Por Aglaé Isadora Tumelero , para Desacato.info.
As redes sociais prometem ser o principal campo de batalhas das eleições de 2018 no Brasil. A princípio, não se trata de grande surpresa, pois tanto nas eleições municipais de 2012 como nas eleições de 2014 (já com maior intensidade) as redes sociais fizeram parte da arena de disputa eleitoral.
A grande novidade da relação entre eleições e redes sociais este ano é que os candidatos poderão ser protagonistas nas redes. Se nas eleições anteriores era permitido possuir um perfil nas redes e/ou um site/blog próprio, agora, com a nova legislação eleitoral aprovada em outubro de 2017 (Lei nº13.488/2017 ), os candidatos poderão impulsionar conteúdo, isto é, pagar anúncios para obter maior visibilidade e alcance nas redes.
Até agora houve pouca reflexão sobre as implicações da adoção deste tipo de estratégia para o clima político que antecede as eleições. A seguir arrisco uma hipótese.
O que muda no uso das redes sociais com a nova legislação eleitoral?
Com a nova legislação eleitoral, os candidatos poderão veicular propaganda eleitoral, além do rádio e TV, também na internet. Isso significa que os candidatos poderão não apenas ter blogs/sites/fanpage próprios e utilizar aplicativos de mensagens instantâneas, como também poderão impulsionar publicações em plataformas como Facebook, Instagram, YouTube e Twitter.
A impulsão de conteúdo, isto é, o pagamento para que publicações em redes sociais alcancem um maior número de usuários, poderá ser adotado a partir de 16 de agosto de 2018 e será permitido apenas para candidatos, partidos e coligações. Ou seja, cidadãos comuns, perfis fakes, páginas ligadas a empresas e entidades da administração pública não poderão impulsionar conteúdo eleitoral nas redes sociais.
Como funciona o impulsionamento de conteúdo nas redes sociais?
A impulsão de conteúdo funciona da seguinte forma: imagine que você é candidato(a) a deputado(a) federal pelo partido X no Estado de Minas Gerais e que essa é a sua primeira vez disputando as eleições para o Congresso Nacional. Para obter maior visibilidade entre os seus potenciais eleitores, você contrata, por exemplo, o serviço de impulsionamento de conteúdo do Facebook (segunda principal rede social utilizada no Brasil, com cerca de 102 milhões de usuários). Adotando este serviço, as suas propostas de campanha chegarão ao Feed de Notícias de um grande número de eleitores(as). Contudo, elas não chegarão aos 15.248.681 eleitores(as) do Estado de Minas Gerais. E por que não chegarão a todos os eleitores(as) de Minas Gerais?
Em primeiro lugar, não chegarão porque nem todos os eleitores(as) de Minas Gerais possuem conta no Facebook. Mas mesmo que todos os eleitores(as) mineiros(as) possuíssem conta no Facebook, o impulsionamento da sua propaganda eleitoral não alcançaria a todos. E por que? Por causa do algoritmo das redes sociais.
As plataformas de redes sociais como o Facebook, Instagram, Twitter, adotam um algoritmo, isto é, um recurso para determinar o que aparecerá primeiro no Feed de Notícias de cada usuário.
Para determinar o que aparecerá primeiro no Feed de Notícias de cada usuário (e, portanto, o conteúdo que tem maior probabilidade de ser visto pelo usuário), o algoritmo do Facebook baseia-se em 5 regras de categorização:
1. Família e amigos: a primeira regra de categorização do Facebook é manter o contato dos usuários com pessoas que compartilhem os seus interesses. Dessa forma, publicações de familiares e amigos (nessa sequência) sempre terão espaço antes das postagens de páginas e empresas curtidas.
2. Informação: publicações informativas vem antes. Tal recurso é associado aos dados de interação, o que ajudao Facebook a entender qual tipo de notícia o usuário tem mais interesse.
3. Entretenimento: para organizar o que aparecerá no Feed de Notícias de cada usuário, a plataforma considera publicações voltadas para o entretenimento, sejam elas fotos de artistas ou vídeos que seus amigos já curtiram.
4. Uniformidade de ideais: a quarta regra de categorização do Facebook é organizar o Feed de Notícias conectando usuários que compartilhem pontos de vista semelhantes, principalmente relacionados a opiniões políticas ou religiosas. Ou seja, aplataforma observa as tendências de interação do usuário (e de seus contatos) e prioriza publicações que expressem aquilo que o usuário pensa/acredita.
5. Autenticidade: a última regra de categorização do facebook é priorizar conteúdos autênticos. Conteúdos considerados Spam, Fake News, boatos ou notícias sensacionalistas tendem a não aparecer no Feed de Notícias dos usuários.
