Por Elissandro dos Santos Santana1, Denys Henrique R. Câmara2, Heron Duarte Almeida3 e Rosana dos Santos Santana4.
À primeira vista, “A obra do artista: uma visão holística do Universo”parece um chamariz para uma discussão somente na vertente mística ou religiosa, no entanto, à medida que o leitor folheia a obra, torna-se cônscio de que o autor, holisticamente, provoca intelecções em campos amplos que vão desde conceitos místico-religiosos, à Física Clássica, à Física Quântica, à História, à Geografia, à Filosofia, à Ciência Ambiental e a várias áreas do conhecimento que apresentam explicação para a origem, para a composição e para conformação da criação, do cosmos, do Universo e da vida em geral. Nesta obra, segundo Marcelo Gleiser, Frei Betto confronta, a partir da Teoria da complexidade, visões da totalidade pelas partes e, das partes pelo todo e os mistérios em torno da existência, mostrando como o homem se vê nesse processo e como cria como artista, cientista, pai, mãe e cidadão os imaginários e concepções sobre o cosmos do qual faz parte. A cada página do livro, o autor se esforça por apresentar/encontrar respostas, por gerar dúvidas e inquietar o ser humano, levando-o a coparticipar do processo de produzir conhecimento.
Ao longo de todo o texto, ainda segundo Marcelo Gleiser, o autor apresenta o amor como elo universal, sentimento que fornece sentido à matéria e tudo o que dela faz parte. Para ele, esse seria o princípio criativo que estaria em tudo e em todos; o coração propulsor do mistério. No turbilhão da existência, o bicho homem seria o representante entre o inanimado e o consciente, aglomerados de átomos de questionar a própria existência e a origem de tudo.
Conforme Marcelo Gleiser, com base na visão científica hodierna, Frei Betto, nesse livro, mostra, claramente, que não há incongruências e incompatibilidades entre a ciência e o campo do espiritual. Que a ciência é uma busca essencialmente religiosa, como acreditava o grande Einstein.
Antes de apresentar as partes constitutivas da obra e seus principais temas e pontos de debate, faz-se imprescindível conhecer um pouco acerca de Frei Betto. Para tanto, é oportuno pontuar que ele é o autor de 60 (ou mais) livros, muitos deles editados e reeditados tanto no Brasil como no exterior. Nasceu em Belo Horizonte e se enveredou pelos estudos na área da Comunicação (Jornalismo), Antropologia, Filosofia e da Teologia. Talvez, por isso, seja um teórico capaz de transitar por várias áreas e saberes, provocando nos leitores a confusão entre saber-sabor, sabor-saber.
A obra se compõe de Introito e 15 capítulos. 1. Nenhuma certeza escapa às nossas dúvidas. 2. Somos tão naturais quanto uma abóbora. 3. Das estrelas à subjetividade. 4. A dança das galáxias. 5. Procura-se a identidade do universo. 6. O imponderável mundo do infinitamente pequeno. 7. A explosão primordial deu no New York Times. 8. Somos todos feitos, literalmente, do pó de estrelas. 9. A boca faminta do céu. 10. A espinha dorsal da noite. 11. A Terra, nossa morada. 12. O misterioso aparecimento da vida. 13. O ser humano, uma obra prima. 14. A vida da Terra. 15. A busca da unificação.
No Introito, a partir de leituras bíblicas, Frei Betto começa a discussão em torno dos mistérios da existência. Do bíblico, parte para noções e conceitos literários, físicos e geográficos, a partir de divagações e teorias para explicar as primeiras pinceladas no processo de criação do cosmos, do Universo.
