No último dia 15 de março milhões de crianças foram mobilizadas em uma manifestação mundial contra o aquecimento global e na defesa do planeta. Os protestos, realizados em mais de 70 países, foram divulgados à exaustão em todos os meios massivos de comunicação. Imagens das crianças pedindo cuidados com o meio-ambiente encheram as telas no que ficou cunhado como “o maior movimento ambiental da história” ou a “Greve Global pelo futuro”. Segundo os organizadores, se as crianças não se mobilizarem, os adultos destruirão o planeta com a falta de cuidado em relação ao meio-ambiente.
Esse movimento teve início com a ação de uma garota sueca, de 16 anos, Greta Thunberg, que começou a faltar às aulas nas sextas-feiras, desde agosto do ano passado, e passou a usar esse dia para protestar em frente ao parlamento sueco, em Estocolmo. Ela quer parar o aquecimento global. Sua ação repercutiu e logo outros adolescentes começaram a se juntar a ela em frente ao parlamento nas “sextas pelo futuro”. O protesto cresceu e Greta conseguiu, em fevereiro desse ano, que a União Europeia se comprometesse a investir mais de um trilhão de dólares em ações relacionadas às mudanças climáticas. Essa vitória fez crescer ainda mais o movimento e daí nasceu a ideia de uma Marcha Mundial de jovens estudantes.
A luta dessa juventude europeia é bonita e bem-vinda, mas segundo o economista canadense Michel Chossudovsky, ainda carece de elementos fundamentais da realidade política. É fato que a ação do capitalismo global tem depredado o mundo concreto e é fato que isso tem alterado o clima, causando profundas e dolorosas tragédias em todo o planeta. Mas, existem outras coisas acontecendo que podem provocar a derrocada do mundo tal como o conhecemos: são as guerras e o risco de uma hecatombe nuclear que voltou a assombrar a terra.
Segundo Chossudovsky, as guerras em curso no planeta, tais como os ataques à Síria, Iêmen, Iraque, Afeganistão, Palestina e atualmente Venezuela, também ameaçam o futuro da humanidade, e tornam muito mais plausível uma destruição em massa do que o aquecimento global. Conforme o economista, o foco das lutas apenas no aquecimento global obscurece os perigos da guerra nuclear. É importante observar que se a União Europeia promete investir em ações para impedir o aquecimento, o governo dos Estados Unidos tem um programa de armas nucleares de mais de um trilhão de dólares, para, segundo dizem “tornar o mundo mais seguro”. E a mídia se abraça com as marchas de adolescentes, porque é muito mais “bonitinho” mostrar crianças em luta pelo planeta, do que contar que armas nucleares não tornam o mundo seguro, pelo contrário, o ameaçam de forma definitiva.
O canadense observa que a campanha das crianças também fala da necessidade de empregos para as pessoas e traz no seu bojo a luta por “justiça”, assim, no geral e abstrato. Mas, conforme sua análise, mesmo essas palavras de ordem acabam desvirtuadas porque não explicitam que tanto o desemprego, quanto a fome e a falta de justiça são consequências das reformas neoliberais instauradas em todo o planeta para novo processo de acumulação do capital. Tampouco a palavra “paz” foi incorporada ao protesto. Porque não se consegue ver o verdadeiro inimigo, que é a guerra já em curso.
Chossudovsky aponta que agora mesmo, enquanto as crianças gritam contra o aquecimento global, pairam ameaças militares contra a Venezuela e o Irã. No oriente médio essa é uma realidade já conhecida, mas na América Latina pode desatar um processo gigantesco de destruição. Afinal, se houver um ataque contra a Venezuela, os Estados Unidos irão cobrar lealdade dos países da América do Sul. Bolsonaro, presidente do Brasil, já foi lá dizer que apoia a ação armada. Isso significa que milhares de jovens brasileiros serão recrutados para a guerra e a economia do país pode se esfacelar. O mesmo pode acontecer com os países vizinhos que aceitarem essa aventura militar. “Nas últimas semanas o ciber/ataque à rede elétrica da Venezuela, que deixou sem luz 80% do país, já se constitui de fato um ato de guerra. Também foi um ato de guerra o pedido do secretário de estado Mike Pompeo ao Congresso pedindo 500 milhões de dólares para ajudar Juan Guaidó. Isso é uma questão preocupante que deveria ser objeto de um movimento de protesto mundial”, assegura Chossudovsky.
Assim que o economista canadense vê com ceticismo esse movimento mundial de jovens e crianças contra o aquecimento global, porque ele pode ser apenas mais uma forma de ofuscar o verdadeiro desastre que está já às portas. Para ele, essa luta que busca “salvar o planeta” precisa se apropriar do mundo real das pessoas reais. Dizer não à guerra, dizer não às políticas neoliberais que matam gente como moscas, defender a luta daqueles que estão nas ruas exigindo emprego e justiça, como os coletes amarelos na França, por exemplo. Ele insiste que as lutas contra o aquecimento global são legítimas, mas se as pessoas não conseguirem ver a ameaça que existe nas guerras estarão fadadas a discutir apenas a aparência dos problemas. Ele lembra ainda que muitas das organizações envolvidas nesse debate sobre o ambiente recebem generosas quantias de fundações de Wall Streat e instituições de “caridade” corporativas como os Rockefellers, Tides, Soros, etc… E esses são parte do 1% que garante as políticas que matam o planeta, e as políticas que matas as gentes. Há que ter coerência.
Sem a incorporação da luta contra o capitalismo predador e contra as guerras genocidas promovidas pelos Estados Unidos sequer haverá tempo para investir em políticas de melhoramento do clima e do ecossistema.
Com informações do texto de Michel Chossudovsky em www.globalresearch.ca/the-peoples-climate-movement-no-mention-of-war/567…
Elaine Tavares é Jornalista em Florianópolis.
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