Recusa de Bolsonaro em garantir internet a alunos de escola pública é ‘ilegal’ e ‘inconstitucional’

Atitude é “repugnante”, nas palavras da advogada Flávia Lefèvre, e viola garantias constitucionais e os princípios do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust)

“Temos levantamentos e notícias claras mostrando o que esse não-acesso à internet, ou esse acesso restrito, desigual, um fosso digital entre os consumidores de alta e baixa renda, tem significado. Ele tem causado uma evasão escolar enorme”, lamenta Flávia Lefèvre Foto: MCTIC/Divulgação

Para a advogada do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Flávia Levèfre, o presidente Jair Bolsonaro desrespeita duplamente a legislação brasileira ao investir contra a obrigação de oferecer conexão à internet aos alunos e professores da educação básica pública. Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual desta quinta-feira (8), a especialista classificou a resistência do governo federal como “extremamente ilegal e inconstitucional”.

Por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), Bolsonaro recorre no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lei 14.172 de 2021, que prevê o repasse de R$ 3,5 bilhões da União para financiar o acesso à internet e a equipamentos a estudantes de baixa renda para fins educacionais. Ele já havia vetado a proposta em março deste ano, mas, três meses depois, o Congresso Nacional conseguiu derrubar o veto. Na mais nova investida contrária à legislação, a AGU alega que a proposta é “ineficiente”, sem apresentar explicações à crítica. O órgão também aponta que a proposta “ameaça o equilíbrio fiscal da União”.

Recursos do Fust contingenciados

De autoria da Câmara dos Deputados, o texto da lei determina que os recursos venham do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust). Criado há 20 anos, o Fust é composto principalmente do montante oriundo de 1% da receita bruta de todas as empresas do setor que são obrigadas a destinar o percentual para a expansão dos serviços digitais no Brasil. Até 2020, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) calculava mais de R$ 22,6 bilhões arrecadados. Grande parte desse valor, no entanto, está contingenciada.

Relatório de fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) denunciou que, dos R$ 16,5 bilhões arrecadados pelo Fust entre 2001 e 2015, apenas 1,2% havia sido investido para atenuar o abismo digital que isola uma parcela da população brasileira. Um “desrespeito aos princípios da universalização e das garantias que temos na Constituição Federal”, nas palavras da advogada. Situação que se agrava, conforme aponta, neste contexto da pandemia que tornou a internet um meio essencial para permitir o ensino remoto.

De acordo com Flávia, a postura de Bolsonaro chega a ser “repugnante”. “Temos levantamentos e notícias claras mostrando o que esse não-acesso à internet, ou esse acesso restrito, desigual, um fosso digital entre os consumidores de alta e baixa renda, tem significado. Ele tem causado uma evasão escolar enorme, que na rede pública tem chegado a mais de 40%, e isso impacta o futuro do país porque, à medida que tem uma parcela enorme da sociedade que não se educa, não vai para a escola, não consegue acessar os conteúdos educacionais, isso tem um efeito para o futuro muito negativo. Não é à toa que o Marco Civil da Internet estabelece que o serviço de internet é essencial para o exercício da cidadania”, explica.

Insubordinação às leis

A especialista também aponta que a resistência de Bolsonaro “desrespeita o parlamento brasileiro”, que endossou a legislação garantindo o acesso à internet, aprovando-a e derrubando o veto presidencial. “Isso mostra uma insubordinação do governo federal às garantias constitucionais e legislativas que nós temos no Brasil”, critica a advogada do Intervozes.

“A maioria dos acessos à internet, como mostram pesquisas do Comitê Gestor da Internet, são de dispositivos móveis e por planos pré-pagos. Cerca de 86% das classes D e E acessam a internet exclusivamente por dispositivos móveis e na classe C esse percentual é de 61%”, explica. “Toda essa população tem acesso extremamente restrito. E a pandemia veio revelar e demonstrar isso de uma forma muito clara. É uma perversidade não usar esses recursos com a finalidade na qual ele foi instituído e é recolhido por todos os brasileiros”, completa.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a matéria terá relatoria do ministro Dias Toffoli.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here


This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.