Relembrando a Primeira Intifada

Jovens palestinos fogem de soldados armados israelenses durante a Primeira Intifada, em Al Ram, Cisjordânia, janeiro de 1988. Foto: Caleb Gee/Pinterest

Por Hanaa Hasan.

Neste dia (8), há mais de três décadas, a Primeira Intifada irrompeu na Palestina ocupada, um levante que durou cinco anos consecutivos e vivenciou a morte de milhares de palestinos. Não obstante, a luta por liberdade do povo palesino continua ainda hoje.

O quê: Primeira Intifada

Quando: 8 de dezembro de 1987 – 13 de setembro de 1993

Onde: Palestina ocupada

O que aconteceu?

O levante ocorreu no contexto de vinte anos da ocupação israelense sobre os territórios palestinos da Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental. Israel dominava as terras palestinas ocupadas com mão de ferro, ao impor toques de recolher abusivos e conduzir rotineiramente invasões, prisões, deportações e demolições de casas.

Após centenas de palestinos testemunharem a morte de quatro homens, atropelados por um jipe israelense nos arredores do campo de refugiados de Jabalya, em Gaza, no dia 8 de dezembro, a indignação diante da situação ganhou dimensões sem precedentes. Os funerais das vítimas contaram com a presença de aproximadamente 10.000 pessoas, que foram forçadas ao luto ainda outra vez no dia seguinte, quando tropas israelenses dispararam a esmo contra uma multidão, resultando na morte de Hatem Abu Sisi, de 17 anos, e dezesseis feridos.

Enquanto os líderes palestinos se reuniam para debater a escalada de tensões, protestos e confrontos eclodiram dentro dos campos de refugiados e espalharam-se rapidamente por toda a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Os palestinos tomaram controle de bairros inteiros e ergueram barricadas em estradas para impedir o acesso de veículos militares israelenses. Em maioria desarmados, os palestinos defenderam a si mesmos ao atirar pedras contra soldados treinados e seus tanques de guerra. Comerciantes fecharam seus negócios e trabalhadores promoveram greves em todo o território ocupado por Israel.

O Exército de Israel definiu as ações como “motim” e mobilizou-se agressivamente para reprimir os protestos, ao disparar balas de borracha, munição real e gás lacrimogêneo contra multidões de civis. O protesto cresceu e reuniu dezenas de milhares de pessoas, incluindo mulheres e crianças. Em 12 de dezembro, seis palestinos foram mortos e 30 outros foram feridos pela violenta repressão israelense. Aqueles que se insurgiram contra as injustiças de Israel eram parte de uma geração criada nas sombras da brutal ocupação militar e suas subsequentes ruínas. A oportunidade de marcar posição contra as violações de seus direitos não seria perdida.

À medida que os protestos não mostravam qualquer sinal de dispersão, Israel passou a utilizar prisões em massa como parte dos esforços para dissuadir a população civil de manifestar-se. Universidades e escolas na Cisjordânia foram fechadas; segundo a professora Wendy Pearlman, toques de recolher foram aplicados 1.600 vezes somente no primeiro ano do levante. Fazendas e casas palestinas foram destruídas, árvores foram arrancadas e manifestantes que recusaram-se a pagar tributos tiveram suas propriedades e alvarás residenciais confiscados. Colonos israelenses também lançaram ataques regulares contra os palestinos; estes atiravam pedras em autodefesa e enfrentavam como resposta a terrível brutalidade colonial. Somente no primeiro ano, 300 palestinos foram mortos, além de 20.000 feridos e 5.500 detidos por Israel, segundo a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA).

O ramo suíço da organização Save the Children estimou que “23.600 a 29.000 crianças passaram a depender de tratamento médico por ferimentos causados por agressões nos primeiros dois anos da Intifada” – um terço das quais menor de dez anos de idade.

