Rediscutindo as insustentabilidades no turismo de Porto Seguro

Foto: Elissandro Santana

Por Elissandro Santana, para Desacato.info.

A tríade turismo, sustentabilidade e meio ambiente ocorre a partir de tensões que são frutos de contradições e de convergências.

Essas antinomias e tensões aparecem em Porto Seguro, que possui no turismo a principal atividade para a geração de riqueza e ancora-se na dinâmica do desenvolvimento econômico sem grandes responsabilidades socioambientais.

A cidade alicerça-se em perspectivas exploratórias com a natureza, o que é paradoxal, haja vista que em vez de conservar e preservar os recursos naturais dos quais se serve, apropria-se, de forma inadequada, dos ambientes naturais e culturais.

Essas apropriações propiciam insustentabilidades que vão desde a transfiguração dos espaços de lazer, dos espaços de cultura e história, concentração de riquezas, especulação imobiliária, segregações espaciais, degradação de matas ciliares ao longo de rios e riachos, depósito de resíduos sólidos em praias, despejo de esgotos no mar, destruição de expressões culturais e históricas, exploração da mão de obra, distanciamentos sociais e violência.

Para a compreensão da complexidade das atividades turísticas na cidade, faz-se necessário entender as consequências das ações antrópicas em ambientes diversos, levando-se em consideração que elas ocorrem em áreas marinhas, lacustres e ecossistemas em geral.

Há pontos estratégicos para o turismo na cidade. Começando pelo centro, há a Passarela do Álcool, onde, diariamente, são armadas barracas para vendas de alimentos, bebidas e artesanatos locais, com a circulação de milhares de pessoas. Esse ponto turístico também é o local para a realização das festas mais importantes da cidade, com bandas e circulação de trios elétricos. O problema é que essa parte está localizada às margens do Rio Buranhém, que desagua no mar, e, após as festividades, são visíveis os impactos ambientais com a presença de resíduos sólidos como garrafas plásticas, de vidro e de metal no leito do rio.

Na Orla Norte há grandes empreendimentos como barracas e hotéis com festas na praia, em que é possível verificar o acúmulo de resíduos sólidos e líquidos. Além desses problemas, vários rios e riachos desse perímetro estão contaminados com o despejo de esgotos e outros resíduos. Para piorar a situação, novos empreendimentos e condomínios são construídos nessa parte da orla a cada ano.

Do centro de Porto Seguro para o Arraial d’Ajuda (outro ponto muito importante para o turismo) há a travessia de balsa pelo Rio Buranhém, o que demanda cuidado e política sólida de fiscalização ambiental, pois há o risco de contaminação da água com o vazamento de óleo. Do outro lado, há engarrafamentos na Estrada do Arraial até o Centro do Distrito e isso provoca, além dos ruídos que perturbam aves e outros animais da fauna local, poluição com o lançamento de CO2. Saindo do Arraial, há o turismo ainda mais luxuoso no Distrito de Trancoso e, nesse espaço, a natureza passa por um acelerado processo de desgaste, em que grandes hotéis são construídos e o distrito, por conta do sucesso econômico advindo do turismo, atrai um contingente de pessoas de outras partes do município e de outras cidades da região, ocasionando o crescimento urbano e populacional desordenado com o surgimento de bairros sem condições sanitário-ambientais.

Frente às condições socioeconômicas frágeis, os atores sociais envolvidos com o turismo desenvolveram práticas exploratórias do capital natural e essa concepção também aparece no discurso do turista que concebe a região como pacote-objeto a ser consumido. A partir do consumo/exploração, o que deveria ser espaço de troca cultural, histórica e convivência com a natureza, converte-se em relações depredatórias que vão desde a poluição de praias e rios com resíduos sólidos, à depredação de recifes em decorrência da presença não controlada de pessoas nessas áreas de ampla biodiversidade marinha, à irresponsabilidade de gestores públicos em relação a políticas de educação ambiental, além da ausência da aplicação de legislação ambiental, planejamento e zoneamento ambiental para a cidade.

A partir do quadro apresentado, percebe-se que o turismo em Porto Seguro está alicerçado em moldes hegemônicos de desenvolvimento em dissociação com o meio ambiente, através de modelos de produzir sob o efeito da arquitetura aristotélica bipolar não complexa que maturou o cartesianismo de causa e efeito da modernidade. Ou seja, o turismo na cidade já deveria ser praticado a partir de visões plurais, baseado no respeito à própria natureza e ao homem que dela se serve, mas, infelizmente, está preso às bases do desenvolvimento positivista, satisfazendo desejos e necessidades capitais sem compromisso com o socioambiental.

Levando-se em consideração a configuração e dinâmica atual do setor turístico da cidade, é necessário repensar práticas em torno da perspectiva tradicional que concebe o meio ambiente como capital natural gerador único de divisas econômicas, pois, sob esse ângulo, há o risco de esvaziamento do humano em relação ao meio ambiente e surgimento do homo ignoramus no que concerne à noção de pertença e integralização com a natureza. Nessa linha, pode-se mencionar que diante do desligamento do homem com o meio ambiente, surgem incongruências do pensar-agir e práticas antropogênicas que geram insustentabilidades em âmbitos diversos.

No Turismo, tais incongruências geram tensões e antinomias, pois, ao passo que é uma atividade que possibilita a aceleração econômica, gera descompassos e provoca déficits ambientais em larga escala, ou seja, feito de forma predatória, atinge dimensões somente econômicas e não alcança o desenvolvimento em seu conceito lato sensu.

As contradições nas atividades turísticas geram insustentabilidades e comprometem o desenvolvimento. Assim, faz-se imprescindível questionar o modus operandi de fazer turismo e gerar renda na cidade. No entanto, para que a mudança aconteça, é possível fazer uma ponte com o que afirma Edgard Morin: “Não haverá transformação sem reforma do pensamento, ou seja, revolução nas estruturas do próprio pensamento. O pensamento deve tomar-se complexo.”.

Observação: este é um recorte de artigo publicado na Revista Letrando.

 

 

Elissandro Santana é professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes e do Evolução Centro Educacional, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.

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