Refugiados e imigrantes criam ‘minicidade’ próxima a túnel entre França e Reino Unido

Por Sandro Fernandes. Na cidade francesa de Calais e próximo ao Eurotúnel surge a New Jungle, onde residem 3.000 pessoas que fogem de perseguição, guerra e buscam futuro melhor.

Situada no norte da França, Calais é tradicionalmente um ponto onde imigrantes e refugiados se concentram na tentativa de chegar ao Reino Unido, por meio do Eurotúnel.  Entretanto, a afluência cada vez maior de pessoas acabou resultando na criação de uma mini-cidade dentro de Calais: a New Jungle.

Com 18 hectares (equivalente a 18 campos de futebol), a New Jungle fica a cerca de sete quilômetros do Eurotúnel e se divide, informalmente, em mini-bairros agrupados por nacionalidades. No mini-bairro afegão, por exemplo, ondulam bandeiras afegãs e há restaurantes, bares e lojas com produtos afegãos.

A recente crise de refugiados transformou a cidade em um ponto de convergência de pessoas que, por diferentes razões, preferem empreender tentativas arriscadas de atravessar para o lado britânico a ficar na parte continental europeia. Dos 3 mil residentes, 35% vêm de ex-colônias britânicas, como Sudão, Gana e Nigéria, 30% são do Afeganistão e Paquistão e 25% são da Eritreia, Etiópia e Somália. Aqui, os sírios são uma minoria.

“Eu já falo inglês. Não tem sentido ficar na França ou ir para a Alemanha. Seria começar do zero e perderia muito tempo”, explica o afegão Lahmed, de 30 anos. “Além disso, tenho amigos e conhecidos que moram lá (na Inglaterra)”. Lahmed diz que escapou dos talibãs no Afeganistão, mas que tem “ainda mais medo do Estado Islâmico”.

A mini-cidade de imigrantes e refugiados se organiza socialmente da mesma maneira que qualquer outra cidade, com bares, restaurantes, boate, uma igreja, seis mesquitas e suas regras. Há até mesmo uma região de classe média, onde já não importa a nacionalidade, mas sim a renda.

“Aqui é o local onde vivem os refugiados de classe média e classe alta, que podem construir tendas de acampamento melhores”, explica François Guennot, secretário da ONG Albergue de Migrantes. “Eles são intelectuais e/ou pessoas com dinheiro nos seus países”.

Muitas pessoas exibem marcas e cicatrizes das tentativas frustradas de atravessar clandestinamente para o Reino Unido através Eurotúnel.

“Eu já tentei atravessar várias vezes, mas a polícia sempre me pega. Passei 20 dias acampado perto do Eurotúnel, tentando atravessar todas as noites. Voltei há uns dias aqui para a New Jungle, vou descansar um pouco e voltarei a tentar daqui a uns dias”, conta Elias, etíope de 21 anos, que chegou há poucos meses na Europa fugindo da perseguição política no seu país de origem.

Elias pagou pelo menos 4 mil dólares em propinas aos contrabandistas de pessoas para viajar da Etiópia até a Itália, passando pelo Sudão e pelo Egito. Da Itália para a França, ele pegou um ônibus regular. O sonho de Elias é continuar seus estudos de Direito em Londres.

“Você sabe quem eu sou?”

É noite de sábado e a música “No Woman No Cry” soa alto na New Jungle. O som vem da boate Peace&Love, montada em uma barraca decorada com fotos de Bob Marley e lâmpada estroboscópica.

Na boate, há três mesas de cada lado e uma pista de dança no meio. A lata de cerveja custa € 1,50 (R$ 6,50). O álcool flui e o flerte começa. Velas apoiadas nas latinhas vazias sobre as mesas completam o cenário.

A reportagem de Opera Mundi aceita uma cerveja do afegão Ibrahim, de 30 anos, nosso anfitrião na balada. Ele começa o bate-papo elogiando o presidente russo Vladimir Putin. “Putin é bom porque ele não mente. Os líderes do Ocidente só fingem ser bonzinhos”.

Enquanto conversamos com Ibrahim (que se confundiu e se apresentou numa segunda vez como Rachid), outro residente da New Jungle se senta à mesa com duas pessoas e coloca a vela que estava no centro da mesa perto dele e de seus amigos. Sem dizer uma palavra, Ibrahim olha nos olhos do ousado jovem e puxa a vela de volta.

“Você sabe quem eu sou? Sou um cidadão francês e todo mundo aqui me conhece”, explica Rasta, como se apresentou o novo colega de mesa. “Mas todo mundo aqui também me conhece. A vela é nossa”, rebate Ibrahim. “Você não pode chegar aqui à minha mesa, pegar minha vela enquanto eu converso com um amigo. Você tem que me pedir”, completou.

“Só quero acender um cigarro. Não fale assim comigo. Preciso da vela por uns segundos, tudo bem?”. “Agora eu não vou te emprestar minha vela”, retrucou Ibrahim. Depois de uma rápida intervenção da reportagem, Ibrahim concordou em deixar a vela com Rasta por uns instantes. Mas segue irritado, sai da mesa e volta com mais cervejas. Um casal discute na mesa ao lado.

No dia seguinte, Rasta nos encontra andando pela New Jungle: “Oi, tudo bem? Se vocês (reportagem de Opera Mundi) tiverem algum problema, podem falar comigo”.

“Anarquistas manipulam os imigrantes para servir à sua ideologia política”

A prefeita de Calais, Natacha Bouchart, pediu calma à população da cidade, lembrando que os cidadãos “não devem ceder aos extremismos” diante de uma situação migratória que ela classificou como “cada vez mais incontrolável”.

Bouchart criticou as frequentes manifestações de apoio aos refugiados em frente à Prefeitura. Segunda ela, os protestos “impedem o funcionamento normal da administração municipal” e os militantes do grupo anarquista No Border, um dos organizadores desses atos, “manipulam os imigrantes com o objetivo de servir à sua ideologia política”.

No último fim de semana, 200 imigrantes marcharam pelo centro de Calais ao lado de algumas dezenas de cidadãos franceses, pedindo a abertura da fronteira para o Reino Unido. O evento foi fortemente policiado, mas terminou sem grandes incidentes.

Foto: Reprodução/Opera Mundi

Fonte: Opera Mundi

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