Por Catarina Barbosa.
Para muitos povos indígenas, receber o auxílio emergencial durante a pandemia do novo coronavírus tornou-se um problema de saúde coletiva. Em aldeias de todo o país, os R$ 600 pagos pelo governo federal estão sendo chamados de “R$ 600 da morte”. Na ausência de uma logística de pagamento específica que atenda a população indígena, o deslocamento necessário para receber o benefício está expondo as comunidades à contaminação.
Para Mário Nicacio, membro do Conselho Indígena de Roraima (CIR), o risco a que estão sendo submetidas essas populações durante a pandemia apenas demonstra a fragilidade das políticas públicas para os indígenas no Brasil.
“Na verdade, o problema é da própria estrutura do governo federal, começando pelo presidente da república que não tem um plano de contingência para os povos indígenas. É assim com todos os auxílios, não só o auxílio emergencial, mas o atendimento de saúde em geral.”
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Segundo Nicacio, os riscos envolvendo o acesso ao auxílio emergencial tem sido relatados ao Ministério Público Federal e a representantes da Caixa Econômica Federal, banco responsável pelo pagamento.
“É preciso estruturar espaços em municípios mais próximos das comunidades ou fazer rodízio de pagamentos específicos para indígenas. Mas existe mesmo essas contaminações ocorrendo por causa da ida de indígenas para a cidade, porque não é só entrar na fila, cadastrar e pegar o dinheiro. O negócio é depois. Às vezes você encontra supermercado que não tem orientação nenhuma de prevenção ao consumidor e o indígena vai entrar no meio da contaminação dos espaços que têm na cidade”, pontua.
Na aldeia Pium, onde mora Nicacio, em Roraima, há 800 indígenas do povo Wapichana. A comunidade integra a Terra Indígena Manoá-Pium. Ele conta que apesar da má logística do governo federal, na sua aldeia, duas criança indígenas foram contaminadas, um bebê e uma criança de dois anos.
A suspeita é de que elas tenham contraído covid-19 na Casa de Saúde Indígena (Casai) de Roraima. Atualmente, ambas realizam tratamento no Hospital da Criança, na capital de Roraima, Boa Vista.
O indígena diz ainda que a língua tem sido uma barreira no que diz respeito a levar informação aos povos indígenas. No Pará, mulheres da etnia Munduruku chegaram a traduzir um guia de prevenção do novo coronavírus para a sua língua nativa, porque a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não o tinha feito.
Nicacio conta que seu povo foi orientado por organizações, que têm o acompanhamento de médicos e especialistas em saúde indígenas quanto ao uso de máscaras.
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Vulnerabilidade
Marcivana Sateré Mawé, da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime) afirma que não há dúvidas de que o deslocamento da aldeia é uma fator que coloca em risco a vida dos indígenas.
“Eu acredito que essa disseminação nos municípios, nas aldeias, naquelas regiões mais distantes estejam ligadas a essa questão do acesso ao auxílio emergencial, porque como chegaria a comunidades tão distantes na região do Alto Rio Negro, que são regiões muito dentro [da mata] e é uma dificuldade danada para chegar lá”, questiona.
“Infelizmente ela mata os mais vulneráveis. Para nós indígenas é um luto e até quando vai ser esse luto? Nossa preocupação é porque não são apenas números. Para nós indígenas é memória, é luta. Cada uma dessas lideranças que morre leva com ela muitas das nossas memórias dos povos indígenas aqui de Manaus. A gente vai sair dessa covid-19 faltando muitos pedaços nossos”, continua.
A indígena vive atualmente na capital do Amazonas, Manaus, desde que veio com a família por conta do desejo de um tio de cursar o ensino superior. Ela explica que há muitos dos 13 mil indígenas do povo Satere-Maué vivendo em cidades como em Barreirinhas, Maués e Parintins.
A Secretaria de Saúde do Amazonas já registrou a morte de 34 indígenas por covid-19 no estado, mas não contabiliza como indígenas aqueles que morrem em decorrência da covid-19, mas vivem fora das aldeias.
“Aqui na região do Amazonas não, apenas, os indígenas aldeados, mas os indígenas que estão vivendo na cidades, eles são famílias que vivem em vulnerabilidade social extrema mesmo. São famílias que na cidade não têm acesso à moradia, vivem em alugados ou ocupações. Eu desconheço – pelo menos aqui no Amazonas – população indígena que não esteja nesse perfil de acesso à esse recurso”, pontua.
Tratamento diferenciado
No dia 8 de maio deste ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) acatou um pedido do Ministério Público Federal (MPF) que determinou medidas diferenciadas para a concessão do auxílio emergencial aos povos indígenas da região do Alto e Médio Rio Negro. As medidas foram: prorrogação do prazo para saque do benefício e adequação do aplicativo da Caixa Econômica Federal destinado à concessão do auxílio.
A ação se estende a todos os povos indígenas do Brasil e outras populações tradicionais e rurais do Brasil. Assim, o TRF1 determinou que o prazo para saque seja estendido por mais seis meses. Antes, se o benefício não fosse retirado pelo beneficiário em 90 dias, os valores seriam restituídos ao governo federal.
O Brasil de Fato entrou em contato com a Caixa Econômica Federal e com a Funai para pedir esclarecimentos sobre a logística estabelecida para o auxílio emergencial, mas até o fechamento desta edição não houve resposta.
Edição: Rodrigo Chagas.
Fonte: Brasil de Fato.