Por Laura Castanho.
A repercussão do assassinato de Marielle Franco, tanto nas redes sociais como na mídia tradicional, aponta para um possível ponto de virada contra as notícias fraudulentas na política. As histórias inventadas sobre a trajetória da vereadora — que relacionaram sua vida e carreira ao tráfico e ao Comando Vermelho — tiveram grande repercussão, mas não se sobrepuseram à história verdadeira de Marielle.
Segundo análise da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-DAPP), 73% das menções nas redes sociais nos dias após o crime foram diretamente contra os boatos e cobravam punições aos seus autores.
Ainda que o volume total de mensagens esteja equilibrado entre ambos os lados, a linha do tempo mostra que o lado crítico às “fake news” passou a se sobrepor a partir da noite do dia 17 de março (sábado). O gráfico mostra isso com clareza:
Outra pesquisa, esta conduzida pelo Datafolha, mostrou que até 60% dos moradores do Rio de Janeiro teve acesso a alguma informação falsa sobre Marielle. Eles foram questionados sobre a veracidade das manchetes mais comuns, que diziam que a vereadora foi “eleita pelo Comando Vermelho”, “casada com o traficante Marcinho VP” ou que “defendia bandidos”. Em todos os casos, a maioria dos entrevistados sabia que as afirmações eram mentirosas.
Causas
Na avaliação de Amaro Grassi, do DAPP, a reação às mentiras foi forte porque o crime transcendeu barreiras ideológicas, ao atrair o apoio de pessoas de fora da esquerda. “Existem princípios democráticos, republicanos, de direitos humanos que transcendem posicionamentos políticos mais consolidados. A Marielle representava isso muito bem, e apela para além do círculo político que ela representava”, diz.
O jornalismo profissional pode ter ajudado a corrigir essas distorções. Coincidiu com a onda de menções desmentindo os boatos uma checagem feita pelo site “Aos Fatos”, que teve um milhão e 100 mil cliques. Para efeito de comparação, o site costuma ter de 60 a 70 mil acessos por mês. O alcance do texto chegou a gerar instabilidade nos servidores.
“Foi uma movimentação sem precedentes”, diz Tai Nalon, diretora do site. Segundo ela, um dos principais critérios para uma checagem é quando um boato “estoura a bolha” dos grupos de WhatsApp e alcança outras redes; um ponto alto do caso Marielle foi o compartilhamento das “fake news” pelo deputado Alberto Fraga (DEM) e pela desembargadora Marília Castro Neves.
Também houve uma cobertura significativa da grande mídia sobre as fake news. A edição do “Fantástico” do dia 25 de março foi didática em mostrar como o processo de criação e reprodução das notícias fraudulentas.
“Existe uma tempestade perfeita que faz com que essa pauta esteja em evidência”, diz Nalon. “Existem acadêmicos relevantes estudando isso. Tem um processo de formação de opinião acontecendo.”