Ramzy Baroud: O futuro de Israel é aterrador

   Israel assassinou mais de 500 crianças em 51 dias de ataques contra Gaza em 2014  Israel assassinou mais de 500 crianças em 51 dias de ataques contra Gaza em 2014

Israel assassinou mais de 500 crianças em 51 dias de ataques contra Gaza em 2014

Por Ramzy Baroud, no CounterPunch.

Há povos que surpreendentemente se tornam invencíveis nas circunstâncias mais difíceis.

É o caso do povo palestino.

A sociedade israelense está permanentemente a desviar-se para a direita, pelo que todo o paradigma político do país está em constante redefinição. Israel, agora “governado pelo Governo de direita mais extrema da sua história”, passou em poucos anos de uma apreciação informada a um clichê sem nexo.

De fato, ultrapassou essa fronteira exatamente em maio de 2015 quando o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, já ele da mais extrema da direita, com uma maioria de pessoas politicamente afins, fanáticos religiosos e ultranacionalistas. Ao trazer para o seu redil o ultranacionalista Avigdor Lieberman, Netanyahu repete a sua arqui-conhecida fórmula.

Desde 25 de maio que Lieberman se tornou ministro da Defesa de Israel. Tendo em conta a política ruidosa e violenta de Lieberman – como ficou demonstrado nos seus dois mandatos como ministro das Relações Exteriores (2009-2012 e depois 2013-2015) – agora como ministro da Defesa de Israel do “Governo de direita mais extrema da história” alberga todo o tipo de aterradoras perspectivas.

Enquanto muitos comentaristas sublinhavam corretamente as provocadoras e selvagens declarações anteriores de Liberman – por exemplo a sua declaração de 2015 em que ameaçava decapitar cidadãos palestinos de Israel com uma acha-de-armas se não forem totalmente leais a Israel, advogando a limpeza étnica dos cidadãos palestinos de Israel, o seu ultimato à morte do ex-primeiro ministro palestino, Ismael Haniya, e outras deste jaez – o seu predecessor, Moshe Ya’aron, salvou-se de muitas responsabilidades.

Pior ainda, o ex-ministro da Defesa Ya’aron foi por alguns considerado como um exemplo de profissionalismo e moral. Está “bem considerado”, escreveu William Booth no Washington Post, em comparação com o “controverso fanfarrão, Liberman. Mas, “bem considerado” por quem? Pela sociedade israelense , onde a maioria apoia o assassinato a sangue frio dos palestinos?

Israel agarrou-se à sua própria terminologia política durante muito tempo. O seu “socialismo” temporão era uma mescla da vida em comunidade, facilitada pelos ataques militares e sustentado pelo colonialismo. A sua atual definição de “esquerda”, “direita” e “centro” são relativas, são usados unicamente por Israel.

Graças a Lieberman – o antigo imigrante russo, gorila de clubes noturnos que agrega constantemente à volta da sua agenda política, cada vez mais violenta, os cerca de um milhão de judeus israelenses – Ya’aron é agora um exemplo de sensatez e moral.

É tanto assim que a citação que se reproduziu em numerosas ocasiões nos meios de comunicação é a de Ya’aron a indicar a razão da sua renúncia. É o ter perdido a confiança “na tomada de decisões de Netanyahu e em tudo o que respeita à moral”.

Moralidade? Examinemos a evidência.

Ya’aron participou, desde 1973, em todas as guerras importantes de Israel e o seu nome, mais tarde, ficou associado à mais atroz das guerras massacres israelenses, primeiro no Líbano e mais tarde em Gaza.

A sua moralidade nunca o dissuadiu de ordenar alguns dos crimes de guerra mais atrozes cometidos contra populações civis, nem em Canaã, no Líbano (1966), nem em Shujaya, em Gaza (2014).

Ya’aron recusou-se a cooperar todas as investigações internacionais levadas a cabo pela ONU ou qualquer outro grupo, para apuramento da sua conduta violenta. Em 2005 foi acusado num tribunal dos Estados Unidos pelos sobreviventes da matança de Qana, em que centenas de civis e forças de paz da ONU foram assassinados e feridos pelos ataques militares israelenses no Líbano. Nesse caso, nem a moralidade dos Estados Unidos nem a de Israel prevaleceu, mas a justiça ainda se não pronunciou.

