Por Clarissa Peixoto. Em debate no Congresso, acirra-se a luta em torno da maioridade penal no Brasil. O pano de fundo, um país que ainda apresenta baixos índices quando o assunto é políticas públicas que reflitam, em longo prazo, na vida da juventude brasileira.
A posição promovida pelos defensores da redução da maioridade penal para os 16 anos ganha adesão na opinião pública. A população brasileira, estimulada pelos meios de comunicação de massa, tende à defesa da redução, apoiada em argumentos que são reflexos de uma análise equivocada da realidade brasileira e do retrato da violência no país.
Uma dessas avaliações tem no direito ao voto facultativo aos 16 anos um balizador para determinar a “capacidade” de compreensão do jovem que pratica algum delito. Para a advogada popular e professora universitária, Daniela Félix, há de se salientar que o adolescente de 16 anos tem a opção de voto e não obrigatoriedade. “Qual jovem que aos 16 anos vai à justiça eleitoral? Sem dúvida, não é o adolescente pobre e da periferia, que sequer tem certidão de nascimento ou carteira de identidade. Aliás, o menino que vota, em sua quase totalidade, não é aquele processado criminalmente. Se assim o for, terá sua garantia de acesso à justiça amplamente exercida, além do que terá condições de pagar pela fiança arbitrada ou de cumprir penas alternativas. Não podemos esquecer que o Sistema de Justiça Criminal é seletivo e sua clientela é quase que predominantemente pobre e da periferia”, observa.
Um olhar mais atento perceberá que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei n° 8.069/1990) prevê o processo de responsabilização ao menor que pratica infração, embora de forma diferenciada à prevista pelo Código Penal. O que ocorre no Brasil é que as leis não são aplicadas devidamente e as estruturas responsáveis pelo cumprimento da pena não reintegram o indivíduo à sociedade.
“As medidas socioeducativas, segundo o ECA, são divididas em seis modalidades: advertência, reparação do dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Dentre todas as medidas por ele estabelecidas, o senso comum suplica, cotidianamente, pela ampliação da medida de internação. Contudo, a internação se comparada ao regime de privação de liberdade – aplicada aos maiores de 18 anos – é, via de regra, ainda pior, seja por completa omissão do Estado na garantia de estrutura física e de pessoal ou pela invisibilidade que as medidas socioeducativas têm no contexto social”, afirma Daniela.
Outro argumento que reforça a redução vem dos países que adotaram idades inferiores a 18 anos para a maioridade penal. Com base em dados reais e orientações internacionais, é possível refutá-lo sob, pelo menos, três aspectos.
Em primeiro lugar, em boa parte desses países há diferenciação entre responsabilidade penal juvenil e adulta. Portanto, embora responsabilizado, o adolescente recebe pena calcada em um sistema distinto. De acordo com o relatório da Unicef, Porque dizer não à redução da idade penal, produzido em 2007, de 53 países, 42 adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. “Enquanto a comunidade internacional discute a ampliação da idade para início da responsabilidade de menores de 18 anos, o Brasil anacronicamente ainda se detém em discutir a redução da maioridade penal – tema já superado do ponto de vista dogmático e de política criminal internacional”, diz o documento.
Como segundo elemento, o que precisa ser questionado é o sistema penitenciário brasileiro, sua capacidade de absorção e recondução do indivíduo à vida em sociedade e como pode ser prejudicial para os jovens cumprir pena nesse sistema reconhecidamente excludente.
Por último, é necessário compreender que um modelo não pode ser copiado de outro país sem considerarmos as peculiaridades locais, como a histórica concentração de renda brasileira que perpetua níveis exorbitantes de diferenças sociais.
Violência e juventude
Embora a discussão seja em torno da “delinquência” juvenil, essa parcela da sociedade é uma das maiores vítimas da violência. No Brasil, de acordo com dados extraídos do Mapa da Violência 2011, produzido pelo Instituto Sangari e o Ministério da Justiça, a taxa de mortalidade de jovens entre 15 e 24 anos, por homicídio, chegou a 39%.
Para Maria Teresa Mandelli, psicóloga, “adolescentes e crianças estão em desenvolvimento, suas formas de relacionarem-se com o mundo e com os semelhantes está em constante crescimento e assimilação. Reduzir a maioridade penal é uma alternativa punitiva e não preventiva, retirando a possibilidade de uma reinserção desse indivíduo de forma mais integrada”.
Um levantamento realizado pelo Instituto Latino-americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente (ILANUD), na cidade de São Paulo, com adolescentes acusados de atos infracionais, demonstra que os crimes cometidos são, em sua maioria, contra o patrimônio. Casos de homicídio não chegaram a representar 2% dos atos, equivalendo apenas a 1,4% dos casos. Essa é uma tendência observada nacionalmente, demonstrando que a maioria das infrações cometidas por adolescentes equivalem a delitos da criminalidade de rua e não àqueles que atentam contra a vida das pessoas.
Os dados da cidade de São Paulo refletem uma tendência nacional, segundo dados da Unicef
Em contrapartida, é essa mesma juventude que não recebe do Estado tratamento digno no correspondente ao acesso às políticas públicas nas áreas da saúde, educação, cultura e acesso ao trabalho. Uma lacuna histórica, relativa a mais de 500 anos de exploração de crianças e jovens.
O reflexo dos problemas sociais brasileiros que atingem a infância e a adolescência são causas essenciais do aumento da violência cometida por jovens, infinitamente menor do que a violência em que essa parcela da sociedade é vulnerável. Ao reduzir a maioridade para os 16 anos, agimos na consequência do problema, sem considerar as causas que amplificam as situações de violência vivenciadas e praticadas pela juventude.
Ilustração: Frank Maia
Versão original publicada na Revista Previsão, edição junho/2013.