Por José Álvaro de Lima Cardoso.
A saída líquida de dólares da economia brasileira no ano passado (entradas menos saídas) foi de US$ 44,77 bilhões. Esta é a maior evasão de divisas do Brasil em toda a série histórica, iniciada em 1982. O recorde anterior de fuga de capitais tinha sido registrado em 1999, quando o saldo cambial (diferença entre as entradas e saídas de dólares) ficou negativo em US$ 16,18 bilhões. Não por acaso o fenômeno ocorreu em 1999, no governo FHC, num ano em que o Brasil, monitorado pelo FMI (grande credor brasileiro à época), tinha adotado uma política de livre flutuação cambial. Nessa ocasião a cotação do dólar ultrapassou pela primeira vez a barreira dos R$ 2. De qualquer forma, o número de 2019, é quase três vezes superior à fuga de 1999.
O fluxo cambial é composto do fluxo comercial (exportações e importações), e do fluxo financeiro (investimentos, empréstimos e transações no mercado financeiro). O fluxo comercial foi positivo em 2019, em US$ 17,47 bilhões. A evasão dos dólares foi um fenômeno da esfera financeira das contas externas brasileiras. Os US$ 44,5 bilhões foram os retirados por investidores estrangeiros de aplicações na bolsa de valores.
Esse comportamento dos grandes especuladores deveria levar os setores do capital mais voltados ao mercado interno, e em geral, os que apoiam o estrago que a dupla Guedes/Bolsonaro está fazendo na economia, a colocar suas barbas de molho. Vamos recordar que, desde o golpe em 2016, as medidas de destruição de direitos e da economia nacional, vieram acompanhadas de promessas de que elas iriam atrair fartos investimentos para o Brasil. Foi o caso da contrarreforma da previdência social (que objetiva desmontar a previdência pública), que, segundo promessa do governo, aumentaria a confiança dos investidores, o que supostamente faria “chover” dólares no Brasil. Mas o que assistimos no ano passado foi exatamente o contrário: a maior fuga de dólares da história na série registrada.
A turbulência cambial e a saída recorde de capitais do Brasil, têm uma série de fatores internacionais, a começar pela encarniçada guerra comercial entre EUA e China, que no ano passado escalou, abalando a já combalida economia mundial. Mas os próprios eixos de política econômica do governo são fontes de enorme insegurança para investidores. Na segunda maior fuga de capitais registradas no Brasil, no governo FHC, o que vigorava era também o entreguismo e grandes ataques aos trabalhadores (é verdade que numa escala menor que a verificada no governo Bolsonaro). Subserviência aos países dominantes do mundo, combinada com extrema inaptidão técnica, não sinalizam confiança a nenhum tipo de investidor. Destruição de instrumentos públicos de intervenção estratégica do Estado e a desmontagem das estruturas de atendimento à população, ao afetar a estabilidade social do país, impactam também o humor dos investidores, que buscam segurança para os seus investimentos (nem que seja um mínimo).
Bolsonaro já cumpriu em parte, em 2019, promessa feita nos Estados Unidos, em jantar com representantes da extrema-direita, de que teria chegado ao poder para levar adiante um projeto de destruição nacional: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o nosso povo. Nós temos que desconstruir muita coisa”, afirmou em 18.03.2019, na sede da Agência Central de Inteligência norte-americana (CIA), em Washington.
O governo Bolsonaro, do ponto de vista de quem coordenou o golpe de 2016, foi um “mal menor”, ou seja, podia-se eleger qualquer um, desde que servisse para evitar o retorno ao poder dos que foram de lá retirados à força. Mas esse governo tem que equacionar duas variáveis complexas: 1. aprofundar o programa de guerra contra a população, iniciado no governo Temer; 2. Simultaneamente evitar que a referida política provoque uma reação dos prejudicados (90% da população) . É uma equação complicada porque as duas ações são praticamente antagônicas. Pode-se enganar uma parte do pessoal durante algum tempo. Mas tal política tem limites, como vimos no exemplo recente da Argentina. Apenas a blindagem da mídia (em relação à política econômica) e as mentiras, já não são mais suficientes, dado o nível de impopularidade da política de Guedes. Por isso a violência contra a população aumentou muito no Brasil em 2019 (os dados nesse sentido, são fartos).
Já foram centenas, eventualmente mais de mil ações ao longo do ano passado, abolindo ou reduzindo direitos, ferindo a soberania nacional, enfraquecendo instrumentos de intervenção estatal, e assim por diante. Na medida em que o programa do golpe vai sendo implementado, o aumento do desemprego, a precarização, a perda de poder aquisitivo, o retorno da fome, a destruição da indústria, e centenas de outras medidas, estão tornando a vida do povo cada vez mais insuportável.
Esse quadro interno se soma a uma conjuntura de gravíssima crise financeira internacional, que pode apresentar uma escalada a qualquer momento, em função das dificuldades de retomada da economia mundial. Enquanto isso, o governo Bolsonaro expõe a economia brasileira ainda mais às turbulências mundiais, torrando as reservas internacionais, deixadas pelo governo anterior. Em 1º de janeiro de 2019, as reservas internacionais eram de US$ 374,715 bilhões, e em 31 de dezembro de 2019 estavam em US$ 365,481 bilhões.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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