Durante a pré-estreia no Rio, diretores defenderam cultura e explicaram que ela gera milhões de empregos no país
Por Jaqueline Deister
Um filme catártico. Este tem sido o adjetivo usado por muitos espectadores após assistirem a “Bacurau”. O Brasil de Fato esteve na pré-estreia do filme no Rio de Janeiro, na última segunda-feira (26), e conversou com os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles sobre o longa-metragem, que mistura os elementos históricos da cultura brasileira, como o cangaço, a capoeira e o repente num faroeste autêntico e nordestino.
Os “brasis” que compõem “Bacurau” extrapolaram a fronteira das telas. Em uma conjuntura conturbada de país, os diretores falaram sobre política, indústria cinematográfica, censura e esperança. Para Kleber, o sucesso da ficção, que estreia em circuito nesta quinta-feira (29), se dá em razão da linguagem do gênero “western” (faroeste), mas também pela urgência do tema.
“É um filme brasileiro do tipo que não existem outros muito parecidos, com ação e efeitos especiais que eu gostaria de ver no nosso cinema. Ao mesmo tempo, é sobre história, educação e sobre pessoas que exigem respeito. No momento em que elas são desrespeitadas e julgadas como simples e dispensáveis, elas mostram que não são”, contou Kleber, diretor também premiado por filmes como “O som ao redor” e “Aquarius”.
A reação do povoado é, inclusive, um dos pontos altos da ficção que Kleber Mendonça classifica como “um retrato artístico de um estado de espírito do Brasil atual”. Para Juliano Dornelles, a resposta dos habitantes de “Bacurau” é o que vem provocando identificação do espectador com esses personagens.
“’Bacurau’ carrega uma ideia política forte de resistência. As reações do público vão nessa direção, pela satisfação de ver uma comunidade oprimida respondendo e se defendendo. É um filme com uma energia crua de uma Brasil real, com uma visão honesta sobre o nosso país. E é popular por conta de uma linguagem de cinema de gênero, sem medo de lidar com a catarse do público pela forma como Bacurau reage às ameaças”, afirma Juliano, acrescentando que a ficção ganhou um peso maior diante do Brasil atual.
Censura
Apesar de deixar claro que “Bacurau” vinha sendo produzido há alguns anos, Kleber Mendonça reconhece o diálogo na recepção do filme com a perseguição, as censuras e as tentativas de desmonte que a cultura brasileira vem sofrendo pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL).
“Fico pasmo e não entendo por que motivo estamos voltando a falar em censura, nossa Constituição garante que ela não possa existir. ‘Bacurau’ foi desenvolvido por muitos anos sem nenhum tipo de censura, nenhuma interferência. E o cinema brasileiro é uma parte da indústria que faz o Brasil existir, ele é parte da identidade cultural que faz desse país algo tão grande e importante”, disse Kleber.
Ainda segundo o cineasta, “falta uma assessoria dos que estão nesse governo para entender que eles mesmos estão querendo promover desemprego”, já que a produção de um filme gera centenas de empregos diretos. “Como artista, eu também seria contra algum governo que quisesse desmontar, por exemplo, a indústria naval ou a farmacêutica do país”.
Protagonista de “Bacurau”, a atriz Sonia Braga também conversou com o Brasil de Fato. Ela também reforçou o cinema como parte de uma cultura que gera milhões de empregos no país. A atriz, que também está em “Aquarius”, filme exibido com protestos em Cannes na época do golpe parlamentar que resultou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, disse que a população tem muitas necessidades.
“Eu sou uma trabalhadora de um setor que gera muito trabalho, muitos empregos. É importante defender a arte na vida do ser humano, a educação e muitas outras coisas. A gente quer arte, cultura, mas a gente quer também três refeições por dia, um teto para as pessoas, a terra para as pessoas plantarem, agricultura e bem-estar para o povo brasileiro”, reivindicou a atriz.