Por Luciane Recieri, para Desacato.info.
Tive um amigo em Porto Alegre que fora vizinho de Quintana. Fiquei com vontade de dizer isso porque a Lígia me mandou um poema ontem já bem tarde ou tarde é que vi e com uma música que eu fazia força pra lembrar porque era a que fazia meu avô chorar e quantas vezes eu vi meu avô chorar tão de perto porque era no seu colo que me punha pra ouvir música (digo isso de chofre, não quero perder a linha) É. Velhos. Quintana era velho e meu amigo de Porto Alegre, dos Andradas 487, dizia que toda manhã ele saía pra comprar algo com uma sacola de listras marrons com bege, essa era a forma dele ser humano. Poetas não são de humanidade completa, era ele tão poeta desde os 14 ou menos, sei lá, ridicularizado no colégio militar porque via formas (e poemas) nas manchas de bolor. Eu vejo poema nas pessoas mesmo que elas não tenham nenhuma reserva de poesia e me perco olhando com olhar apaixonado feito Quintana quando fugia do trabalho pra ver Greta Garbo logo ali, na mesma calçada do jornal. Sim, tem gente que foge da realidade pra ver a Garbo, assim como eu mascaro o desumano pra pensar mais bonito e isso sempre mais dói que alivia – me pensam apaixonada, mas só estou olhando. E me lembro de uma professora do 3° ano primário que era linda e um dia me perguntou “por que eu ficava olhando pra ela com aquela cara de boba” e eu respondi:
– Só porque eu te achava tão bonita… achaVA… tão bonita.
Quintana foi um apaixonado e solitário e fazia da cama, jangada. Era ali que botava o cinzeiro, jornais, livros, blocos de notas e bananas… vai que o Guaíba transborde… vai que meu Paraíba transborde. Teve um ano novo que ele quase transbordou, o meu rio. Lembro que não dormi imaginando a água subindo pela rua Danúbio e pegando a Haus des Spatzen, não que eu tenha medo, não tenho medo de quase nada nesta vida. O que faria com os meus cachorros e minha pata? E com o Zé? (Zé era o peixe que minha vizinha deixava aos meus cuidados pra viajar a Florianópolis ou Salvador, cada ano novo um lugar). Então, digo tudo isso porque estou cansada e pensando nos velhos afetos, nos afetados, nas enxurradas que estão por vir, na coisa engraçada que é os amigos nos adivinharem, na falta de poesia de uns e na tremenda entrega de outros. Sim. Eu te olho não é por nada, paixão, amor exclusivo. Eu te digo que nariz bonito é porque gente me remete à arte. O Caetano já disse isso de outro jeito, mas disse. Imagine, não teria graça nenhuma eu dizer isso à Venus de Milo, não nenhuma graça. É por isso.
Dizem que os poetas são azuis. Tudo mentira também. Eles só querem ser lembrados por algo bonito. Só isso ou pela curiosidade que pro-mo-vem, mesmo que pela sacola que carregam, aliás, te conto: Quintana carregava bananas.