O ex-catador de latas Rafael Braga encontra-se internado na Unidade de Pronto Atendimento do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, desde a última quinta-feira (17/8), sob suspeita de ter contraído tuberculose. Os advogados e a família de Rafael não foram avisados sobre a transferência, sobre a qual tomaram conhecimento apenas porque Adriana Braga, mãe do ex-catador, foi visitá-lo normalmente dia 20.
Rafael vem apresentando tosse persistente há quase um ano. Mas, segundo advogados do DDH (Instituto de Defensores de Direitos Humanos), ele queixou-se enfaticamente sobre o problema em visita feita pelos advogados Lucas Sada e Thiago Salles, na quarta-feira passada (16/08). O encontro tinha como objetivo falar sobre o resultado do julgamento do habeas corpus, negado pela Justiça, e a próxima etapa do processo.
“Ele relatou que a tosse estava mais aguda. O Rafael vem tossindo há bastante tempo e se sentindo mal com isso, mas há pouco tempo ele passou por uma visita médica que ele mesmo requereu dentro do sistema, e nessa visita foi feito um raio-x do pulmão, foi examinado, e o médico disse que não tinha nada”, afirma a advogada Simone Quirino, do DDH.
“A tuberculose é uma epidemia no sistema prisional e o Rafael não fugiria a esse recorte, como uma pessoa vulnerabilizada socialmente, que não tem o mesmo vigor e condicionamento físico de uma pessoa que esteja fora do sistema. Tem a condição alimentar, a insalubridade dentro do próprio sistema, e quando foi transferido de unidade ele ficou sem colchão, estava dormindo no chão. Não é possível que isso não debilite a saúde de uma pessoa”, diz a advogada.
Diante da dificuldade de acessar informações sobre o quadro de Rafael por meio da funcionários da Penitenciária Alfredo Tranjan (Bangu II), onde o ex-catador está preso, e pela SEAP (Secretaria de Administração Penitenciária), os advogados de defesa mobilizaram vereadores e deputados ligados às comissões de direitos humanos da Câmara Municipal do Rio e da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) para que pudessem intervir na situação.
Os advogados de defesa de Rafael ainda não tiveram acesso ao prontuário de saúde e estão justamente tentando obter os documentos hospitalares, a partir dos quais farão um pedido de transferência para uma unidade particular. “Estamos buscando conseguir o laudo e o prontuário para saber a exata situação de saúde dele. A partir disso, vamos requerer a conversão da prisão preventiva em domiciliar para que o Rafael possa ser tratado em uma rede particular, dadas as condições precárias de atendimento e de insalubridade em geral no sistema penitenciário estadual”, afirma Sada.
Rafael Braga foi o único preso condenado no contexto das manifestações de junho de 2013, acusado de portar material explosivo quando levava dois frascos plásticos lacrados de produtos de limpeza. Em 12 de janeiro de 2016, o ex-catador estava em regime aberto, com uso de tornozeleira eletrônica, havia pouco mais de um mês, quando foi preso novamente, acusado de tráfico de drogas e associação ao tráfico.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro o condenou a 11 anos e três meses de prisão por tráfico e pagamento de R$ 1.687 (mil seiscentos e oitenta e sete reais), conforme decisão do juiz Ricardo Coronha Pinheiro. Movimentos populares têm feito uma série de protestos contra a prisão do jovem por entender que existe seletividade da Justiça contra negros, pobres e favelados. Recentemente, a Campanha 30 dias por Rafael Braga promoveu um show que contou com apresentações do rapper Criolo, DJ Dan Dan, Karina Buhr e outros artitas.
Incidência de tuberculose nos presídios é crônica e denota que a vida do preso não tem nenhum valor para o Poder Público, diz advogado
Dados de 2015 do Ministério da Saúde apontam que, enquanto a incidência de tuberculose na população em geral é de 33 casos a cada 100 mil habitantes — número que coloca o Brasil entre os 20 países com maior carga da doença, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) —, entre internos do sistema prisional brasileiro esse indicador sobe para 932 casos.
Há histórico recorrente no sistema prisional de epidemias de tuberculose e outras doenças respiratórias, bem como doenças de pele, de acordo com o advogado e diretor executivo do DDH, Taiguara Líbano Soares e Souza, que integrou o Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura no Rio de Janeiro de 2011 a 2015, período durante o qual realizava o monitoramento das unidades prisionais do Rio.
Segundo Taiguara, o “Manual de Intervenções Ambientais para o Controle da Tuberculose nas Prisões”, documento publicado pelo Ministério da Justiça em 2012, apontava que a grande maioria dos diagnósticos de tuberculose no sistema prisional, 75% dos casos, eram infecções recentes, isto é, a enfermidade havia sido contraída na prisão.
“Isso mostra que se trata de uma epidemia dentro do próprio cárcere, e não de uma doença que o preso tinha contraído antes, na realidade extramuros e, sim, intramuros, porque não há condições adequadas de ventilação, iluminação, há uma excessiva superlotação, um déficit de atendimento de saúde do preso. Isso impacta diretamente nesse tipo de epidemia, revela a atualidade de uma doença do século passado e denota que o preso, aos olhos do Poder Público, não tem nenhum valor. Que a vida do preso não tem nenhum valor. É o que se pode verificar a partir desses indicadores trágicos de epidemia e outras doenças”, analisa o advogado, que também é professor de Direito Penal da UFF (Universidade Federal Fluminense).
A Ponte Jornalismo enviou à SEAP, por meio de sua assessoria de imprensa, as seguintes perguntas:
Rafael já vinha relatando aos advogados de defesa estar com uma tosse persistente há quase um ano. Ele chegou a receber alguma assistência nesse período para tratar da tosse?
Por que nem os advogados de defesa e nem sua família foram comunicados sobre sua internação, que, segundo os advogados, ocorreu na última quinta-feira (17)?
Em resposta, a pasta enviou a seguinte nota:
“A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informa que o interno Rafael Braga Vieira encontra-se em tratamento no Hospital Dr. Hamilton Agostinho Vieira de Castro, no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu.
A Seap informa ainda que ao ser diagnosticado, o paciente é encaminhado para iniciar o tratamento, onde fica internado até ter o resultado negativo de sua baciloscopia.
O interno então recebe alta para retornar ao convívio, uma vez que a transmissão é praticamente nula com o início do tratamento e o uso correto dos medicamentos antiTB.
O atendimento se mantém ambulatoriamente por um período de 6 meses, com consultas e acompanhamento mensal pelo DOTS (acompanhamento da equipe médica). A medicação é distribuída semanalmente na unidade do interno que possui a doença.
Ressaltamos que o tratamento é feito de acordo com normas e padronização do Ministério da Saúde”.
Fonte: Ponte Jornalismo.