O governo Bolsonaro tenta acelerar e garantir a entrega da Eletrobras, já que numa eventual derrota do governo, provavelmente a Companhia não seria privatizada. Segundo informações da Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU) o governo pretende ofertar as ações em 8 de junho e fazer a venda da Empresa entre 13 e 14 de junho. Há todo um ritual no processo de venda, que requer um certo tempo, até para dar a impressão de que é um processo sério, e não, uma mera entrega de um patrimônio valiossimo, à preço de banana. Coisas como como a publicação de acórdão com a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) de privatizar, aviso à comissão de Valores Mobiliários (CVM), comunicação aos investidores estrangeiros (a Eletrobras tem ações na Bolsa de Valores de nova York), e outras medidas protocolares. Mas essas são formalidades que podem ser rapidamente cumpridas, já que há o grande interesse dos grandes grupos econômicos de abocanhar esse verdadeiro “filé” e o interesse do governo de obter apoio eleitoral.
As privatizações em geral, inclusive, unificam todos os que deram o golpe de 2016. Não há divergência entre a extrema direita que está no poder e a direita tradicional, chamada neste momento de “terceira via”, no que se refere às privatizações. A eventual entrega da Eletrobras, antes das eleições, cacifaria Bolsonaro com uma parcela significativa da burguesia nacional e internacional, que vê na Empresa uma oportunidade, inexistente no restante do mundo, de ganhar muito dinheiro. Os maiores bilionários do país investem na Eletrobras, justamente porque é uma fonte caudalosa de lucros. Jorge Paulo Lemann, por exemplo, o homem mais rico do país, e que apoiou o golpe de 2016, é dono de cerca de 11% de um tipo das ações preferenciais da Eletrobras. Vários outros bilionários brasileiros, detentores de ações da Eletrobras, conspiram pela privatização da Empresa, que engordaria muito seus lucros.
O país possui grandes rios de planalto (grandes quedas-d’água) alimentados por chuvas tropicais abundantes, que mantêm a maior reserva de água doce do mundo. Essa característica, ao longo dos anos, promoveu o estabelecimento de uma matriz elétrica essencialmente hidráulica. Tem-se mais ou menos uma participação de 61% desse tipo de fonte na geração de energia elétrica no país. A geração é o segmento mais complexo dentro do setor elétrico, pois é a parte responsável por operacionalizar as usinas. Os investimentos são altos com manutenção, equipamentos, tecnologia, turbinas, parte elétrica, substituição de peças. Além de tudo, o segmento ainda sofre nos períodos de estiagem. Cerca de 31% desse mercado gigantesco é dominado pela Eletrobras.
A iniciativa privada já detém no Brasil 60% da geração de energia instalada; 39% da transmissão (que interliga o sistema); 71% da distribuição (que entrega a energia ao consumidor final). A privatização da área de energia começou nas empresas de distribuição, a partir de 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Na época, a forte resistência, principalmente dos trabalhadores das empresas públicas, inviabilizarou imediatamente a privatização das usinas de geração, que era a intenção também de FHC. Mas hoje a geração já é 60% privada, por isso querem tomar a Eletrobras. Algumas distribuidoras também se mantiveram públicas, em boa parte graças à luta dos trabalhadores, que impediram, na raça, a privatização das empresas.
A expansão da geração na última década, ocorreu com leilões à iniciativa privada. A maioria teve como vencedores grupos locais como Odebrecht e Camargo Corrêa. Só que essas grandes empreiteiras, que concorriam com as empresas norte-americanas, foram praticamente destroçadas pela operação Lava Jato (tramada no Departamento de Estados dos EUA e hoje completamente desmascarada). Como se sabe, a operação Lava Jato foi deflagrada contra a Petrobrás. Porém, à medida que o processo foi se desenvolvendo, os norte-americanos perceberam que podiam aproveitar a operação também para liquidar empresas do setor privado, que concorriam diretamente com as empresas estadunidenses.
