Retrospectiva: Marx já sabia que o emprego faz bem à saúde

Na semana que passou, a reconhecida revista Social Science and Medicine publicou um estudo que demonstra que o trabalho promove saúde mental nos trabalhadores, mas aí vem a questão: apenas um dia de trabalho por semana já produz todo o seu benefício. Ou seja, trabalhar mais do que um dia da semana não apresentou, segundo o estudo, nenhum benefício a mais.

Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.

Vejamos, o trabalho é atividade fundamental humana de integração social, de construção de identidade e de construção de sujeitos autônomos, partícipes de uma sociedade. Desta forma, é atividade fundamental humana, na qual o ser humano se desenvolve de maneira individual e coletiva. O mesmo estudo (https://www.theguardian.com/society/2019/jun/19/working-one-day-week-improves-mental-health-study-suggests).

O desemprego em si, ou seja a condição de pessoa desempregada está associado à uma pior condição de saúde mental, donde decorre a sugestão de inúmeros estudiosos de que o trabalho faz bem à saúde. Assim, considerável número de pesquisadores do tema tem evidenciado dentre os benefícios trazidos pelo trabalho: estrutura de tempo, contatos com outras pessoas, o que promove sociabilidade e um senso de identidade. Entretanto, uma questão importante raramente é colocada em pauta: quanto é necessário trabalhar para se obter os benefícios do trabalho?

O estudo em questão encontrou um impacto positivo na saúde mental ao passar do desemprego para um emprego remunerado, e que esse impulso é obtido com o trabalho de até oito horas, ou cerca de um dia por semana. Não há benefício extra de saúde mental por trabalhar mais do que isso.

A “novidade” trazida pelo estudo era bastante conhecida e debatida por Karl Marx que desde o século XIX defendia a teoria de que é preciso compreender a categoria trabalho na sua complexidade, diferenciando o trabalho como atividade humana essencial; do trabalho alienado, aquele em que o trabalhador, no modo capitalista de produção, vende a sua força de trabalho para algum burguês que remunera parcialmente seu trabalho, resguardando para si essa diferença proveniente do trabalho não pago, a mais-valia.

Com o passar dos anos as formas de extração da mais-valia apenas se intensificaram e o trabalhador, da mesma forma, tem as exigências para manter-se empregado aumentadas pelos processos concorrenciais e pela diminuição do trabalho vivo. Esse processo de intensificação da exploração da classe trabalhadora reflete em aumento e alteração nas formas de adoecimento.

Algumas atualizações dessa nova morfologia do trabalho são trazidas pela obra, ” O Privilégio da Servidão” do sociólogo Ricardo Antunes. Onde este novo proletariado informal ou digital, principalmente do setor de serviços, tem uma acelerada intensificação da precarização da suas condições de vida e de trabalho. A flexibilização, terceirização, uberização, pejotização e a reforma trabalhista produzem, segundo Antunes, a “sociedade do adoecimento no trabalho”.

O que cabe entender minimamente é como essas novas formas de exploração afetam a classe trabalhadora, pois o contexto de total incerteza e de escassez de trabalho e de recursos promove formas de adoecimento psíquico intensas que brutalizando a sociedade como um todo. Mais do que nunca é necessário atuar junto aos sindicatos no intuito de defender a vida e a saúde do trabalhadores e trabalhadoras. O sindicalismo de acordos precisa radicalizar as pautas e reverter essa situação.

Imagem interior: “Dia dos Trabalhadores”, de Benito Quinquela Martín.

Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

 

 

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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