Por Cristiane Sampaio.
A reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro tende a causar prejuízos não só para os futuros servidores públicos do país, mas também para o atual contingente do funcionalismo. É o que aponta um caderno de análise produzido por especialistas que assessoram a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público.
O grupo afirma que a medida, que tramita atualmente na Câmara dos Deputados como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, cria cenários de incerteza para a tropa que hoje serve às necessidades do Estado. A afirmação se baseia nas alterações previstas para cargos de comando.
Cargos hoje exclusivos a servidores efetivos
Atualmente, servidores efetivos são os únicos a poderem ocupar funções de confiança. Eles também preenchem necessariamente 50% ou 60% dos chamados “cargos comissionados”, que compreendem serviços de direção, chefia e assessoramento. O percentual varia de acordo com níveis de função e é definido pelo Decreto nº 5.497, de 2005.
Tais normas tendem a ser invalidadas pela PEC, caso a medida seja aprovada pela Câmara e pelo Senado. O texto da proposta projeta o surgimento de um novo instituto para substituir esses comandos. Serão os “cargos de liderança e assessoramento”, que poderão ser preenchidos por qualquer cidadão que atenda a determinados requisitos.
Os critérios, no entanto, não são definidos pela PEC e devem ser posteriormente aprovados. O trecho chamou a atenção da assessora jurídica do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate), Larissa Benevides. Ela responde pela autoria do caderno de análise juntamente com o advogado Bruno Fischgold.
“Não há nenhuma garantia de que requisitos serão esses. Bolsonaro, quando assumiu, assinou, por exemplo, um decreto dizendo que só queria pessoas qualificadas para cargos de comissão, mas esse mesmo decreto diz que os requisitos podem ser dispensados mediante justificativa. Então, isso tudo deixa o cenário bem incerto para os servidores”, explana.
Funções estratégicas nas mãos de servidores nomeados
A nova denominação criada pela PEC define que esses novos cargos serão destinados ao desempenho de funções estratégicas, gerenciais ou técnicas, hoje originalmente exercidas por servidores efetivos.
“A preocupação aí é muito forte porque você vai ter servidores atuais em exercício dividindo eventualmente as mesmas funções – por exemplo, de auditoria e fiscalização, que são estratégicas e técnicas –, com servidores que serão nomeados a gosto do gestor e que estão ali de acordo com os interesses do governo, e não do Estado”, observa Larissa Benevides.
Extinção de direitos
Cunhada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a PEC é ostensivamente defendida por governistas e acaba com diferentes direitos hoje garantidos ao funcionalismo públicos. É o caso de aumentos retroativos, licenças-prêmio e progressões funcionais ligadas ao tempo de serviço, por exemplo.
As regras previstas pelo texto de Guedes e Bolsonaro alcançam funcionários dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – nas esferas municipal, estadual e federal. Também abarcam os servidores que atuam nos diferentes Ministérios Públicos.
Regras definidas somente após aprovação da PEC
Esse contingente deve ficar à mercê da definição de regras futuras não só no que diz respeito aos cargos de comando. Questões relacionadas a gestão de pessoas, política remuneratória, desenvolvimento e capacitação de servidores e organização da força de trabalho no serviço público, por exemplo, também terão definição posterior, por meio de leis complementares ou ordinárias a serem aprovadas se a PEC receber o aval do Congresso.
Esse tipo de legislação é de mais fácil aprovação do que uma emenda constitucional, que necessita de apoio de pelo menos três quintos dos deputados (308) e dos senadores (49) em dois turnos diferentes de votação.
Pelas regras da Constituição Federal, uma lei complementar recebe aval dos plenários com maioria absoluta dos votos – 257 na Câmara e 41 no Senado –, enquanto uma legislação ordinária exige apenas a concordância da maioria dos parlamentares presentes na sessão de votação.
Por conta disso, a oposição aponta que a PEC deixa os atuais servidores mais vulneráveis ao jogo promovido pelos grupos neoliberais que hegemonizam o xadrez político do Legislativo.
Tentativa de desmobilizar servidores
Apesar disso, o governo tem entoado o mantra de que a medida afetaria somente as próximas gerações de servidores, deixando os atuais trabalhadores do ramo de fora das garras das novas regras e, portanto, imunes à rigidez do texto.
“É uma tentativa de desmobilizar os atuais servidores pra eles passarem a boiada. Esse prejuízo eles veriam só no futuro”, atribui o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), um dos integrantes da frente parlamentar.
“Vilões”
O ministro da Economia sustenta que as mudanças seriam por necessidade de enxugamento dos gastos públicos e redução da máquina. Guedes é conhecido pela defesa do discurso neoliberal e por manter uma relação de críticas frequentes e rejeição ao funcionalismo público.
Em uma de suas declarações dadas em 2020, o mandatário chegou a se referir aos servidores como “parasitas” da máquina – a manifestação lhe rendeu um processo no qual a Justiça Federal determinou pagamento de R$ 50 mil de indenização ao Sindicato dos Policiais Federais da Bahia, autor do pedido.
“É sempre esse discurso que tenta colocar os servidores como vilões e que vem na contramão do que o país necessita, ainda mais num momento como este”, critica o presidente do Fonacate, Rudinei Marques, para quem a PEC 32 é uma das prioridades de combate neste momento.
“O cenário nos mostra que depois da pandemia o Brasil vai precisar de mais Estado, e não menos Estado, como quer a reforma. Apesar disso, Guedes tenta enxugar a máquina e ainda ataque servidores com esse discurso panfletário. Seguiremos denunciando isso”.