Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:
O jornalista e blogueiro Luis Nassif publicou hoje um texto, intitulado “Luiza Erundina: tudo por uma foto” em que analisa a renúncia da deputada federal (PSB/SP) à candidatura de vice-prefeita pelo PT/SP, na chapa liderada por Fernando Haddad. O texto que se segue ao mencionado post, abaixo reproduzido, é uma resposta às críticas de Nassif.
“Luiza Erundina: tudo por uma foto”
“Tenho um carinho histórico por Luiza Erundina.
Quando foi alvo de uma tentativa de golpe por parte do Tribunal de Contas do Município (TCM) devo ter sido o único jornalista a sair em sua defesa. Tinha o programa Dinheiro Vivo, na TV Gazeta, de público majoritariamente empresarial. Externei minha indignação que teve ter tido algum peso na decisão do presidente da FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) Mário Amato, de visitá-la com uma comitiva de empresários, hipotecando-lhe solidariedade.
Defendia-a também quando operadores do PT criaram o caso Lubeca. E, recentemente, o Blog conduziu uma campanha de arrecadação de fundos, para ajudar Erundina a pagar uma condenação injusta dos tempos em que foi prefeita.
Sempre admirei sua luta pelos movimentos sociais, das quais sou periodicamente informado por irmãs lutadoras.
Por tudo isso, digo sem pestanejar: ao pedir demissão da candidatura de vice-prefeita de Fernando Haddad, Erundina errou, pensou só em si, não nas suas bandeiras políticas nem nos seus movimentos sociais. Foi terrivelmente individualista.
À luz das entrevistas que concedeu ontem, constata-se que os motivos foram fúteis. Estava informada da aliança do PT com Paulo Maluf; chocou-se com a foto de Lula e Haddad com ele. Foi a foto, não a aliança, que a chocou.
A foto tem uma simbologia negativa, de fato. Aqui mesmo critiquei o lance. Mas apenas simbologia. Não se tenha dúvida de que, eleito Haddad, Erundina seria a vice-prefeita plena para a periferia, seria os movimentos sociais assumindo uma função relevante na administração municipal.
No entanto, Erundina abdicou dessa missão, abriu mão de suas responsabilidades em relação aos movimentos sociais, devido ao simbolismo de uma foto. Ela sabia que, eleito Haddad, seria mínima a participação do malufismo na gestão da prefeitura; seria máxima a intervenção de Erundina nas políticas sociais.
Poderia ter dado uma entrevista distinguindo essas posições, externando sua repulsa do malufismo, mas ressaltando a diferença de poder entre ambos.
Mas Erundina se sentiu preterida, não por Haddad, mas por Lula, que deixou-se fotografar com Maluf e não com Erundina.
Seu gesto foi para punir Lula, pouco importando o quanto prejudicaria seus próprios seguidores, os movimentos sociais. Ela abriu mão de um cargo que não era seu, mas de seus representados, para punir Lula.
E quem ela procura para a retaliação? Justamente os órgãos de imprensa que mais criminalizam os movimentos sociais, que tratam questão social como caso de polícia. Coloca a bala no revólver e o entrega à revista Veja. A quem ela fortaleceu? Ao herdeiro direto do malufismo na repulsa aos movimentos sociais: Serra.
Saiu bem na foto da mídia, melhor do que Lula com Maluf, mas a um preço muito superior. E quem vai pagar a conta são os movimentos sociais, pelo fato de sua líder ter abdicado de um cargo que a eles pertencia.”
Fim do texto de Nassif.
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Uma primeira questão a ser analisada diz respeito à premissa adotada pelo título e reproduzida pelo post: Erundina teria renunciado “por uma foto”, ou seja, por atenção e holofotes midiáticos. Teria sido mesmo essa sua motivação? Parece pouco provável. Em primeiro lugar, porque Erundina está na política profissional há quase quatro décadas e em nenhum momento demonstrou avidez por holofotes midiáticos – pelo contrário: discrição e a recusa em modelar o seu discursode acordo com o que a mídia quer ouvir são duas características distintivas de sua atuação.
Em segundo, porque, se se mantivesse candidata, ela teria, no mínimo, mais de três meses de exposição diária, sendo que exclusivamente positiva nas propagandas eleitorais. Achar que ela trocou tudo isso por uma exposição momentânea na mídia e a qual, ao mesmo tempo em que a promove, incita ódios exacerbados entre sinpatizantes do partido mais votado do país parece pouco lógico.
