O texto da Resolução Normativa 095/2017, que institui novas diretrizes para a Pós-Graduação na UFSC, foi integralmente votado após semanas de discussões. Conforme apontamos, o sentido das mudanças normativas caminhavam para o aprofundamento e generalização de alguns mecanismos já presentes na pós e que, ao nosso ver, afastam cada vez mais a pesquisa do seu sentido propriamente universitário. Ao longo de semanas de votação dos seus mais de setenta artigos, em sessões ocorridas desde o dia 17/08, pouco foi alterado do texto original. Os programas da UFSC terão 180 dias para se adequarem às mudanças. A partir deste momento, as discussões devem ser feitas nos colegiados dos programas.
Em síntese, as semanas de discussões não alteraram substantivamente o caráter da reforma. A normativa institui para todos os programas a possibilidade da disjunção entre mestrado e doutorado, mudando as carreiras de pesquisa. Tal como na Reforma de Bolonha, que transformou as universidades europeias para aproximá-las do mercado de trabalho nos anos 1990, essa mudança implica, a longo prazo, numa diferenciação entre os pesquisadores – que cursaram doutorado – e os professores – que fariam apenas o mestrado.
Além disso, a norma intensifica a presença das Tecnologias da Informação (TICs) na mediação de processos educativos, ao permitir a presença online de estudantes no momento da defesa do trabalho e nas reuniões online do colegiado. Também foi aprovado o artigo que permitia a participação de professores convidados por meio de sistemas de áudio e vídeo. Esses pontos demonstram uma adequação da pós ao que se propõe no Reuni Digital e nas tendências de hibridização do ensino superior.
Outro ponto sensível aprovado foi a possibilidade de fornecer aulas fora da sede. Nesta discussão, foi levantada a defesa em nome do eixo de extensão da universidade. Contudo, um membro da Câmara de Pós-Graduação (CPG), ao buscar elucidar o ponto, realizou sua defesa defendendo o princípio da internacionalização como norteador desta política. Esta defesa esteve fortemente presente ao longo das discussões do Conselho, como, por exemplo, no debate sobre patentes, propriedade intelectual e até mesmo no uso de TICs.
O tema da internacionalização é bastante caro às universidades. Conforme apontou Lalo Watanabe Minto em sua coluna ao UàE, as universidades públicas têm sido submetidas a diversos mecanismos de controle de suas pesquisas, com normas que direcionam sua produção à internacionalização e à inovação. Essas, aparecem como isoladas de interesses divergentes, voltados para a colaboração entre as partes (universidade e produção de conhecimento avançado). Contudo, na prática, elas não representam avanços de conhecimento que servirão à população em geral, mas apenas vantagens nos termos do mercado. Este último, captura a lógica da produção científica e o tempo de elaboração de um saber em nome da pragmatização dos conhecimentos desenvolvidos nas universidades públicas. A defesa da internacionalização também ignora a posição do Brasil no mercado mundial, bem como seu desenvolvimento dependente, que tende a se aprofundar com esses mecanismos. Uma maior aproximação da pesquisa na pós-graduação com esses interesses mais imediatos do mercado de trabalho ficaram explícitas na fala de diversos conselheiros que apoiam esta reforma.
Mais um ponto sensível aprovado foi relativo à execução de trabalho voluntário executado por pós-doutorandos. A gravidade deste ponto se relaciona com o contexto no qual as universidades se inserem. Apesar de aparecerem como uma forma de maior independência e possibilidade mercadológica a esses estudantes, na prática, esse mecanismo precariza o trabalho docente. Atualmente, os concursos e reposição de cargos são extremamente escassos. A aprovação deste ponto pode significar que estudantes de pós-doutorados passem a cobrir os “furos” no quadro de professores UFSC.
Também foi aprovada a regulamentação do doutorado profissional, uma modalidade de pós-graduação voltada para atender às demandas mais imediatas do mercado de trabalho. Os argumentos levantados foram de que a modalidade já existia em um curso da UFSC e de que a qualificação da mão de obra é importante. Contudo, tal como em diversos outros pontos da normativa, deixa-se de lado a discussão sobre a pertinência ou não de mecanismos existentes na universidade para que a exceção passe a operar como norteadora da regra. Ademais, foi novamente reiterado o argumento de que a aproximação do mercado de trabalho é algo positivo às universidades, naturalizando mecanismos contrários ao sentido público das universidades e descaracterizando o papel da pós -graduação na produção e conhecimento científico rigoroso de ponta. A possibilidade de uma titulação de mestre e doutor que não exige a produção de uma dissertação ou tese – tal como disposto na normativa – e que se submete a interesses privatistas acaba limitando o que a pós-graduação poderia significar.
Alguns outros pontos interessantes de serem levantados são: 1) a aprovação do reconhecimento de línguas indígenas brasileiras como equivalentes a idiomas estrangeiros nos processos seletivos de ingresso aos programas; 2) a supressão do artigo que propunha a elaboração de um regimento disciplinar da pós-graduação que seria redigido pela CPG .
A votação da normativa se estendeu por diversas semanas. Muitos dos debates poderiam ter sido feitos com o envolvimento da participação da comunidade universitária, e também, com a comunidade científica que vem estudando esses temas. Em diversos momentos, os pontos da normativa foram tratados como questões técnicas, de aprimoramento da normativa, quando se tratavam, conforme buscamos desenvolver, de mudanças profundas do sentido político e pedagógico da pós. Contudo, ao rejeitar o parecer elaborado pela Associação de Pós-Graduandos, a reitoria deixou evidente sua posição em manter os debates dentro dos termos institucionais.
A Resolução, a partir de sua aprovação, deve nortear todos os programas de pós-graduação da UFSC, que terão cerca de seis meses para se adequarem. Ainda que alguns pontos sejam, de certa maneira, facultativos, por se tratar da normativa geral da pós-graduação, esta deve exercer uma pressão nos programas. Além disso, as defesas em torno da normativa deixaram evidente que a universidade tem cada vez mais se aproximado dos interesses privados ligados ao mercado.