Relato de uma segunda-feira em uma Florianópolis em disputa, nas vésperas do seu aniversário de 350 anos

Manifestação Popular em frente à Câmara, pede que a votação do Plano Diretor seja suspensa. Crédito: Professora Fátima Menoncin

Cena 1: Manifestação pressiona para que vereadores não votem o Plano Diretor

Nesta segunda-feira, dia 20 de março, houve protesto em frente à Câmara de Vereadores de Florianópolis, por conta da possibilidade de os vereadores votarem o projeto de revisão do Plano Diretor. Estiveram presentes movimentos sociais, associações comunitárias, ambientalistas, sindicalistas e militantes, que se posicionam contra este projeto que visa beneficiar o capital imobiliário, acelerando o crescimento da cidade, sem oferecer perspectivas de melhoria para os problemas que afetam a maioria da população, como moradia, mobilidade urbana e saneamento.

Manifestação no “aquário” interno reservado ao povo. Créditos: Kauan Marisco

Os manifestantes se dividiam entre o ambiente externo e interno da Câmara, sendo o  ambiente interno o famoso “aquário”, aquela parte separada por um vidro blindado e antirruído que separa os vereadores da população, na “casa do povo”. Para se manifestar, quem estava na parte interna exibia cartazes e faixas na frente do vidro. O mote “Cidade à venda” estava nas cédulas de 100 reais, estampadas com a cara do Prefeito Topázio, que eram exibidas aos vereadores durante a sessão.

100 Topázios

Na parte externa, com faixas e cartazes, manifestantes também denunciavam a venda da cidade, a destruição da natureza e a recente epidemia de Norovírus, que adoeceu milhares de pessoas e impactou no turismo e na economia da cidade. Cartazes denunciavam os vereadores da base do governo Topázio, que já se declararam a favor do Plano Diretor. O cocô foi um personagem presente, nas falas, músicas e cartazes, sendo uma das palavras de ordem, repetidas em coro: “esse plano vai dar merda”. Em todo momento, o protesto era vigiado pela Guarda Municipal e viaturas da Policia Militar, que rondavam a Câmara.

Saneamento foi um dos principais temas do protesto. Crédito: Professora Fátima Menoncin

Em um carro de som, lideranças se revezam em falas sobre diversos aspectos do Plano Diretor: o transporte público caro e ruim; as pessoas que vivem em ocupações; o apagamento cultural de regiões inteiras, por conta da voracidade da especulação imobiliária; o sucateamento dos serviços público; o crime ambiental na Lagoa da Conceição, que tem mais de 2 anos e, claro, o cocô, tão presente em nossas nossas águas, por conta de uma política de saneamento irresponsável.

Falas no carro de som. Crédito: Professora Fátima Menoncin

Também houve falas que ressaltaram a Proposta Popular do Plano Diretor, elaborada pelos movimentos sociais, protocolada na Câmara, e com um abaixo-assinado com mais de 7500 assinaturas, mostrando que o povo organizado tem proposta própria para a cidade como um todo. Após as falas, houve uma breve plenária, organizada em uma roda de conversa, onde foram discutidos os encaminhamentos para os próximos dias, como manter a vigília, pois o Plano pode ser votado a qualquer momento.

O protesto foi encerrado quando a sessão da Câmara foi finalizada, sem a votação do Plano Diretor. No final da sessão, o empresário bolsonarista e sonegador de impostos Luciano Hang, o “véio da Havan” foi agraciado com o título de cidadão honorário de Florianópolis. Houve apenas uma breve citação na imprensa hegemônica (Jornal do Almoço – NSC TV) sobre a mobilização popular.

Cena 2: Em manifesto, organizações empresariais defendem Plano Diretor e soberania do Capital

O Prefeito, estrela do almoço do “Floripa Sustentável”. Créditos: Floripa Sustentável

No mesmo dia, o Prefeito Topázio se reunia em um almoço, em um hotel de luxo no centro, com lideranças empresariais, organizado pelo Movimento Floripa Sustentável. O almoço anual do “movimento”, formado por diversas associações patronais da cidade e forte participação do setor da construção civil e do capital imobiliário, contou também com a presença do presidente da Câmara João Cobalchini. Topázio e Cobalchini receberam uma moção de aplausos pelos presentes. Também houve homenagem a ex-coordenadora do Floripa Sustentável e atual assessora de Relações Institucionais da Prefeitura, Zena Becker, figura chave nas articulações do Plano Diretor e uma das poucas mulheres, num evento, majoritariamente, composto por homens brancos.

Os participantes do almoço. Créditos: Floripa Sustentável

Durante o almoço, que custava 150 reais por adesão, foi lido um manifesto a favor do Plano Diretor. O prefeito conclamou os presentes a apoiar a Câmara de Vereadores: “Somos uma maioria silenciosa e precisamos mostrar nossa força contra uma minoria barulhenta.” Também fez votos para que o Plano Diretor fosse votado na segunda.

Chamada para o almoço com Prefeito

Houveram críticas ao Ministério Público Federal, que, na sexta, recomendou a suspensão da tramitação do Plano Diretor, até que sejam fornecidas informações sobre os impactos ambientais do plano em áreas da união, como a Reserva Extrativista Marinha do Pirajubaé e a Estação Ecológica de Carijós. O manifesto pede que seja impedida a “judicialização tática e ideológica” do MPF e defende a “autonomia e a soberania da nossa cidade”.

manifesto foi prontamente divulgado pelo colunista Fábio Gadotti, que tem atuado como porta-voz dos interesses do capital imobiliário da cidade, em defesa do Plano Diretor do prefeito atual e anterior, e também pelo já bem conhecido Moacir Pereira, veterano na defesa permanente da elite desta cidade.

O Plano Diretor como cerne na disputa pela Florianópolis do futuro

Em uma das suas célebres aulas, a economista Maria Conceição Tavares disparou:

Só faz de conta que a política não interessa quem manda, meu bem. E deus sabe que a política lhe interessa muito. Problema que ele disfarça seu interesse político. Ele faz em câmaras secretas, ele faz, aí sim, em chás, em almoços, (…). Nós não podemos resolver no jantar da sextas-feiras. Nós não somos da elite dominante deste país.

Na mesma cidade, nas vésperas do aniversário de 350 anos, dois cenários muito diferentes, evidenciam o conflito de interesses e visões de mundo distintas. De um lado, uma elite branca e patriarcal, que pode se dar ao luxo de decidir o futuro da cidade em almoços com seus pares. Na frente da Câmara, uma mobilização popular que tenta construir uma frente de resistência ao desigual poder financeiro do capital e seus desmandos, propondo um outro modelo de cidade.

A balança tem pendido para o lado do capital. Cabe a nós fazermos a luta necessária para virar este jogo. Nesta quarta uma nova manifestação está marcada às 15h em frente à Câmara, para que a votação do Plano Diretor seja suspensa.

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