Por Anelize Moreira.
Apesar do surgimento de novas ferramentas digitais para comunicação, após cem anos do surgimento do rádio, ele continua exercendo um papel fundamental para disseminação de informação comunitária e cidadã. Segundo pesquisa Kantar 2021 80% da população brasileira ouve rádio. Além do alcance e rapidez, um dos aspectos importantes para o consumo de rádio é a identificação com os conteúdos veiculados.
Um dos exemplos disso são as rádios do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que fazem parte do cotidiano e da cultura de quem vive no campo em assentamentos de reforma agrária e são responsáveis por veicular conteúdos noticiosos e de entretenimento de interesse das famílias camponesas.
As primeiras experiências de rádios datam da década de 1980. O MST começou a produzir e veicular programas de rádios de alcance nacional como é o caso da Rádio Aparecida, em rádios comerciais e também a instalação de rádios-postes em acampamentos e assentamentos. As rádios-postes funcionam com uma programação reduzida e a transmissão da programação é feita por meio de alto-falantes fixados em postes da comunidade.
A jornalista Aline Oliveira, está à frente da executiva nacional da Frente de Rádios do MST e fala sobre o objetivo das rádios comunitárias hoje.
“A comunicação deve ser incorporada como um direito dos trabalhadores do campo, uma ferramenta de luta e organização das nossas comunidades, dos nossos acampamentos e assentamentos, além de cumprir um papel de levar a sociedade as nossas conquistas e a cultura sem terra. E são rádios comunitárias populares, que defendem os direitos da classe trabalhadora, que não são imparciais e que trazem o debate das comunidades e os anseios”, explica Oliveira.
Ao todo são 15 rádios do movimento que funcionam como FM. A primeira rádio comunitária em um assentamento do MST no Ceará surgiu em 2007 da necessidade das famílias assentadas em realizar uma comunicação interna no assentamento 25 de Maio, no município de Madalena, surgindo assim a Rádio 25 de Maio FM. Renato Araújo, militante do MST e comunicador popular da Rádio 25 de Maio ressalta que a rádio é feita pelos assentados e com uma linguagem voltadas para a comunidade.
“Ela é um marco na luta sem terra pela democratização da comunicação. Ela é uma rádio comunitária livre que atende o nosso assentamento e tendo alcance nos assentamentos rurais circunvizinhos. O principal desafio dela agora é fazer uma narrativa popular das informações que seja mais acessível ao povo, sendo ela construída e guiada pelos camponeses do nosso assentamento”.
Aline ressalta que o MST inclui na programação a formação política, debates sobre temas atuais da conjuntura nacional, internacional e local que vão para além da reforma agrária. A primeira ação após a implantação de uma rádio é envolver movimentos populares, cooperativas e coletivos de saúde do território e criar uma programação que inclua essas vozes dentro da programação que vai de música a programas jornalísticos.
“Sempre tentamos colocar em nossas rádios, programas relacionados às mulheres e a luta contra violência das mulheres, as lutas LGBTQIA+, as crianças sem terrinha e as violências contra elas, além da programação das escolas do campo. Sempre procuramos entender o espaço da rádio como plural que tem espaço para todos os sujeitos”.
Aline explica que de 2019 até agora, devido ao momento político e econômico que o Brasil está, as rádios comunitárias cumprem uma tarefa de despertar para o pensamento crítico. Ela fala que desde a pandemia as rádios têm feito uma ampla campanha nos assentamentos para estimular a vacinação e no combate a desinformação.
“Procuramos trazer questionamentos sobre o que é difundido inclusive por autoridades, por exemplo as fake news criadas pelo próprio presidente. Isso ficou muito evidente quando iniciamos a campanha no nosso território e nos deparamos com as fake news relacionadas à vacina. Precisamos fazer dos nossos espaços de formação e difusão, como é o caso das rádios, esse instrumento de esclarecer, de garantir que a verdade seja dita a qualquer custo”.
Além disso, Aline ressalta que as rádios tiveram importância também nas escolas do campo. Ela conta a experiência das rádios no Ceará. “Tivemos uma rádio que iniciou esse processo de educação via rádio quando viu que os nossos educandos e educandas do assentamento não conseguiam participar das aulas remotas via google meet. E aí começamos a ter aulas através do rádio, é claro que essa metodologia teve que se readaptar, mas nós ficamos muito contentes com esse uso. O rádio como instrumento de educação popular”, conclui.