No primeiro capítulo, Nenhuma certeza escapa às nossas dúvidas, vale-se de campos conceituais múltiplos como o de Murray Gell-Mann, com a ideia de que todo conhecimento humano, incluindo artes e ciências, tem conexões, Stephen Hawking, com uma breve história do tempo e crescente interesse pela busca de novos paradigmas demarcados pela atual cosmologia e a Física Quântica; também vai à filosofia de Platão, à teologia de Santo Tomás de Aquino, à concepção política de Maquiavel, à filosofia de Descartes, à Física de Newton, ao liberalismo e ao marxismo, como pilares da visão de mundo ou cosmovisão de que todos nós habitamos a esquina onde termina o segundo milênio e se inicia o terceiro. Nesse capítulo, Frei Betto, dentre outros aportes que ajudam a compreender o longo percurso no processo de criação da vida e do próprio cosmos, mostra que na crise das ideologias, muitos se voltam para o terreno supostamente sólido das ciências ou mergulham no imponderável voo das correntes esotéricas. Continua mencionando que as grandes instituições como a família, a igreja, a escola e outras parecem não mais corresponder ao papel de norteadoras das novas gerações. Segue pontuando que, na versão pós-moderna, Protágoras diria que cada um é a medida de si mesmo e que o valor de hoje pode ser descartado amanhã, dependendo das conveniências e interesses do mercado. Nesse capítulo, o leitor toma contato com um Frei Betto cônscio de que a humanidade avançou do universo geocêntrico de Aristóteles para o universo heliocêntrico de Copérnico, para o universo ampliado de Newton, descobriu o universo de Einstein, Hubble e Hawking. A partir dessas novas configurações do pensar, modificaram-se as percepções em torno do desenho cósmico no fundo do caleidoscópio e, dessa forma, houve a mudança na maneira de ver o mundo e nele atuar. Esse capítulo é uma lição holística no campo das ciências para mostrar que há muito por descobrir em relação aos pontos de vista e vistas de ponto no que concerne à matéria, ao planeta, ao universo e a tudo, de maneira amplificada.
Em “Somos tão naturais quanto uma abóbora”, Frei Betto, para explicar o universo, faz uso da história da observação do universo a partir dos gregos, externando que assírios, babilônios, hinduístas, vedas, egípcios, astecas e maias, entre outros povos e grupos religiosos, há milênios desenharam suas visões cosmológicas. Segundo o autor, mais tarde, os teólogos cristãos, influenciados pelo dualismo platônico, acolheram, com alegria, a teoria aristotélica de um Universo composto de vários elementos. Depois, a cosmologia aristotélica que, aliás, fora elaborada por Calipso, seu assistente, que de estrela, entendia mais que o mestre, caiu como luva para a igreja, que pregava ter sido o Universo criado por Deus. Prossegue dizendo que o tempo e a evolução estavam descartados daquela visão fixista e que foi graças a Ptolomeu, astrônomo egípcio do século II, que essa concepção foi mantida por mil anos.
Após aprofundar a discussão em torno das mudanças de visão do homem sobre o Universo, valendo-se de conceitos e noções de pensadores como Copérnico, Heisenberg, Einstein, Moacir Lacerda, continua a discussão, apresentando a noção de que agora, menos premidos pela intolerância e, sobretudo, sem o risco de uma prévia do inferno numa fogueira inquisitorial, podemos manifestar a convicção de que haveria uma única realidade, que pode ser vista por diferentes óticas.
Frei Betto, neste capítulo, afirma que, atualmente, muitos procuram elos que comprovem a íntima e indissociável ligação entre o Espírito e todo o conjunto do Universo. Segundo ele, as ciências apenas conhecem fragmentos da realidade e que a realidade se mostra e o real se demonstra, mas o real é questionável.