Registros de imagem tiveram um papel fundamental na percepção da Intifada pela comunidade internacional, exposta a assimetria entre civis palestinos desarmados e a brutalidade dos soldados israelenses. Um vídeo em particular causou indignação em 1988, quando oficiais militares de Israel foram flagrados espancando e quebrando os braços de dois adolescentes palestinos, deliberadamente. A imagem de Israel como bode expiatório, uma nação judaica cercada por vizinhos árabes hostis, pouco a pouco caiu por terra.

O que aconteceu a seguir?

A partir de 1988, os líderes palestinos conduziram esforços coordenados para assumir o controle sobre a situação ainda em escalada. Na época, Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que residia na Tunísia, tentava tomar as rédeas da situação e trabalhar junto às Nações Unidas. Tais esforços foram muito pouco exitosos; ao contrário, o movimento de resistência islâmica Hamas, recém criado, ganhou força na Faixa de Gaza, ao apresentar-se como alternativa à OLP, dominada pelo partido Fatah. O Hamas exortou os palestinos a aderir aos princípios básicos de sua luta nacional, sobretudo, a libertação da Palestina. O movimento encorajou ataques contra Israel conduzidos por combatentes da resistência palestina, algo que Tel Aviv utilizou para justificar perseguições ainda mais violentas contra civis palestinos, nas décadas porvir.

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Após o falecido Rei Hussein da Jordânia cortar todos os laços econômicos e administrativos com a Cisjordânia, em 1988, a ausência de um estado-nação para o povo palestino enfim chegou às manchetes. Conforme prosseguia o massacre, apelos por um estado palestino independente tomaram volume. No mesmo ano, o Conselho Nacional Palestino, instituição de governo estabelecida no exílio, consentiu com a chamada solução de dois estados, contemplada previamente por uma resolução da ONU de 1974.

Porém, a violência continuou e, em 1989, ao menos 285 palestinos foram mortos pelas forças de segurança israelenses, além de 17 assassinados por colonos judeus. No mesmo período, 19 civis israelenses e seis membros das Forças de Defesa de Israel (FDI) foram mortos. Entre 1989 a 1990, os Estados Unidos mantiveram uma posição de veto no Conselho de Segurança para qualquer resolução que reagisse às violações de direitos humanos ou não-cumprimento dos termos da Quarta Convenção de Genebra, por parte de Israel.

Foi apenas em 1991, quando Estados Unidos convocaram a Conferência de Madri e anunciaram reconhecer a OLP como “único representante legítimo” do povo palestino, que Israel enfim foi levado à mesa de negociação. Conversas secretas entre a OLP e Tel Aviv, incitadas pela Noruega, ocorreram no ano seguinte e eventualmente culminaram nos Acordos de Oslo.

O tratado então consentido reivindicava um período transicional de cinco anos, durante o qual as forças israelenses deveriam retirar-se dos territórios ocupados, para dar lugar à Autoridade Palestina e pavimentar o caminho para um estado independente. O acordo foi assinado no jardim da Casa Branca, em setembro de 1993, pelo Primeiro-Ministro de Israel Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, mediado pelo Presidente dos Estados Unidos Bill Clinton.

Os esforços de paz ganharam as manchetes por todo o mundo, mas o plano de fundo das negociações políticas ainda era a violência em curso. Quando terminou a Intifada, em 1993, quase 1.500 palestinos e 185 israelenses haviam sido mortos; mais de 120.000 palestinos foram presos. As baixas e a brutalidade absolutamente desproporcionais sobre o lado palestino provocaram repúdio internacional generalizado, que influenciou o Conselho de Segurança da ONU a esquematizar as resoluções 607 e 608, que exigem o fim da política israelense de expulsar os palestinos de suas terras.

Embora, aos olhos dos historiadores, a Intifada tenha importância por despertar o chamado processo de paz, três décadas depois, a promessa permanece não cumprida. Oslo demonstrou ser outra falsa alvorada; a ocupação e os assentamentos ilegais de Israel investiram contra os as terras e os direitos palestinos como nunca antes. A Primeira Intifada, na verdade, jamais terminou. Os palestinos insistem em resistir, diante da opressão e tirania da ocupação militar israelense.

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