Por Luciana Console.
A água que abastece 1 em cada 4 cidades brasileiras está contaminada por um “coquetel tóxico” de 27 pesticidas, de acordo com estudo divulgado nesta segunda-feira (15). As substâncias foram identificadas pelas próprias empresas de abastecimento – que precisam, por lei, a fazer o teste desses produtos – entre 2014 e 2017.
Os dados são do Ministério da Saúde e fazem parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), que reúne esses testes realizados pelas empresas de abastecimento. Já investigação e sistematização das informações foram realizadas pela ONG Repórter Brasil e pela Agência Pública em parceria com a Public Eye, organização suíça em prol dos direitos humanos. O resultado pode ser visto pelo site Por Trás do Alimento.
Dos 27 tipos de pesticidas buscados pelas empresas, 16 são classificados como altamente tóxicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e 11 associados a doenças como câncer, disfunções hormonais, doenças crônicas e malformação fetal.
A situação, ao que tudo indica, é ainda mais grave, já que o número de agrotóxicos liberados no Brasil passa de 300. Para Eliane Gandolfi, farmacêutica bioquímica e doutora em Saúde Coletiva, a situação só piora a já frágil saúde da população no Brasil.
“O mais preocupante é que nossa população está se expondo então pela água e pelo alimento. Essas coisas também vão se somando, então nossa população é muito estressada, quimicamente falando”.
Os dados também mostram que o índice de contaminação aumentou gradualmente desde que o estudo foi iniciado em 2014, quando 75% dos testes no país detectaram as substâncias químicas. No encerramento do estudo em 2017, as taxas chegaram a 92%.
Além disso, nem todos os estados brasileiros realizaram testes nas redes de abastecimento, o que indica que o número de municípios contaminados deve ser ainda maior. Só São Paulo, por exemplo, reúne mais de 500 cidades com todos os 27 pesticidas identificados na água. O número faz do estado o recordista nacional de contaminação da água por agrotóxicos.
Dos 27 pesticidas testados e detectados em diversas cidades do Brasil, 21 são proibidos pela União Europeia. A quantidade permitida de cada químico liberado para uso também se altera de acordo com as leis de cada país.
Ao utilizar a regra europeia em testes na água brasileira, o resultado foi que os agrotóxicos mais perigosos ultrapassaram os limites europeus. Entre eles está o glifosato, agrotóxico mais vendido no Brasil e classificado como provável cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC). O limite máximo permitido na água do Brasil é de 500?g por litro, já na União Europeia é de 0.1?g/L.
Coquetel de veneno
Outro ponto considerado grave é a combinação dos agrotóxicos, chamada de “coquetel”, como alerta Telma Nery, médica sanitarista e Membro do Comitê Executivo do Capítulo Latino Americano e Caribe da International Society for Environmental Epidemiology (ISEE):
“Todas as substâncias químicas, de certa maneira, a imensa maioria é estudada individualmente do ponto de vista toxicológico, o que aquilo pode estar provocando no ser humano. Mas quando existe uma associação de 2,3,4, muitas vezes a gente não conhece o que resulta daquelas substâncias, qual é a ação delas conjuntamente no corpo humano”.
Para a farmacêutica Eliane Gandolfi, a discussão sobre a utilização em grande escala dos agrotóxicos no Brasil vai além de uma questão de saúde. Há um jogo político de interesses econômicos que dificulta uma legislação mais dura para o uso dos pesticidas.
“A nossa sociedade precisaria estar mais protegida, do ponto de vista da saúde pública, só que nós temos que ter uma força política de enfrentamento destes interesses. Que não é o que está acontecendo neste momento, inclusive no Brasil”.
Todas as capitais do sul do Brasil estão com água contaminada. Os estados do Paraná e Santa Catarina seguem São Paulo na lista de estados com maior número de cidades contaminadas pelos 27 agrotóxicos analisados. No centro-oeste, todos os estados têm cidades em que o coquetel foi detectado, com Mato Grosso do Sul em primeiro lugar.
De acordo com o mapa, na região norte, o estado do Tocantins aparece com o maior número de cidades contaminadas com o coquetel. Os 27 tipos de agrotóxicos foram detectados nas redes de abastecimento de 121 municípios. Já no nordeste, Alagoas, Bahia, Ceará e Sergipe aparecem entre os que possuem água contaminada.
Edição: Aline Carrijo