No capítulo “Das estrelas à subjetividade”, o autor, de forma profunda, científica e metafórica, cita Shakespeare para explicar que são as estrelas que nos governam. Em seguida, coloca que há cerca de 2.300 anos, Aristóteles escreveu “Dos céus”, livro no qual pretendeu explicar o Universo. No referido livro, Aristóteles apresenta a tese de que o Criador estendeu no firmamento um movimento eterno e perfeito do sol, da lua, dos planetas e das estrelas fixadas no interior de oito esferas cristalinas, que teriam a Terra como eixo. Nesse âmbito, tudo estaria cheia do Divino, que o vazio não existiria e que nos céus as coisas se moveriam de forma circular e na Terra de forma reta. Cita as obras de Aristóteles, destacando a Física, que trata do mundo assim como ele se nos apresenta, e a Metafísica, aquilo que está além da física, a pesquisa sobre o ser em si mesmo e as razões pelas quais o mundo é o que é. No Dos céus, Aristóteles defende que o Universo seria formado por um conjunto de 55 esferas encaixadas uma na outra, ou melhor, uma dentro da outra. Continua mencionando que, agora, talvez, saibamos mais um pouco a respeito do Universo do que os gregos do tempo de Aristóteles. Para Frei Betto, conhecer a imensa morada cósmica na qual habitamos permite compreender um pouco mais o sentido de nossa própria existência dentro dela. Ao passar por Sócrates, para explicar que ele reconhecia que a alma é purificada e reanimada, pelo estudo dos céus, não foi por descuido ou descaso que ele deixou de fixar os olhos na abóbada celeste, e sim por sabedoria. Foi essa sabedoria que o fez ir a Delfos para indagar sobre as matérias estranhas da existência, entre elas, a Astronomia. Após refletir sobre isso, Frei Betto externa que hoje se busca um caminho inverso, as veredas que conduzem das estrelas à subjetividade. Também citou Ptolomeu, recorrendo ao Almagesto, conservado em treze livros que tratam de astronomia matemática, que serviu para a concepção geocêntrica, teoria aceita, equivocadamente, por tantos séculos, porque seu observatório em Canopo e a Biblioteca de Alexandria não estavam em condições de lhe proporcionar ciência mais exata. Diante disso, a Igreja se deu conta de que as ideias de Ptolomeu podiam muito bem revestir suas proposições teológicas de aparente consistência teológica. Prossegue a discussão mencionando que a Biblioteca de Alexandria, uma das maravilhas do mundo, construída três séculos antes de Cristo, era sustentada pelos Ptolomeus, os reis gregos que herdaram a parte do Egito conquistada por Alexandre, o Grande. Segundo Frei Betto, essa biblioteca foi o cérebro do planeta por aproximadamente 9 séculos. Também apresenta que o cristianismo estava em plena expansão e todo saber que não coincidisse com seus dogmas era suspeito de paganismo. Prossegue mencionando que se a ciência continuar um capricho de nossos egos inflados e não questionar também a ordem política, o dualismo prosseguirá. Termina o capítulo dizendo que ainda não extraímos todas as pedras contidas em nosso coração.
No capítulo “A dança das Galáxias”, dentre muitas questões apresentadas acerca do Universo, a que mais fica é a de que há mais interesse em saber como do que quando o universo foi criado. Ao discorrer sobre as teorias e suposições de vários pensadores acerca do surgimento da vida e do universo, o autor traz à tona a teoria do Big Bang, dizendo que não custaria imaginar que o próprio Big Bang teria consistido no colossal experimento de um superacelerador, sendo o seu resultado este Universo no qual vivemos. Traz à baila a questão do acelerador de prótons, de que agora sabemos que matéria é energia e energia é matéria. Além desta noção, ao longo do capítulo, são apresentadas outras ideias que prendem o leitor em relação às várias teorias sobre o surgimento do universo.
No capítulo “Procura-se a identidade do Universo”, Frei Betto, dentre outras discussões, apresenta a noção de que há uma variedade de modelos cosmológicos, do Universo inflacionário ao Universo-panqueca; do Big Bang, passando pelo Universo granulado, ao universo-bolha, que o supõe como uma entre tantas bolhas-universos existentes, semelhante às bolhas de sabão que se formam na ponta do canudo soprado por uma criança. Para aprofundar a discussão, recorre a nomes como Alan Guth, astro físico brasileiro, para explicar o modelo inflacionário de universo, Herman Bondi, Thomas Gold e Fred Hoyle, para explicar a teoria de universo estacionário, dentre outros nomes e teorias.
No capítulo “O imponderável mundo do infinitamente pequeno”, começa a discussão a partir da percepção de Niels Bohr de que o oposto de uma verdade profunda pode ser também uma verdade profunda. Para enriquecer ainda mais a discussão, dentre outras questões, vale-se da Física Quântica comparando-a ao espelho de Alice. A metáfora é explicada da seguinte forma: quando se penetra nela, na Física Quântica, entra-se num mundo surpreendente e maravilhoso, cujas leis não coincidem com as que regem a esfera de nossa vida cotidiana.
