Era dia 19 de julho de 2014 quando Rubem Alves deixou esse mundo. Mas porque começar falando da morte de alguém que foi tão cheio de vida? Por que Rubem, o homem que gostava tanto dos ipês amarelos, não morreu, encantou-se. Através da escrita deixou sementes, como ele mesmo gostava de definir em suas palestras e apresentações.
“O mundo é tão bonito! Gostaria de ficar por aqui. Escrever é meu jeito de ficar por aqui. Cada texto é uma semente. Depois que eu for elas ficarão. Quem sabe se transformarão em árvores! Torço para que sejam Ipês amarelos.”
Filósofo, teólogo, psicanalista, educador, escritor, poeta… São várias as facetas desse homem que apesar de tantos títulos deixou como grande herança a simplicidade de viver e capturar ‘instantinhos’ de felicidade.
De todos os papéis de Rubens Alves possíveis de serem retratados, escolhemos o de pai, sua versão mais íntima, mas que em muitos momentos se misturou com a carreira profissional. E ninguém melhor que Raquel Noper Alves, filha caçula dos três irmãos, para nos contar um pouco desse pai encantado:
“Ele era uma pessoa muito carinhosa e ao mesmo tempo paí, uma pessoa que colocava limite na questão de educação. O que eu acredito que foi um grande diferencial dele como pai é que ele sempre soube que a vida educa. Ele deixava, a despeito da dor que um pai sente de querer proteger um filho, ele deixava.”
Da relação com a caçula veio a inspiração de Rubem para escrever histórias infantis. Raquel teve o pai presente em situações marcantes da vida dela. Momentos de medo e insegurança, por exemplo, se transformaram em histórias curativas.
“Quando ele escreveu A Menina e o Pássaro Encantado, que é a história mais famosa dele, eu estava chorando, tinha aproximadamente seis, sete anos. Meu pai era convidado a dar aula nos Estados Unidos e ficava dois, três meses fora. Então, eu ficava com muita saudade, não tinha promessa de brinquedo, de boneca, nada que resolvesse o problema e aí essa história surgiu”, conta Raquel.
“Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo. Ele era um pássaro diferente de todos os demais, era encantado. Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades”
“E ele me ensinou a lidar com a saudade sendo eu a menina e ele o pássaro. Ele disse que toda vez que eu sentisse saudade ele ia ficar mais especial na figura do pássaro encantado. E toda vez que ele sentisse saudade de mim, eu ia ficar mais especial. Com isso, ele fez a saudade do intervalo que a gente ficava longe virar um momento de brincadeira”, relembra.
O mineiro, nascido em Dores da Boa Esperança completaria 85 anos em 2018, no dia 15 de setembro. Viveu a maior parte da vida em Campinas (SP) e tinha um jeito todo peculiar de enxergar e traduzir as experiências.
“A vida pra ele em si já era um exemplo fascinante. Então ele estava sempre com um caderno na mão, ou com um bloquinho que ele carregava no bolso e teve uma época que ele carregava um gravador. Aparecia uma ideia na cabeça ele anotava ou gravava. Daí quando ele sentava para escrever ele pegava aquela ideia e pronto, ele só destrinchava. Então não era uma coisa que ele reservava uma tarde para fazer isso ou dois dias por semana, era o tempo todo misturado com a vida”, relata Raquel.
A fama, os prêmios e títulos, como o de honoris causa pela Universidade Federal do Espirito Santo foram um acaso em meio a simplicidade com que levava a vida. Um jeito todo Rubem Alves de ser e nos conduzir pelo seu universo encantado.
“Eu quero desaprender para aprender de novo.
Raspar as tintas com que me pintaram.
Desencaixotar emoções, recuperar sentidos.”