Por Tales Rabelo Freitas, para Desacato. info.
O recente cenário de polarização no debate político nas redes sociais tem sido balizado por duas tradições ideológicas radicalmente opostas: o marxismo e a escola austríaca. O primeiro tem endossado os argumentos dos grupos da ala esquerda, enquanto o segundo, os de direita. No geral, os ânimos têm se concentrado na defesa ou oposição à participação do Estado no controle dos mecanismos de mercado.
A ala da esquerda, ao considerar a existência de um processo de exploração do trabalhador por parte do empresário capitalista, faz a defesa da necessidade de uma maior participação do Estado para equilibrar o jogo de poder em benefício da classe operária. A imposição de leis trabalhistas, de impostos sobre a renda e os lucros, da exigência de um salário mínimo e do controle de preços vai no sentido de diminuir os efeitos perversos da apropriação do produto dos trabalhadores pelos capitalistas.
Já os grupos de direita defendem uma interferência mínima do Estado na sociedade, pois entendem que este órgão impacta negativamente na eficiência com que os recursos são alocados. Compreendem, assim, que a taxação da produção, da renda e dos lucros, o enrijecimento das leis trabalhistas, e o gasto público afugentam o investimento privado. Isso, por sua vez, gera menor demanda por trabalho e, assim, maior desemprego na economia.
Entretanto, o foco demasiado na análise de possíveis conflitos entre as instituições do Estado e do mercado negligenciam alguns elementos que são essenciais para a determinação da dinâmica de acumulação, distribuição e desenvolvimento das economias. Estado e mercado não são instituições com propriedades inatas, pois respondem aos imperativos presentes na natureza humana. Ambas são construções sociais que servem para realizar uma série de inclinações afloradas na mente dos indivíduos.
O Estado surge da organização entre pessoas de um grupo que compartilham visões de mundo, ideologias e estilos de vida. Esta instituição vem para contribuir com a estabilidade das condições de vida do grupo: fornece os meios de defesa contra inimigos externos, cria leis para a boa convivência entre os agentes e gerencia conflitos internos.
Já o mercado responde aos anseios de troca presente desde os primórdios da humanidade. Muito se especula, mas pouca certeza sobre existe sobre o momento inicial da formação do hábito da troca entre os indivíduos. O que se se pressupõe é que este costume talvez seja um impulso tão primitivo, e fundamental, quanto o ato sexual.
Assim, a discussão sobre a dominância do Estado ou do mercado na sociedade não pode negligenciar as inclinações presentes na natureza humana. Estas fornecem o sentido a ser perseguido pelas instituições. Os mercados podem funcionar de forma harmônica, estabelecendo um fluxo de comércio que conecta compradores, produtores e fornecedores que visam a eficiência produtiva e a entrega de serventia na forma de utilidades para a sociedade. Por outro lado, a afloração de inclinações predatórias podem tomar o lugar dos sentimentos comunitários na orientação dos negócios. O desejo de acumulação e ostentação de riqueza pode estabelecer formas de organização dos mecanismos de mercado para atender fins que vão na contramão dos hábitos de serventia. Como resultado, tem-se uma estrutura de mercado altamente concentrada, na forma de monopólios e oligopólios, em detrimento de uma estrutura de concorrência plena.
Já no caso do Estado, este pode ser uma instituição voltada para atender aos fins associados à elevação do nível de bem estar social, como a criação de serviços de qualidade no campo da saúde, da educação, da assistência social, do combate à pobreza e com compromisso de justiça no processo penal. Entretanto, quando inclinações nocivas contaminam o comando deste órgão, é de se esperar a emergência do caráter patrimonialista do Estado, imbuído de práticas de corrupção e de ineficiência administrativa.
Assim, discutir qual instituição deve dominar a prática da organização social, se o Estado ou o mercado, é um debate incompleto. É preciso levar em conta as inclinações presentes na mente de um povo e de seus líderes, as quais estabelecem os objetivos a serem perseguidos pelas instituições. Para isso, é preciso nos voltar para as experiências históricas, compreender os anseios aflorados ao longo do processo de formação de cada nação, seus determinantes, e como isso impacta o comportamento das instituições.
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Tales Rabelo Freitas é Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Realiza estudos em Teoria Econômica, Economia Institucionalista, desenvolvimento econômico e política industrial.
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