A partir destas 5 regras de categorização, o algoritmo do Facebook não só determina o que aparecerá primeiro no Feed de Notícias de cada usuário, como também segmenta os usuários da plataforma de acordo com idade, região, interessese destina a cada segmento de usuários conteúdos distintos. Assim, a propaganda eleitoral de um candidato a deputado federal pelo Estado de Minas Gerais aparecerá no Feed de Notícias de eleitores que forem escolhidos pela plataforma como público-alvo do candidato. Usuários que não forem considerados público-alvo do candidato não receberão propaganda eleitoral deste candidato e, portanto, não tomarão conhecimento das suas propostas.
É claro que cada uma das redes sociais mencionadas anteriormente (Twitter, Instagram, YouTube) operam de maneira distinta, mas o ponto em comum entre elas e o Facebook é que elas também criam um Feed de Notícias, segmentam os usuários e destinam conteúdo específico para cada segmento.
Do ponto de vista do usuário, a bolha que o algoritmo do Facebook cria pode ser interessante e útil, pois seleciona automaticamente conteúdos do seu próprio interesse. Se o usuário gosta de manter-se informado sobre cinema e moda, o algoritmo do Facebook direcionará este tipo de conteúdo para o seu Feed de Notícias e evitará, por exemplo, notícias sobre esportes.
Mas quando a lógica do algoritmo do Facebook, que opera selecionando o que pode ou não ser visto pelo usuário,passa a ser utilizada em um dos momentos cruciais da democracia de um país, isto é, no período eleitoral (momento em que são apresentados e discutidos projetose rumos para o país),não há como furtar-se do debate sobre as suas implicações para os contornos que o clima político assumirá no período eleitoral.
Eleições 2018 e a bolha do algoritmo
Embora não saibamos ainda quem serão os personagens da disputa eleitoral deste ano no Brasil, não nos resta dúvida de que a internet será o palco da disputa. E, com o impulsionamento de conteúdo permitido, as redes sociais (em especial o Facebook) serão o palco central.
Diversas opiniões e preocupações sobre a utilização do impulsionamento de conteúdo nas redes sociais têm sido emitidas. Para alguns cientistas políticos, o impulsionamento de conteúdo promete inaugurar uma nova forma de fazer campanha e beneficiar candidatos que possuem menos tempo de exposição no horário eleitoral gratuito veiculado no rádio e televisão.Para outros, pode acirrar a desigualdade entre candidatos , pois aqueles que possuem mais dinheiro poderão investir mais em anúncios pagos e, por consequência, obterão maior visibilidade e alcance nas redes. Para outros, pode diminuir o uso de perfis falsos e robôs utilizados amplificar informações falsas (Fake News) na rede.
Ainda que as consequências da adoção do impulsionamento de conteúdo seja uma incógnita e todas as preocupações expressas até agora sejam pertinentes, pouco tem sido comentado sobre as suas implicações para os contornos que o clima político assumirá no próprio período eleitoral. Minha hipótese é que as redes sociais contribuirão para aumentar ainda mais a polarização política que marca a sociedade brasileira desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Faz parte da natureza da democracia a pluralidade de opiniões e o confronto entre opiniões divergentes. A TV e o rádio, principais canais de comunicação utilizados nas eleições brasileiras até agora, possibilitam o alcance universal e não segmentado da propaganda eleitoral. Possibilitam que os eleitores(as) conheçam propostas diferentes e as confrontem.
As redes sociais, devido a forma como operam seus algoritmos, segmentarão os eleitores(a) e destinarão a cada segmento a propaganda eleitoral que mais se assemelha ao seu perfil. Um eleitor, portanto, cujo perfil assemelha-se mais as propostas dos candidatos de determinado partido, não receberá as propostas de candidatos de outros partidos.É como se os eleitores(as) fossem consumidores(as) e os candidatos(as) produtos à venda. Para determinado segmento de eleitores(as) serão destinadas propagandas de determinados candidatos(as).
Minha aposta é que o algoritmo das redes sociais, em especial do Facebook, envolverá o usuário numa bolha ideológica – os usuários somente receberão propagandas de candidatos que compartilham as mesmas opiniões, os mesmos valores. A propaganda eleitoral nas redes sociais não incentivará o confronto de ideias e propostas pelos eleitores(as), criará um clima (mais intenso do que o já existente) desfavorável ao diálogo e altamente polarizado (sobretudo, se houver segundo turno nas eleições).
É claro que se trata de uma hipótese. E, parece-me, urgente e necessário que alguém se desafie a explorá-la através de pesquisa rigorosa, pois essa não tem sido a preocupação e nem o interesse do Tribunal Superior Eleitoral e do seu Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições. Estes, altamente preocupados com as Fake News, parecem ignorar a forma como o funcionamento da impulsão de conteúdo nas redes sociais podem influenciar o clima político e o próprio resultado eleitoral.