A APDHA destaca que morreram 400 pessoas a mais em 2021 do que no ano anterior, apesar do número de chegadas ter permanecido o mesmo.
Os acordos com o Marrocos desviaram os fluxos para as Ilhas Canárias, a rota mais mortífera da fronteira sul espanhola.
É a primeira vez que o número de 2.000 mortos é ultrapassado na Fronteira Sul: um novo recorde histórico e “cruel” que emerge da Situação Migratória Fronteira Sul 2021. O documento foi apresentado em fevereiro de 2022 pela Associação Pró-Direitos Humanos da Andaluzia (APDHA) e menciona que pelo menos 2.126 pessoas morreram na rota migratória para a Espanha, ou seja, 24% a mais que no ano anterior.
Desse número, o maior desde 1988 – ano em que começaram os registros –, um total de 1.457 corpos foram resgatados, mas 669 pessoas permanecem desaparecidas. Esses dados foram verificados no monitoramento anual realizado pela organização, no entanto, a entidade afirma ter “certeza de que o número de desaparecidos é muito maior. Arriscamos estimar que 4.000 pessoas foram vítimas da migração irregular na Fronteira Sul no ano de 2021, um número assustador?.
O aumento da mortalidade é evidente, garante a organização, se levarmos em conta que, comparado ao ano anterior e apesar de se manterem os números de chegadas, morreram pelo menos 400 pessoas a mais, “o que nos dá uma ideia da magnitude da tragédia e do aumento dos riscos de migrar para a Espanha”.
Por isso, a APDHA considera de vital importância a existência de um protocolo de identificação das vítimas fronteiriças, que “alivie o sofrimento das famílias e o labirinto burocrático a que estão submetidas, pois sem a confirmação oficial de morte ou de desaparecimento de um parente, os familiares sofrem consequências óbvias em seus países que dificultam a proteção de cônjuges ou de menores de idade”.
A Espanha deve cumprir os compromissos internacionais que assinou, alerta a APDHA. Entre eles, o Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular, adotado em dezembro de 2018 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que estabelece que os Estados devem “salvar vidas e empreender iniciativas internacionais coordenadas em relação aos migrantes desaparecidos”, o que inclui “fazer todo o possível (…) para recuperar, identificar e repatriar os restos mortais de migrantes falecidos para os seus países de origem, respeitando a vontade das suas famílias”.
A associação destaca ainda que o maior número de vítimas ocorre “na rota das Canárias, onde 1.332 pessoas perderam a vida. É nessa rota em que aconteceram as maiores tragédias, pois durante a travessia vários meninos e meninas perderam a vida, e até mulheres deram à luz nos barcos”. Mas também é necessário destacar a situação na costa argelina, onde 492 pessoas perderam a vida, em um fluxo incessante de mortos.
De acordo com a pesquisa divulgada pela associação, mais da metade das chegadas este ano ocorreram na rota das Canárias, seguindo a tendência que começou em 2019. Do total do número de chegadas por via marítima, das 42.988 entradas na Fronteira Sul em 2.238 embarcações, quase 58%, ou seja, 24.898, foram pelas Ilhas Canárias em 547 embarcações.
“No entanto, embora essa realidade se prolongue há dois anos, não foram estabelecidos os mecanismos adequados para respeitar os direitos humanos das pessoas que chegam à costa das Ilhas Canárias”, disse a APDHA. Especificamente, criticaram que o Tribunal Provincial de Las Palmas tenha julgado de improcedente o caso das detenções que ultrapassaram o tempo máximo de detenção legal permitido de 72 horas. O tribunal decidiu que, devido à situação de emergência – pela covid-19 e pela chegada de milhares de imigrantes – que havia na cidade de Arguineguín, na Gran Canaria, não foi cometido um delito de detenção ilegal. Para a APDHA, “é difícil falar de emergência quando se trata de uma realidade que vem se arrastando há pelo menos dois anos, e que revela a falta de vontade do Governo em estabelecer um verdadeiro sistema de acolhimento”. A organização insiste mais uma vez que isso se deve a uma “estratégia de homogeneização e desumanização das pessoas que migram pela Fronteira Sul, cujo resultado é, além da punição exemplar imposta aos migrantes, o aumento dos discursos de ódio e de manifestações racistas e xenófobas”.
Em relação à Andaluzia, confirmam que “as chegadas às costas aumentaram, passando de 10.206, em 2020, para 12.456 em 2021”. E isso ocorre apesar de, como vem denunciando a APDHA, “os acordos assinados com Marrocos, com a intensificação dos controles no norte do país, terem provocado pelo segundo ano o desvio dos fluxos migratórios para as Ilhas Canárias, para percursos mais difíceis, inseguros e que geram um maior número de mortes”.
E, de forma direta, a APDHA destacou o aumento no número de chegadas de imigrantes argelinos nos últimos anos. Mais de 65% das pessoas que chegam à península e às Ilhas Baleares são argelinas. Por outro lado, nas chegadas a todo o litoral da Fronteira Sul, o grupo maioritário continua a ser subsaariano (45,4%).
A associação considera que “a tragédia humanitária criada nas fronteiras espanholas em relação às pessoas que migram não pode ser medida em números, pois as violações dos direitos humanos vão além da análise quantitativa. Não se pode deixar de apontar – enfatiza – que a responsabilidade recai sobre as cruéis e desumanas políticas de imigração que, além de ineficazes para o objetivo que pretendem atingir, também causam enorme sofrimento e muitas mortes”.
Finalmente, os representantes da APDHA também destacam as crescentes dificuldades que encontram para confrontar os dados com as fontes oficiais “devido à falta de transparência que o Governo de Pedro Sánchez decidiu decretar sobre essa questão”. Os representantes entendem que o objetivo do governo é “tornar essa realidade invisível para não ter que assumir as consequências trágicas que sua gestão das políticas migratórias e fronteiriças acaba causando”.