No capítulo “A explosão primordial deu no New York Time”, vale-se de George Smoot e sua noção de que o Big Bang é um ícone cultural, uma explicação científica da criação, para aprofundar toda a discussão. Prossegue dizendo que a teoria do Big Bang foi esboçada pelos cálculos de Alexandre Friedmann e que o padre e cosmólogo belga George Lemaître, em 1927, publicou um artigo, numa revista de circulação restrita, defendendo-a. Por ele ser sacerdote, sua teoria serviu de motivos de gracejos durante anos e em 1927, ele tentou aproximar-se de Einstein na Quinta Conferência Solvay, em Bruxelas, a fim de defender seu ponto de vista, obtendo a rudeza analítica de Einstein que argumentou o seguinte: “seus cálculos são corretos, mas sua visão física é abominável.”. Lemaître conseguiu vencer barreiras de não aceitação depois que, em 1931, ele foi notícia no New York Times, em sua edição de 19 de maio, que publicou em manchete: “Lemaître sugere que um único grande átomo, que continha toda a energia, foi o princípio do Universo.”.
No capítulo “Somos todos feitos, literalmente, do pó de estrelas”, o autor faz uma discussão bastante rica em torno de conceitos como forças nucleares fracas e fortes, gravitação, eletromagnetismo, estrutura da matéria e de todos os ingredientes da receita para a construção do Universo.
No capítulo “A boca faminta do céu”, apresenta explicações sobre o nascimento e morte das estrelas e concentra esforços em explicar a origem dos buracos negros.
No capítulo “A espinha dorsal da noite”, dentre outras discussões, tece noções sobre a energia proveniente do sol para alimentar os corpos do sistema do qual ele é a estrela nutridora.
No capítulo “A Terra, nossa morada”, vale-se do discurso histórico em torno dos elementos de composição da terra primordial até os nossos dias e deixa claro que a Terra, desolada, desaparecerá quando o sol deixar de existir.
No capítulo “O misterioso aparecimento da vida”, recorre à noção de Sri Aurobindo para fazer toda a discussão, indagando sobre qual seria o início de toda a matéria e pontuando que a existência se multiplicava por si mesma pelo mero deleite de existir, precipitando-se em trilhões de formas a fim de poder encontrar-se inumeravelmente.
No capítulo “O ser humano, uma obra-prima”, tece discussões acerca do surgimento do homem na terra e como este se transformou ou regrediu ao longo de sua existência no planeta.
No capítulo “Vida além da Terra”, o autor traz à tona a discussão sobre discos voadores e sobre a possibilidade latente de vida fora do planeta terra. Frei Betto, nesta parte da obra, argumenta que há no Universo, provavelmente, 100 quintilhões de planetas com um mínimo de condições para que haja vida.
No último capítulo do livro, “A busca da unificação”, leva o leitor a querer penetrar nos mistérios do universo, mostrando que o futuro haverá de mostrar que muitas das atuais conclusões científicas, estampadas pela mídia como definitivas, são tão incompletas quanto às do passado.
Por fim, pode-se externar que Frei Betto, com esta obra, quis mostrar que é possível romper com a ideia de que somente a ciência pode apresentar respostas aceitáveis para o surgimento do Universo e tudo o que nele há; que, a partir de uma visão holística, é possível apreender concepções e conceitos para a compreensão da história do Universo a partir de caminhos múltiplos, inclusive, por meio de noções da espiritualidade. Ademais, o autor apresenta que a Ciência ainda falta descobrir muito sobre a origem e composição do Universo e que o futuro trará muitas respostas que confirmarão, ampliarão ou, até mesmo, refutarão muitas teorias e teóricos acerca do Universo.
Referências bibliográficas
BETTO, Frei. A obra do Artista: uma visão holística do universo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
http://www.freibetto.org/index.php/perfil. Acesso em 10 de junho de 2016.
1 Especialista em sustentabilidade, desenvolvimento e gestão de projetos sociais, especialista em gestão educacional, especialista em linguística e ensino de línguas, especialista em metodologia de ensino de língua espanhola, licenciado em letras, habilitado em línguas estrangeiras modernas, espanhol e membro editorial da Revista Letrando, ISSN 2317-0735.
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2 Especialista em educação de jovens e adultos; especialista em língua portuguesa; licenciado em letras, língua materna e língua inglesa pela Universidade Federal da Bahia. Professor de inglês da Secretaria Estadual de Educação do Estado da Bahia.
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3 Especialista em História do Brasil e licenciado em história.
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4 Graduanda do Bacharelado Interdisciplinar em Artes da Universidade Federal do Sul da Bahia.
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Fonte: EcoDebate