A tarifa média brasileira de energia elétrica é superior à praticada em vários outros países. Segundo o ranking de tarifas do Global Petrol Prices de 2019, o Brasil possui a 37ª tarifa elétrica mais alta do mundo, numa lista de 110 países (quase no terço de preços mais elevados). Atrás dos países desenvolvidos, mas com preço maior, comparado àqueles em nível de desenvolvimento semelhante. Fazendo a comparação com 2020, ajustando por Paridade de Poder de Compra, a relação se manteve, com o país estando em posição melhor do que a maioria daqueles desenvolvidos, mas pior do que países como Polônia, África do Sul, China, México, Índia, entre outros. Qual o problema dessa colocação? É que o Brasil reúne condições que lhes assegura uma energia com baixíssimo custo de produção.
Segundo os especialistas, os brasileiros pagam não o preço pela geração da energia hidráulica produzida na grande maioria aqui (61%), mas o equivalente a como se o país estivésse produzindo energia usando carvão, petróleo ou gás natural, como ocorre em outros países, que não dispõem de recursos naturais abundantes, como o Brasil. Nesse aspecto, a energia elétrica se parece com derivados do petróleo.
Segundo a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), a tarifa residencial da conta de luz, entre 2015 e 2021, teve um aumento médio anual de 16,3%, quando o IPCA-IBGE apresentou uma variação de 6,7% ao ano. Além do impacto cruel no orçamento dos mais pobres e dos 74 milhões de consumidores residenciais das áreas urbanas, cerca de 4,5 milhões de agricultores brasileiros também pagam a tarifa absurdamente alta e que, uma vez que a atividade agropecuária exige um consumo maior de energia elétrica, a consequência direta disso é a elevação dos custos de produção dos alimentos.
Os estudiosos do assunto calculam que um cartel formado por 15 grupos empresariais controla a indústria da eletricidade no país, ou seja, detém as unidades de produção, as usinas, as linhas de transmissão, as distribuidoras que comercializam e entregam a energia elétrica para quase 80 milhões de unidades consumidoras no Brasil. São esses grupos que financiam parlamentares para defender seus interesses no Congresso Nacional, e defender a privatização do setor. Estes são os verdadeiros donos das riquezas, que ficam por trás dessas corporações que rapinam e pilham o país. São bancos privados nacionais e estrangeiros, bem como fundos de investimentos nacionais e internacionais. São empresas e os bilionários brasileiros, preocupados apenas com os lucros, sem nenhum compromisso com o fornecimento de energia, de forma adequada, para a maioria da população. A venda da Eletrobras irá concentrar ainda mais o setor na mão de poucos grandes capitalistas.
O alto custo da energia aos consumidores finais leva à falência de pequenos e médios empreendimentos, expulsa famílias inteiras do campo, fecha as portas de estabelecimentos comerciais, fecha postos de trabalho, desemprega muita gente, aprofunda nossa dependência e empurra mais famílias para condições de sobrevivência abaixo da linha da miséria. O imposto cobrado nas tarifas de energia elétrica (ICMS, PIS, Cofins) é de 33,17% (ICMS, PIS, Cofins). Este imposto é de uma regressividade absoluta, porque não discrimina o consumidor, e quem paga mais, em termos relativos, é o pobre.
As grandes aves de rapina que abocanharem a Eletrobras não precisarão construir nada. Pegarão prontas as usinas, instalações, redes etc., um verdadeiro negócio da China. Entre 2018 e o primeiro trimestre deste ano a Empresa gerou quase R$ 40 bilhões de lucro líquido, é um verdadeiro filé-mignon da economia. O lucro líquido gerado vai direto para a veia do Tesouro Nacional e do caixa da Estatal. Qual governo, em sã consciência, entregaria um patrimônio desses, estratégico sobre todos os pontos de vista, e que gera um rio de lucro líquido todo mês, a não ser um governo vendilhão e contra os interesses do Brasil?
As empresas que levarem a Eletrobras não construirão nada e nem deverão contratar ninguém. Pelo contrário, pegarão o patrimônio enxuto e com investimentos feitos anteriormente, como sempre ocorre nas privatizações. Na conversão de empresa estatal para privada, o aumento automático da tarifa entra limpo no seu caixa, puro lucro. A Eletrobras, possui entre suas 47 hidrelétricas as melhores geradoras de energia do país, incluindo as de Tucuruí e as da Bacia do São Francisco. Domina 31% do setor elétrico brasileiro e possui 71.000 Km de linhas de transmissão de energia, o que corresponde à praticamente a metade da extensão dessa rede em nosso país. Atua nos segmentos de geração e transmissão, mas não tem distribuidoras. Tudo que produz é para ser vendido a quem vai colocar a energia dentro das casas das pessoas e cobrar por esse serviço. E estão trabalhando para entregar a empresa de bandeja ao sistema financeiro internacional.
