Por Alexandre Putti.
O filme sobre a vida de Carlos Marighella, militante comunista morto pela ditadura em 1969, tem dificuldades imensas para estrear no Brasil. Dirigido por Wagner Moura, o longa conta a história do homem negro que lutou contra Getúlio Vargas, os militares e acabou se tornando símbolo da luta do proletariado.
O filme, que já foi exibido em alguns festivais internacionais como o de Berlim, chegou a ser aplaudido em pé. O sucesso e a repercussão da história de Marighella irritaram membros da família Bolsonaro e seus seguidores. Em abril deste ano, o presidente postou em suas redes um vídeo chamando o ativista de criminoso, terrorista e que ele seria um apoiador de “ditaduras comunistas”.
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Em entrevista coletiva em Berlim, Wagner Moura garantiu que a obra não era direcionada a Bolsonaro, mas que “o filme está em contraste com o grupo que está no poder”, referindo-se ao presidente e aos integrantes de seu governo.
O fato é que o filme agitou o debate em torno de Marighella e as paixões ideológicas, a favor ou contra, mostram que a estreia do filme no Brasil pode até demorar, mas terá impacto. Mas quem de fato foi Carlos Marighella e por que ele, morto há 50 anos, incomoda tanto o clã Bolsonaro?
Baiano que conheceu o ativismo na universidade
Carlos Marighella nasceu em Salvador, em 1911, e tinha outros sete irmãos. Filho de uma mãe negra, descendente de escravos, com um pai imigrante italiano, o baiano conseguiu romper as dificuldades de uma vida simples e ingressou, em 1929, na Escola Politécnica da Bahia para cursar engenharia civil.
Foi na universidade que Marighella conheceu o movimento estudantil. Aos 23 anos, se tornou o líder da luta comunista e conheceu aquilo que o acompanharia para o resto de sua vida: a repressão.
Foi preso por divulgar um poema em que criticava o interventor da Bahia, Juracy Magalhães, nomeado por Getúlio Vargas.
Logo após ser solto, em 1934, Marighella desistiu do curso de engenharia e se mudou para o Rio de Janeiro para ser um militante profissional do Partido Comunista Brasileiro. Ele era responsável pela imprensa e divulgação do partido.
Nesse momento, o comunista deixava o ambiente universitário e partia para a militância partidária contra a ditadura de Getúlio Vargas.
Oposição a Getúlio Vargas
Em 1937, Getúlio instalou o Estado Novo, nascionalista, centralizador e absolutamente antagônico ao comunista. Marighella já era um opositor ao regime de Vargas e chegou a ser preso e torturado, mas acabou solto.
Depois de um ano na clandestinidade, Marighella foi preso (e novamente torturado) em 1939, permanecendo, dessa vez, seis anos na prisão. Em 1945, com o fim do Estado Novo, foi beneficiado com a anistia.
A militância, porém, não parou.
O deputado cassado
Com o início do período democrático em 1945, Marighella foi eleito deputado federal pelo PCB da Bahia. Mas o sonho de integrar o Congresso, que ainda ficava no Rio de Janeiro durou pouco.
Com o clima nascente da Guerra Fria, o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade pelo governo de Eurico Gaspar Dutra, e Marighella, após um ano que tinha sido eleito, perdeu seu mandato. O ativista voltou para a militância e novamente passou a atuar na clandestinidade.
Na ilegitimidade, de 1949 a 1954, Marighella atuou na área sindical do partido, mas incomodava a direção, pois era considerado excessivamente esquerdista. Sua atuação aproximou o partido da classe operária e juntos promoveram uma greve geral, conhecida como a “Greve dos Cem Mil”, em 1953. Também participou da campanha “O petróleo é nosso”.
Nesse período, Marighella recebeu um convite do governo chinês para conhecer de perto a Revolução Comunista e aproveitou para passar por Cuba e União Soviética, sempre em busca de apoia para a revolução. Toda essa movimentação foi feita sem o aval do partido, que já demonstrava insatisfação com a atuação de Marighella.
De volta ao Brasil, ele rodou os estados buscando apoio para lutar contra o golpe que estava por vir.
O inimigo número 1 dos militares
Quando os militares deram o golpe, em 1964, Marighella rompeu com o PCB. Isso porque o partido defendia uma oposição aos militares sem armas, já Marighella seguiu aquilo que havia aprendido em suas viagens e queria uma luta armada.
Sem um partido, o comunista fundou a Ação Libertadora Nacional (ALN). A organização se tornou a maior promotora de ações de guerrilha urbana no Brasil, como assaltos, emboscadas e sequestros. Por esse motivo, Marighella se tornava naquele momento o inimigo número 1 dos militares.
O grupo de Marighella, inclusive, foi um dos responsáveis pelo sequestro do embaixador americano no Brasil, Charles Elbrick. Um caso que ficou conhecido mundialmente.
Com o endurecimento do regime militar na época, os esforços em torno da captura de Marighella se intensificaram. Até que em 4 de novembro de 1969, ele foi morto a tiros por agentes do Dops, em São Paulo.
Seu legado continuou e a ALN manteve suas atividades até 1974, sempre lutando contra a ditadura.
Em 2012, por meio da Portaria 2.780, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, oficializou a anistia post mortem de Carlos Marighella no Diário Oficial da União, anistiando assim o militante comunista.
Essa será a primeira vez que sua história será contada nos cinemas. Seu Jorge foi o escolhido para interpretar o militante e trazer para as telas a vida de Marighella. Talvez o medo dos bolsonaristas seja que o filme se torne uma inspiração para a luta.