O poder da imagem
Além dessa premissa questionável, o texto omite que Erundina renunciou à posição de vice mas se comprometeu a continuar fazendo campanha, ou seja, a atuar junto às bases sociais do partido, embora com menos proeminência – dado que desmonta um dos principais argumentos de Nassif, de que Erundina “abriu mão de suas responsabilidades em relação aos movimentos sociais”.
Há, ainda, dois pontos altamente questionáveis no artigo: o primeiro é a afirmação de que uma foto é “só simbologia”, fingindo desconhecer que simbologia é a essência, o fator preponderante em uma eleição. E sendo que a foto em questão, de Lula “beijando a mão” de Maluf na mansão deste – comprada sabe-se lá com que dinheiro -, é até agora, e tende a continuar sendo por um bom tempo, a imagem-símbolo da campanha.
Para além da Veja
O segundo ponto questionável é aproveitar-se da disseminação de justificado sentimento antimídia para tipificar Erundina como uma espécie de parceira da Veja – e, portanto, de Serra. “Coloca a bala no revólver e o entrega à revista Veja” é um período indigno do jornalista equilibrado que Nassif costuma ser, trai o (em seu caso, particularmente justificável) ódio subjacente à revista dos Civita e, escrito com o fígado, evidencia as reais motivações do ataque a Erundina.
Porém, haja simplismo: para além das maquinações da mídia, o fato é que tanto a surpreendente desistência de Erundina, como a aliança do outrora combativo PT com o político de cujas práticas deriva o verbo “malufar” são, inquestionavelmente, matéria de interesse jornalístico, de Veja inclusive.
Protagonismo das redes
A bem da verdade, quem alienou movimentos sociais e beneficiou Serra, quando Erundina ainda “era” vice, foi o PT/SP ao se aliar à mais nefasta figura do conservadorismo populista paulista, um individuo que não pode botar os pés fora do país sob risco de ser preso pela Interpol. Quem convive com petistas e com os movimentos sociais sabe que foi a partir dessa aliança esdrúxula que uma parte talvez minoritária, mas certamente volumosa da militância passou a se dizer “broxada” e “sem tesão” pela campanha.
E, como boa matéria de Luciano Coutinho no Observatório da Imprensa revela, foi ao receber esse feedback negativo de setores da militância nas redes sociais que Erundina convenceu-se de que deveria renunciar à candidatura – um gesto que não pode, portanto, ser classificado de “terrivelmente individualista” nem de dar-se sem levar em consideração os movimentos sociais. Pelo contrário: como observa Coutinho, “O episódio marca o momento em que as novas mídias se sobrepõem à mídia tradicional numa disputa eleitoral no Brasil”.
Quem tudo quer…
Ainda mais importante: por paradoxal que pareça, a decisão de Erundina, não obstante prejudicial, neste momento, à candidatura petista, tem tido um efeito renovador, ao escancarar o autoengano da direção e de muitos militantess, dispostos a vender a alma, a mandar “às favas os escrúpulos”, em troca de um minuto e meio na TV.
A culpa pelo desastre é deles, quem deu uma banana aos movimentos sociais ligados ao PT foram eles, quem impôs uma decisão vinda de cima, acabando com a tradição de democracia interna do PT são eles, que devem agora responder por suas ações, ao invés de transferirem covardemente o ônus destas a terceiros, que tiveram o desplante de expô-los como mero mercadores. Erundina não pode ser responsabilizada por agir de forma límpida e restituir a primazia da ética sobre o ultrapragmatismo.
Gesto desmistificador
Sua atitude é o contrário de uma ação individualista e covarde, de prima-dona, como sugere Nassif: é um gesto de extrema coragem e de altruísmo, que renuncia à possibilidade iminente de ascensão ao poder e à chance única de encerrar sua carreira política em alto estilo; um gesto que tem e terá consequências dolorosas, que já lhe cobram um preço altíssimo, através da agressão de petistas descontentes que ora udo fazem para transformá-la em um pária e em conspurcar sua imagem (até com Demóstenes Torres ela foi hoje comparada…).
Achar que a figura pública diferenciada que ela sempre foi ousou um gesto tão redentor e que acarreta tantos revezes pessoais só para “ficar bem na foto” é indigno de Erundina – e de Nassif.