Segundo estudo da FGV, após o golpe de 2016, houve mais de 15 operações de fusões no setor elétrico, que somaram quase R$ 86,2 bilhões em valor de empresa. Desse total, R$ 80,5 bilhões (mais de 93%) representaram aquisições em que os compradores eram empresas estrangeiras. Este dado mostra a relação direta entre privatização e desnacionalização. Ter um complexo sistema de energia elétrica entregue às multinacionais é um problemaço para o país. A Aneel, (Agência Nacional de Energia Elétrica), para fiscalizar todo esse sistema continental, tem 300 funcionários. Só a Agência Reguladora do Setor Elétrico dos EUA tem 1.500 funcionários e cada estado do país tem uma agência do setor elétrico.
O governo vai realizar a privatização da Eletrobras após uma série de investimentos públicos no setor, especialmente realizados antes do golpe de 2016. Provavelmente, muitos dos investimentos que foram feitos em estações e linhas vão aparecer pós-privatização como se fosse uma grande obra do setor privado. Esse é um negócio inacreditável da privatização no Brasil, não existe burguesia mais subserviente ao capital internacional, do que a brasileira. Ao lado dos bancos, as empresas de energia foram as que obtiveram mais lucros em anos anteriores. E, por serem, em sua maioria, estrangeiras, todo o lucro é remetido ao país de origem das empresas sem ser reinvestido no Brasil. Nosso grande potencial hídrico cobra tarifas muito altas e, pela estrutura internacionalizada, drena todo o lucro para fora do país.
Ao contrário do que ocorre no Brasil, Estados Unidos, China e Canadá mantêm o domínio do setor elétrico. Nos EUA, a maior parte é controlada publicamente e pelo governo federal, em grande parte inclusive pelo próprio exército americano. Lá, o Corpo de Engenheiros do Exército é o maior operador de energia elétrica do país, controlando as grandes barragens de John Day, The Dalles e Bonneville. Na China, a estatal Three Gorges Corporation controla a maior hidrelétrica do mundo, a Três Gargantas. No Canadá, o setor é controlado por companhias dos governos provinciais, semelhantes aos governos estaduais brasileiros.
A Eletrobras tem 47 usinas hidrelétricas responsáveis por 52% de toda a água armazenada no Brasil. Cerca de 70% dessa água são utilizados na irrigação da agricultura. Imaginem tudo isso nas mãos de uma empresa privada, e estrangeira, que só se interessa pelo lucro? Uma usina hidrelétrica jamais deveria ser privada porque ela tem a “chave do rio”. Ela armazena água para que em época de seca tenha como transformar a água em energia. Mas cada gota utilizada na transformação da água em energia é uma gota a menos para o abastecimento.
A previsão dos especialistas é que a privatização da Eletrobras vai impactar também o emprego de trabalhadores de outras áreas (por exemplo, turismo) que dependem de atividades na água, já que as hidrelétricas definem o fluxo de muitos rios. É uma lei universal: onde acontece a privatização de empresa pública de energia elétrica, é garantido que vem o aumento de preços. O consumidor não vai ter alternativa, e sem garantias de uma prestação de serviço de qualidade, sem garantia de investimentos das empresas privadas, poder haver apagões energéticos no futuro.
Segundo cálculos da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel) e da Associação dos Empregados da Eletrobras (Aeel), a Eletrobras vale, no mínimo, R$ 400 bilhões (claro, sem considerar o valor estratégico da Companhia, ligado à própria segurança nacional, que é o controle de reservas de água, o que é impagável). As estimativas da imprensa é que a Empresa será entregue por R$ 67 bilhões, mas o preço pode ser menor porque o governo não está definindo preço mínimo. Mas se for R$ 67 bilhões, somente o que o Brasil gastou com juros da dívida no ano passado (R$ 448,3 bilhões) equivale a quase sete Eletrobras. Poucas coisas conseguem no mundo ser mais contra o Brasil e o seu povo do que a privatização dessa Empresa.
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