Por Alexandre Cruz.
A vitória de Rebeca Andrade nas Olimpíadas de Paris não é apenas um marco esportivo; é uma expressão da resiliência e da força que ecoa através de gerações, lembrando-nos das lutas passadas e da capacidade humana de transcender a opressão. Ao conquistar o ouro e superar figuras icônicas como Simone Biles, Rebeca não apenas atingiu o auge da ginástica artística, mas também simbolizou a continuidade de uma luta histórica pela dignidade e reconhecimento.
Assim como os escravos africanos no sistema de plantaçoes desenvolveram formas de resistência e autoexpressão, mesmo sob condições desumanas, Rebeca Andrade representa a superação das adversidades estruturais que muitos atletas negros enfrentam, inclusive no contexto do racismo brasileiro. A história dos escravos que, apesar da opressão extrema, encontraram maneiras de afirmar sua humanidade através da música, dança e outras formas de expressão, encontra um paralelo na jornada de Rebeca. Ela, assim como os seus antepassados, transformou desafios em triunfo, utilizando seu corpo como um meio de resistência e empoderamento.
O racismo no Brasil, muitas vezes velado, mas profundamente enraizado, cria obstáculos adicionais para atletas negros, que enfrentam não apenas a competição esportiva, mas também a discriminação e a falta de oportunidades iguais. A vitória de Rebeca Andrade, portanto, não é apenas uma conquista individual; é um símbolo de resistência contra essas barreiras estruturais. Sua ascensão ao pódio reflete a capacidade de desafiar e superar as limitações impostas por uma sociedade que ainda carrega as marcas da segregação e do preconceito racial.
A reverência das ginastas estadunidenses a Rebeca no pódio é um momento que encapsula essa herança de resistência e resiliência. Da mesma forma que os cânticos religiosos criados pelos escravos afroamericanos expressavam sua dor, esperança e desejo de liberdade, a performance de Rebeca na ginástica artística é uma forma de arte que carrega em si a luta e a vitória sobre as circunstâncias adversas.
Esse momento histórico me remete às minhas próprias memórias de competições esportivas durante os tempos de colégio. Estudando no Colégio Americano em Porto Alegre, lembro do clima eletrizante das Olimpíadas escolares, onde a rivalidade saudável entre o IPA e o Americano, especialmente no vôlei, trazia uma energia contagiante. Assim como nas Olimpíadas de Paris, essas competições escolares eram mais do que simples disputas; eram celebrações de talento, dedicação e, acima de tudo, espírito esportivo. A mesma energia que vivenciávamos nas quadras escolares, com jovens se esforçando ao máximo para honrar suas equipes e superar seus limites, pode ser vista no brilho dos olhos de Rebeca Andrade ao receber sua medalha de ouro.
Essa conquista não pode ser vista isoladamente; ela está inserida em um contexto histórico onde práticas políticas e sociais opressivas moldaram condições que ainda hoje desafiam atletas negros. No entanto, Rebeca, ao subir ao pódio, não apenas desafia essas condições, mas as transcende, oferecendo uma nova narrativa de poder, expressão e resistência.
Rebeca Andrade, ao conquistar o ouro olímpico, não apenas fez história para o Brasil, mas também reafirmou a força inquebrável que é transmitida através das gerações. Sua vitória é uma celebração da resistência, da capacidade humana de encontrar significado e expressão mesmo em face da adversidade, e do poder transformador do esporte como um meio de luta e autoafirmação.
Alexandre Cruz é jornalista político.
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