Ya’aron, que recebeu treino militar no princípio da sua carreira na British Army’s Camberley Staff College, continuou a ser promovido no exército até 2002, quando foi nomeado chefe do Estado-Maior do exército israelense. Ocupou esse posto durante quase três anos, ao longo dos quais ordenou o assassinato de centenas de palestinos e supervisionou várias matanças levadas a cabo pelo exército israelense durante a Segunda Intifada.

O ministro da Defesa de então, Shaul Mofaz, deixou de obedecer às suas ordens em 2005. Neste caso foi também a imoralidade, não a moral que teve um papel determinante entre ele e os seus superiores. Ya’aron era – e continua a ser – um ardente defensor da colonização ilegal da terra palestina. Em 2005 rejeitou com veemência a chamada redistribuição da Faixa de Gaza, em que poucos milhares de colonos ilegais foram instalados nas colônias judias da Cisjordânia.

Os seus crimes de guerra reapareceram na Nova Zelândia em 2006 com o assassinato de um comandante do Hamas, Saleh Shezade, juntamente com 14 membros da sua família e outros civis. Foi emitido um mandato de captura que logo se anulou debaixo de forte pressão política, o que permitiu a Ya’aron escapar daquele país.

Voltou ao comando do exército em 2013, mesmo a tempo de conduzir a devastadora guerra contra Gaza em 2014, que matou 2.257 palestinos em 51 dias. O grupo de controlo da ONU, Ocha – Oficina das Nações unidas para a Coordenação de assuntos humanitários – estima que mais de 70% dos mortos eram civis, incluindo 563 crianças.

A destruição de Shujaya, particularmente, foi idealizada com base numa estratégia elaborada pelo próprio Ya’aron. Numa reunião com o secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, em julho de 2013, Ya’aron informou o Ki-moon que, em caso de guerra, bombardearia toda a vizinhança. E fê-lo.

Em maio de 2015 ainda não estava arrependido. Numa conferência proferida em Jerusalém ameaçou a população civil, no caso de outra guerra com o Líbano. “Vamos provocar danos entre os civis libaneses, incluindo as crianças das famílias”, afirmou.

“Passámos por uma longa e profunda discussão. Então fizemo-lo na Faixa de Gaza e, futuramente, vamos fazê-lo em qualquer ronda de hostilidades futura” disse. Também falou de forma implícita em jogar uma bomba nuclear sobre o Irã.

Repetidas vezes deu luz verde ao exército de ocupação israelense para, como política contra os palestinos, “disparar a matar”, como forma de aumentar a tensão nos territórios ocupados.

São estas as palavras de Ya’aron durante uma visita a uma base militar em Gush Etzion, em novembro de 2014: “Deve ficar claro que qualquer pessoa que entre a matar judeus deve ser eliminada. Qualquer terrorista que leve uma pistola, uma navalha ou uma pedra, tente atropelar ou de qualquer forma ataque judeus deve ser condenado à morte”.

Centenas de palestinos morreram nos últimos meses em Jerusalém oriental ocupada e na Cisjordânia. Muitos dos mortos são crianças que atiravam pedras aos veículos do exército israelense e aos milhares de colonos judeus de dedo no gatilho. Nas suas primeiras declarações públicas desde a renúncia, Ya’aron acusou uma “ruidosa minoria” em Israel de destruir ao “valores básicos” do país, afirmando que se tinha perdido a “bússola moral” do país.

O curioso é que muitos israelenses estão de acordo com Ya’aron. Veem o homem que foi acusado de perpetrar crimes de guerra durante a maior parte da sua carreira como um exemplo de moralidade e respeito pelos valores fundamentais.

Enquanto Lieberman demonstrou ser uma bomba-relógio e um risco político, Ya’aron falou abertamente apontar as armas contra as crianças e em repetidas ocasiões executou as suas promessas.

Quando os valores de Ya’aron, um homem com um historial manchado de sangue, se convertem na face moral de Israel, então pode-se entender por que razão o futuro desse país cria poucas esperanças, sobretudo agora que Lieberman levou a Netanyahu – juntamente com o partido Israel a Nossa Casa – um aterrador ninho de partidos políticos.

* Ramzy Baroud é analista político especializado no Médio Oriente.

Fonte: Diário.Info. Tradução de José Paulo Gascão.

Vermelho.

 

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