Por Claudia Weinman, para Desacato. Info.
A grande festa da Reforma Agrária. Novos e antigos sonhos amanheceram juntos, na conquista do chão…Nos olhares, muita vida e desejo de dignidade.
É hoje. Chegou o momento. A gente começou a bater na porta das casas das famílias e avisávamos que a hora esperada tinha chegado. Estavam com muita expectativa e isso misturava-se com a oportunidade que estavam tendo de conhecer outras pessoas. Novas gentes se conhecendo, numa espécie de ‘laço’ que formava-se.
Estava muito frio. Noite gelada. O povo fazia brincadeira, tentava se divertir, talvez querendo esconder uma certa ‘aflição’. Seguimos viagem. Conversando no carro enquanto a gente ia, podia-se perceber a emoção ‘dele’ de estar indo para esse espaço, conquistar um pedaço de chão. Encontramos mais companheiros\as vindos de outras regiões pela estrada. As luzes saiam de estradas, não parava mais de vir carro. Foi muito emocionante.
Não estamos sozinhos. Eu pensava. Principalmente aquele povo, que estava iniciando a luta pela terra. Ali dava para ver o quanto o povo é explorado pelo sistema Capitalista. Excluídos de ter um lugarzinho para morar, de dizer que a terra é sua… Os companheiros\as seguiam se cumprimentando e conhecendo-se.
A emoção ganhava mais forma. Estávamos perto. Chegando num ponto da estrada de chão, a gente parou para esperar mais companheiros. Muita luz, parecia que estava sendo construída uma nova cidade, muitos ônibus, caminhão, carros. Chegamos próximo do parque, a emoção aumentou muito. Pensar que estava sendo possível dar o direito às pessoas terem uma vida digna, e aí eu pensava: ‘Não é só a luta por um pedaço de terra’ …. Começamos a descarregar às coisas, malas, comida, sacolas. Foram entrando… E mais gente seguia entrando. Pessoas se entendendo como classe trabalhadora.
O Frio da Terra.
Na madrugada de sábado, dia 04 de junho de 2016, por volta de 2h20 da manhã, Trabalhadores e Trabalhadoras ocuparam às terras da Floresta Nacional, entre os municípios de Guatambú e Chapecó-SC. Famílias carregadas de sonhos, iniciaram a construção dos primeiros barracos na área reivindicada para reforma agrária. Para o começo de uma nova vida, para a concretização de velhos sonhos, tantas vezes interrompidos e agora, renascendo nesse cenário de esperança, de uma terra fria pelo gelo de uma das manhãs de inverno de junho, mas quente, de vida, de gentes querendo plantar e viver dignamente na terra que pertence aos povos.
Vilson Santin, Militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, (MST), declarou que o contexto desta área de terra é de uma Floresta Nacional, que possui 1200 hectares, sendo menos de 400 de mata nativa e mais de 800 hectares com plantação de Pinos. Essa área sofreu com a retirada de Araucárias e outras madeiras nativas ainda no ano de 1968, período do AI 5, Ditadura Militar. “Naquele período descobrimos que o objetivo era testar se os Pinos se adaptavam em solo brasileiro e por isso plantaram nesse local de Floresta. E aí vem nossa discordância, isso é um absurdo se formos falar sobre a função social da terra. Esta não é uma área totalmente nativa, se fosse, não chegaríamos nem perto daqui. Não reivindicaríamos para reforma agrária. Agora essa parte de 800 hectares, está entre as melhores terras do Brasil em termos de fertilidade, por isso, queremos construir neste espaço, um assentamento referência, que vai ajudar a desenvolver o município com a produção agroecológica, garantindo renda e qualidade de vida para essas pessoas”, disse ele.
Na próxima semana, Santin destaca que as lideranças do MST vão participar de uma reunião com o Presidente Nacional do Incra, para oficializar a ocupação. Sobre os Pinos que estão no local, Santin reforça que cabe ao governo decidir o destino. “Pode ser usado para habitação popular, comercializar, enfim, o governo terá que fazer a parte dele. Nós queremos a terra e somos parceiros em contribuir com a preservação da área nativa”.
Relato de um companheiro II-
Marcelino Chiarello está presente entre nós.
As terras ocupadas no último sábado, levam o nome de acampamento Marcelino Chiarello. É preciso manter viva a memória desse lutador. O nome do acampamento foi aprovado em assembleia na manhã do sábado, durante a ocupação. Por mais que a burguesia, os coronéis, poderosos, queiram silenciar essa memória, nunca vão conseguir. Podem tentar apagar e esquecer as denúncias e falcatruas que fizeram para usufruir do poder, mas nós como lutadores\as, pastorais e movimentos sociais, reforçamos que Marcelino ainda vive.
*Marcelino Chiarello foi assassinado, e por mais que digam, que tentem comprovar e que tenham arquivado o caso, sabemos que muitos interesses envolveram a morte dele. Que ele não se enforcou como a imprensa guiada pelos órgãos responsáveis pelo caso, informou. E é por isso, pelas mais diferentes lutas, que nos somamos a essa caminhada, para que de fato possamos construir uma nova sociedade, com novas relações, garantindo vida e dignidade para o povo sofredor.
*Marcelino Chiarello era professor, foi Vereador em Chapecó e possuía atuação junto aos movimentos populares. Antes de sua morte, atuava na denúncia de esquemas de corrupção envolvendo lideranças da prefeitura de Chapecó. O Laudo médico de sua morte, apontou traumatismo craniano e asfixia mecânica. O caso foi arquivado, mesmo os familiares, amigos, companheiros de luta, tendo denunciado que a morte teria mais relação com assassinato do que suicídio.
Fotos: Sandra Mara Mohr.