Por Désceo Machado, para Desacato.info.
Plim plim plim, bang bang, cabum!
O ressentimento paralisa, aguardando a vingança que nunca chegará. O ressentido, diminuído, rumina a mágoa com certo prazer e irresponsabilidade. O militante ressentido já abandonou a política, foi traído ou desconsiderado, e, por um caminho inverso transformou-se no ignorante político. No discurso ressentido, a narrativa de sua história de vida: “Eu já fiz campanha pro Fulano de Tal”, ou, “Eu já trabalhei na campanha do Fulano de Tal”. A seguir, a razão de sua saída, o golpe que lhe desviou da atividade política: “Me sacanearam”. A necessária conclusão: “Político é tudo igual! Não quero saber mais de política”.
Pelo Brasil afora a militância política é ativa dentro dos partidos tradicionalmente de direita, reproduzindo a dicotomia do regime militar MDB e ARENA, e ativa também nos partidos mais à esquerda, principalmente PT, PC do B e PSOL. Os vínculos que costumam reunir os militantes dos partidos mais tradicionais, situados à direita do espectro ideológico partidário, são vínculos pessoais, que associam padrinhos e afilhados, caciques políticos e seguidores. Por outro lado, a abertura democrática dos anos 80 reuniu pessoas em torno de interesses de classe e organizou as relações de militância, especialmente nos partidos de esquerda, em função de um projeto político.
A dimensão do personalismo, sem dúvida, até mesmo dentro da militância de esquerda, tem muita força. Historicamente, seja em função das raízes comunitaristas da sociedade ou das raízes patrimonialistas do Estado e da malemolência da aplicação das leis, histórica e socialmente o personalismo é um vetor poderoso em nossa vida política. É exemplo bastante comum um político migrar de partido e arrastar seus eleitores.
Esse laço pessoal, que nos interiores e periferias se aprofunda nas relações com cabos eleitorais, é mais do que uma relação de admiração ou veneração: um vestido de debutante, o batizado do filho mais novo, uma festa de formatura, uma dentadura e alguns caminhões de entulho são prendas oferecidas pela fidelidade ao personagem político. O preço dessa relação pessoal e desigual, entre um padrinho e um afilhado, é o preço que a sociedade toda paga quando nos vemos diante do poder legislativo, onde as eleições recebem menos luzes da imprensa e podem dar vazão a essa expressão personalista.
E o que queria dizer desde o início, o que estou tentando dizer, é que a carga de ressentimento no contexto de relações pessoais de poder é muito maior do que em contextos onde as pessoas estão ligadas por interesses comuns. Há muito ressentimento na política quando as pessoas estão vinculadas por laços pessoais. A posição de afilhado ou de subordinado a um cacique político, essa posição subalterna, favorece a fantasia de que não somos capazes de dar conta da malícia do outro. E então, o militante está a um passo de alimentar a narrativa onde a personagem principal deixa de ser o padrinho e passa a ser ele próprio, quando os acontecimentos da sua experiência de ativismo político retornam para que ele reviva os momentos de desconsideração, traição ou desilusão. O virtuoso ruminador, vítima, ferido e com a ferida aberta, goza, sabendo lá no fundo que foi objeto da maldade de um poderoso!
Bons dias, boas tardes ou boas noites!
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Ressentimento e política – os eleitores (1)
Política e ressentimento – os eleitores (2)
Désceo Machado é repórter em Florianópolis.