O Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil lançou nesta quarta-feira (12) o seu novo relatório onde aponta que em 2020, foram registrados 237 assassinatos no país motivados pela LGBTfobia: 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%). O relatório também destaca que, em razão da pandemia, houve uma queda de 28% no número de mortes em relação ao ano anterior, entretanto, essa queda deve-se sobretudo pela subnotificação dos casos e por registros de ocorrência que desconsideram o gênero e a orientação sexual como motivação para os crimes. O documento,que é referência nacional para o combate à violência contra a população LGBTI+ foi produzido pela ONG catarinense Acontece Arte e Política LGBTI+ em parceria com o Grupo Gay da Bahia (GGB).
O Relatório do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil traz luz sobre a gravidade do problema no nosso país e contribui para que o poder público possa mapear as regiões mais sensíveis, de modo a formular políticas públicas para o enfrentamento à LGBTIfobia. A base de pesquisa para a construção do Relatório são as notícias publicadas no país e que fazem referência a pessoas LGBTI+ vítimas de violência. De acordo com o documento produzido pelo Observatório, a violência contra a população LGBTI+”não é uma violência qualquer, fruto de um processo de formação socioespacial desigual, é uma violência que mata, fere e brutaliza esses corpos, expondo-os ao ridículo e a extremos processos de exclusão por serem quem e como são”.
O primeiro relatório com dados sobre a violência contra a população LGBTI+ no Brasil foi divulgado em 1981 e, desde então, vem contribuindo para que tenhamos um retrato sobre a LGBTfobia no Brasil. Nas últimas duas décadas (2000-2020), o Brasil registrou 5.047 mortes violentas de LGBTI+. Apenas no ano passado, foram registradas 161 mortes violentas de travestis e mulheres trans, 51 mortes de gays, dez mortes violentas de lésbicas, três de homens trans, três bissexuais e duas mortes de heterossexuais que foram assassinados em decorrência da violência LGBTfóbica.
Segundo o prof. Luiz Mott, fundador do Grupo Gay da Bahia, “a explicação mais plausível para a diminuição em 28% do número total de mortes violentas de LGBTI+ em comparação com o ano anterior se deve ao persistente discurso homofóbico do Presidente da República e sobretudo às mensagens aterrorizantes dos “bolsominions” nas redes sociais no dia a dia, levando o segmento LGBTI+ a se acautelar mais, evitando situações de risco de ser a próxima vítima, exatamente como ocorreu quando da epidemia da Aids e a adoção de sexo seguro por parte dessa mesma população.” (SILVA, Violência contra LGBTS+ 2020). Comportamento preventivo observado igualmente agora face à pandemia do Coronavírus, em que sobretudo os gays vem desenvolvendo novas e específicas estratégias de sobrevivência.
Com 0,8 mortes violentas de LGBTI+ por milhão de habitantes em 2020, Santa Catarina foi o estado com a maior taxa do Sul do país, sendo que a Capital, Florianópolis, concentra 80% dessas mortes. Esses dados alarmantes indicam a necessidade de se devolver políticas públicas de combate à violência na capital catarinense e no estado como um todo. Foram cinco mortes apenas no ano passado, sendo que destas, 4 ocorreram em Florianópolis.
De acordo com Alexandre Bogas Fraga Gastaldi, Especialista em Gênero e Diversidade na Escola (UFSC) e diretor executivo da Acontece Arte e Política LGBTI+, é necessário olharmos para essa pesquisa como um instrumento que visa denunciar a violência contra a nossa população e infelizmente nosso país figura como um dos lugares mais violentos do mundo para ser LGBTI+. Nestes últimos anos temos visto o aumento de falas com alto conteúdo de ódio dentro e fora da internet, discursos esses que nos matam violentamente e continuam nos excluindo dos espaços sociais. É preciso cobrar diariamente do Estado brasileiro e seus órgãos o compromisso com os direitos humanos sobretudo com as populações mais vulneráveis.
A cada 36 horas um LGBTI+ brasileiro é vítima de homicídio ou suicídio, o que confirma o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais, informação corroborada e ainda mais agravada pelos estudos do próprio Ministério dos Direitos Humanos: em relatório engavetado pelo atual Governo Federal, concluiu-se que em nosso país, entre 1963-2018, a cada 16 horas um LGBT foi assassinado (PREITE SOBRINHO, Relatório LGBT, 2019). Segundo agências internacionais de direitos humanos, matam-se muitíssimo mais homossexuais e transexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e África onde persiste a pena de morte contra tal segmento. Mais da metade dos LGBTI+ assassinados no mundo ocorrem no Brasil (WAREHAM, Murder LGBT, 2020).
Confira abaixo o número de mortes de LGBTI+ violentas por estado e região do país:
Região/UF |
Mortes |
P/ 1 Milhão de Habitantes |
NORTE |
20 |
1,26 |
Roraima |
2 |
4,43 |
Tocantins |
3 |
2,16 |
Amazonas |
7 |
2,01 |
Amapá |
1 |
1,49 |
Acre |
1 |
1,36 |
Rondônia |
2 |
1,28 |
Pará |
4 |
0,52 |
NORDESTE |
113 |
2,12 |
Alagoas |
15 |
4,8 |
Ceará |
34 |
4,02 |
Paraíba |
11 |
2,92 |
Sergipe |
6 |
2,9 |
Rio Grande do Norte |
9 |
2,84 |
Bahia |
24 |
1,71 |
Pernambuco |
9 |
1,02 |
Maranhão |
4 |
0,6 |
Piauí |
1 |
0,32 |
CENTRO-OESTE |
18 |
1,28 |
Mato Grosso |
6 |
1,97 |
Mato Grosso do Sul |
4 |
1,63 |
Distrito Federal |
3 |
1,17 |
Goiás |
5 |
0,83 |
SUDESTE |
66 |
0,82 |
Minas Gerais |
19 |
0,96 |
São Paulo |
36 |
0,87 |
Rio de Janeiro |
10 |
0,62 |
Espírito Santo |
1 |
0,28 |
SUL |
20 |
0,73 |
Santa Catarina |
5 |
0,8 |
Rio Grande do Sul |
8 |
0,74 |
Paraná |
7 |
0,67 |
TOTAL |
237 |
|
Recomendações:
Insistimos na urgência de ações governamentais com vistas a reverter o quadro atual de violência e discriminação contra homossexuais, bissexuais e transexuais no Brasil.
Educação sexual e de gênero em todos os níveis escolares para ensinar jovens e população em geral o respeito aos direitos humanos e cidadania da população LGBT;
Cumprimento rigoroso das leis aprovadas garantindo a cidadania plena da população LGBT, sobretudo no reconhecimento do casamento homoafetivo e a equiparação da homofobia e transfobia ao crime de racismo;
Políticas públicas na área da saúde, direitos humanos, educação, que contribuam para erradicar as mortes violentas e proporcionem igualdade cidadã à comunidade LGBT;
Exigir que a Polícia investigue diligentemente e a Justiça puna com toda severidade os crimes homotransfóbicos.
E um apelo aos LGBT+ para que evitem situações de risco de sua própria segurança vital e quando vítimas de qualquer ameaça ou violência, reajam e denunciem.
Para acessar o relatório completo:
https://ObservatorioMortesViolentasLGBTIbrasil.org/
https://grupogaydabahia.com.br/relatorios-anuais-de-morte-de-lgbti/