‘Queridos filhos da nação’, este é o golpe antes do golpe

Sessão deliberativa extraordinária para votar a Denúncia 1/2016, que trata do julgamento do processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff por suposto crime de responsabilidade. À mesa: secretário-geral da Mesa do Senado, Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho; o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Por Allan Kenji Seki para Desacato.info e UFSC à Esquerda.

Começou a última fase do processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff, cujo desfecho está tão claramente decidido em uníssono pelas classes dominantes que chega mesmo a ser entediante assistir os setores golpistas fazerem pintas de pompa no Senado à guisa de disfarçar tão pouco a violenta ruptura com a ordem liberal-democrática – diga-se de passagem, que sua própria classe inventou.

Em meio aos ritos patéticos do golpe, Dilma Rousseff irá ao Senado na segunda-feira para falar, de modo “autoral” para a história nacional. Esse gesto, reflete uma espécie de grandeza tardia da presidenta, abandonada à própria sorte pelo seu partido. Em nome da aliança com os interesses das classes dominantes, Dilma e o PT fizeram muito pouco em favor de um governo nas eleições de 2014 e, talvez menos ainda, em contrário ao golpe nesta ocasião. Restou que o golpe foi aceito, pelos próprios governistas. Dilma está sozinha, seu partido, às portas do último ato do golpe, renunciou até mesmo à proposta de sua presidenta: o plebiscito por novas eleições.

A escolha do PT não é estranha em relação à sua história recente. Em favor da conciliação de classes, até mesmo quando é arrancado à marretadas do Palácio do Planalto, o Partido inteiro preocupa-se unicamente em evitar atrito com os poderosos. Muito diferente do que houve na Turquia, onde às portas de um golpe (militar), o presidente Recep Tayyip Erdogan não hesitou, enviou imediatamente um chamado à nação – recebido (pasmem!) em todos os celulares do país: “Queridos filhos da nação turca. Isto é uma tentativa (de golpe) de um reduzido grupo como nos anos 1970 contra a nação”, diz a mensagem. “Honorável nação turca, defenda tua honra, defenda teu país. Defenda tua democracia e tu paz”, “Peço que saiam às ruas contra de este reduzido grupo para defender sua democracia, sua nação. Defenda seu Estado”, conclui a mensagem de texto.

Não cabe julgar aqui neste curto espaço o tipo de governo turco faz Erdogan, porque a Turquia não se explica em duas linhas de texto. Mas a questão que estes pequenos e valiosos gestos podem nos permitir é reenviar a questão: por que o governo resistiu tão pouco ao golpe? A serviço de que esteve sua resistência, afinal?

Fato é que o governo não realizou nenhum chamado, não pediu desculpas pelos erros, não foi capaz de ter, sequer, aquela velhaca forma de nacionalismo burguês típica dos momentos como esse. O PT cai agora e arrasta consigo um certo tipo de democracia, porque foi coerente com sua história recente e com seus compromissos políticos. A aliança de classes demonstrou, uma vez mais, quem é que sempre paga o pato!

Teremos que nos ver com um país no qual uma casta de corruptos inventa a toque de caixa um “crime” qualquer para afastar uma presidenta eleita. Onde a governabilidade se constitui como o fiel da balança de uma degradante fila de partidos de ocasião. Onde nas eleições municipais, o Partido que se encarna como vítima do golpe, faz alianças com seus ‘algozes’. Onde a imprensa funciona como se fosse um quarto poder da República. Porém, muito pior para nós, num país onde o capital encontra mais uma vez na história a concentração do poder econômico e a direção política de toda a sociedade. Portanto, esse é apenas o golpe antes do Golpe. O que teremos pela frente fará o impedimento da presidenta parecer um pequeno soluço diante da subversão do sentido da própria liberal-democracia.

Caberá a nós, da esquerda socialista, construir um outro caminho. Primeiro, talvez, através de uma história de resistências e depois, a história de uma nova abertura para o florescimento de um caráter revolucionário entre nós. Absorver a experiência desta última década servirá como importante e dura lição para todas as formas de reformismos. Afinal, no Brasil, não existirá ‘revolução’ grátis!

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