdução, né? Algo que queiram saber? Bom… pensando bem. Essa introdução é mais pra eu mostrar que vim e serão ótimos encontros.
Aplausos.
– Certa manhã li uma frase de Nietzsche que exprimia grande parte do pensamento contemporâneo: você é do tamanho do seu sonho ao passo que grandes lutas são dadas para grandes guerreiros. Ao me deparar com essa frase, me veio a relação do homem contemporâneo, seus conflitos e angústias nas filas de aeroportos, embalo de aviões rumos ao céu e teoria de relatividade, do Van Gogh. Pensem caminhos que se cruzam e
chegam ao sul. Pois é! Pra subir de novo depois, sabe? Então a junção de tudo adentra o estado de solidez. Sem marcas.
Os presentes anotavam o mais rápido que suas mãos permitiam e lutavam contra o natural sono. Estavam interessados.
– Uma vez fui perguntado sobre as possibilidades de Brasil e… posso fumar um cigarro?
Todos concordaram.
– …e me detive ao provocar da vida frente ao próprio “nós”. É verdade! Não concluí esse pensamento. Mas este não será concluído hoje. Essa foi a introdução. Nos vemos amanhã?
Foi aplaudido de pé.
– Um abraço e deixem seus comentários na caixa ali fora. Vou ler com prazer. Tchau. Até amanhã neste mesmo horário.
Olavoh saiu rumo ao seu quarto apressado. Tinha sono, alguma fome e necessidade de um banho. Ficou feliz com a introdução. E feliz porque não faziam perguntas. Dormiu.
Guigo Ribeiro é ator, músico e escritor, autor do livro “O Dia e o Dia Que o Mundo Acabou”, disponível em Edfross.
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