Pensar diferente em tempos bolsonaristas
Por Claudia Baumgardt, para Desacato.info.
Ao tentar falar sobre a nossa grande mãe, a terra, e as lutas que perpassam sua existência, muitas foram as primeiras palavras que escrevi e apaguei, mas em iluminada lembrança veio-me à mente as sábias palavras de nosso excelentíssimo já encantado uruguaio, Eduardo Galeano.
Num mundo que prefere a segurança a injustiça, há cada vez mais gente que aplaude o sacrifício da justiça no altar da segurança. Nas ruas das cidades são celebradas as cerimônias. Cada vez que um delinquente cai varado de balas, a sociedade sente um alívio na doença que a atormenta. A morte de cada malvivente surte efeito farmacêutico sobre os bem-viventes. A palavra farmácia vem de phármakos, o nome que os gregos davam às vítimas humanas nos sacrifícios oferecidos aos deuses nos tempos de crise. (GALEANO, De pernas pro ar, pg.81)
Vivemos em um mundo em que os discursos pregam a segurança, mas alimentam e vestem o sistema mais desigual e sanguinário. Sistema este que tem como princípio a desigualdade, a diferença, o rico e o pobre. Talvez seja daí, desta diferença do literal para o real, que venha toda a insatisfação de uma maioria, dificilmente compreendida pela sociedade afundada nesta novela cotidiana de reprodução de valores infundados em suas realidades.
A América latina e caribenha sangra, chora, clama para sair desta histórica e sufocante relação de opressão que a atinge, vinda das prepotentes potências mundiais. Em uma terra de gigantes, nós latinos e latinas sempre fomos tratados como pequenos e inaptos para a hegemônica e engessada cultura capitalista. Com tudo, depois de todo o processo de invasão, de massacre, exclusão e tortura causada ao povo latino e caribenho, nossa cultura, nossa mídia, nossa educação se voltam a formação de uma grande massa social, apoiadora e mantenedora dos valores que a oprimem.
Eis que determinam o nosso papel neste sistema de opressores. Reprodutores! Diariamente em nossas cotidianas ações reproduzimos, muitas vezes sem questionar ou nem mesmo perceber, os valores deste sistema que nos mata. Somos os braços e pernas, que seguem movimentando e alimentando estas relações de opressão. Vou explicar, não compreendemos nossa verdadeira posição social, mas mesmo assim, criticamos e julgamos indivíduos que são supostamente socialmente inferiores.
Desta forma se torna fácil manter a roda girando, pois é tão grande a manipulação do povo que é o próprio povo oprimido que induzido, oprime a si mesmo. Digo isto para introduzir minha intenção ao escrever das lutas pela terra a partir desta coluna. A terra que, do fundo do meu coração e devido minha formação militante dentro do coletivo da Pastoral da Juventude Rural e Pastoral da Juventude do Meio Popular, chamo e a trato como mãe.
É assim que pretendo tratá-la no desafio de resgatar as histórias de luta por ela. Meu intuito aqui é resgatar essas histórias que também marcam o sangue que corre nas veias do povo sofrido latino-americano e caribenho. Que assim como Galeano colocou, é o povo das oferendas, é o povo dado em oferenda a este sistema capitalista, assassino e desigual.
Pensar diferente não é mais empolgante, se é que um dia foi, é perigoso, é desafiador. Eis que o mundo precisa de seres humanos, grupos, movimentos que voltem a pensar diferente e desafiar o igual, o “normal”, o que é cômodo. Assim como processos pequenos em dimensão, mas gigantes em transformação que marcaram nossa história, que marcam a luta pela terra que movidos pela fé, pelo desejo de igualdade, ou apenas por necessidade moldaram um pouco do que é o Brasil, do que é a América Latina e o Caribe hoje.
Peço que me acompanhem e desfrutem comigo do resultado deste desafio gostoso de revisitar as raízes da nossa história.
Claudia Baumgardt, professora de história na rede municipal de Santana do Livramento – RS, Militante do coletivo da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e da Pastoral da Juventude Rural (PJR), editora do JTT Indigenista.
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