Em Elmina, no Gana, fiquei numa estalagem em cujas paredes, ao lado de objectos do artesanato local, pequenos textos sobre a História do país descreviam os portugueses como os vilões. Não foi ali, de pé, que li pela primeira vez sobre as nossas (mal)feitorias, mas a perspectiva do autor e o artesanato circundante fizeram com que sentisse uma anacrónica sensação de surpresa. Preferimos lembrar o nosso papel pioneiro no abolicionismo e nunca deixámos que o tráfico negreiro manchasse Os Descobrimentos, entre omissões, contextualizações e a fantasia de que, enquanto o conquistador espanhol chacinava os nativos, o português inventava o mulato.
É costume dizer-se que não devemos psicanalisar os povos, mas sempre como preâmbulo para o fazer a seguir. Pois bem, temos o racismo “mal resolvido”. Apesar do trabalho persistente da SOS Racismo, o tema só é notícia a partir de casos pontuais, incluindo fait divers, como quando o líder da CGTP trata o representante do FMI por rei mago “escurinho”, situações graves, como quando a PSP pediu a uma escola que identificasse os alunos ciganos, ou potencialmente graves, como pode ter acontecido no caso da mãe negra e sem meios de subsistência a quem foram retirados 7 dos seus 10 filhos, em circunstâncias que terão envolvido uma medida (não cumprida) de laqueação de trompas. As episódicas discussões que estes casos suscitam funcionam como uma válvula de escape que perpetua o status quo. E que estado é esse? Não se sabe.
Num relatório recente da ONU, o nosso racismo é descrito como sendo “sobretudo subtil”, truísmo que se confirma pela composição étnica nas nossas diferentes elites. Mas o relatório aponta uma outra evidência menos notada: há poucos dados sobre as minorias étnicas, oficialmente tratadas como imigrantes ou estrangeiros, sob uma lógica cega de integração. Como se o reconhecimento das diferenças fosse em si uma discriminação e não o primeiro passo para acabar com ela.
Fonte: Ionline.