Queimadas, ataques contra defensores de direitos humanos, liberação de pesticidas, derramamento de petróleo nas praias. O Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro está “com o filme queimado” no mundo. Artigo do jornalista Jamil Chade, publicado hoje (16) no UOL, revela que “pela primeira vez em seu período democrático, o Brasil é alvo de uma recomendação oficial para que o governo seja objeto de uma investigação internacional”. O motivo: as políticas ambientais e de direitos humanos adotados pela administração Bolsonaro. A iniciativa, revela Chade, partiu do relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas), Baskut Tunkat, responsável pelos temas de resíduos tóxicos e direitos humanos.
A proposta é que o Conselho de Direitos Humanos aprove a abertura de uma investigação. Mas, para que isso ocorra, governos de outros países teriam de aprovar a proposta por maioria. “Para experientes negociadores, tal cenário hoje na ONU seria improvável”, informa o jornalista. “Mas o pedido reflete um mal-estar sem precedentes entre o governo brasileiro e os enviados independentes da ONU”, escreveu o jornalista.
O Brasil foi visitado pela missão da ONU no final de 2019. O texto de Tunkat será entregue ao Conselho de Direitos Humanos da ONU no final desta semana, e reflete o assombro que as queimadas sob o governo Bolsonaro estão causando ao mundo.
Vergonha internacional
O relatório coloca o Brasil ao lado de países em situações de grandes tragédias, como a Síria. E recomenda que a ONU realize “uma sessão especial sobre a proteção da Floresta Amazônica e dos direitos humanos, assegurando a participação ativa de todos os interessados”. Essas sessões especiais são solicitadas em casos de crises graves, como a da Venezuela, a repressão na Bielorússia ou na Síria.
Chade procurou o Itamaraty, mas o Ministério das Relações Exteriores não se pronunciou. “O governo, no dia 18, irá responder ao informe durante reunião da ONU, em Genebra (Suíça)”, informa o artigo.
O jornalista destaca que a recomendação oficial de investigação do Brasil, feito por intermédio de um dos mecanismos especiais da ONU, fala de um Estado que não cumpre suas obrigações legais de defender sua população. E que prejudica o mundo com a destruição das matas. “Se deixada sem controle, a situação no Brasil se transforma não apenas em uma catástrofe nacional, mas também em uma catástrofe com repercussões regionais e globais fenomenais, incluindo a destruição de nosso clima”, alerta o documento, destacando as queimadas sob o governo Bolsonaro.
Avanços viraram retrocesso
“Apesar dos avanços positivos nas últimas décadas, o Brasil está em um estado de profundo retrocesso em relação aos princípios, leis e normas de direitos humanos, em violação ao direito internacional”, avalia o relatório da ONU. “Para apoiar suas ações e inações, o governo continua a negar verdades científicas incontroversas e introduz sem justificativas incertezas e argumentos míticos”, alerta.
“Os crimes corporativos contra trabalhadores e comunidades são perpetrados com impunidade, e os direitos à informação e participação são reduzidos drasticamente”, segue o relatório. “Várias decisões judiciais e parlamentares não são implementadas quando desfavoráveis aos interesses privados. A retórica inflamatória, a rejeição da sustentabilidade e o fracasso em processar tem incendiado outra epidemia, uma de intimidação, ataques e assassinato de defensores dos direitos humanos”, denuncia o pedido de investigação.
Depois de diversos avanços desde o ano 2000 na preservação do meio ambiente, sustenta o documento, o atual governo promoveu uma mudança no rumo do país. “Hoje, o Brasil está em um caminho íngreme de regressão da sustentabilidade e dos direitos humanos.”
O relator da ONU menciona ainda o vídeo da reunião ministerial em 22 de abril, na qual o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fala em usar a pandemia para “passar a boiada” e mudar leis ambientais.
País que adoece
As queimadas na Amazônia e em outras partes do país, como o Pantanal, sob o governo Bolsonaro, também são criticados no pedido de investigação da ONU. “Sem a Amazônia, o mundo seria atingido pela devastação das mudanças climáticas, matando inúmeras pessoas e empurrando milhões para a miséria. A queimada da Floresta Amazônica representa um risco catastrófico para os direitos humanos de bilhões de pessoas em todo o mundo”, afirma.
“A destruição do habitat florestal também corre o risco de introduzir mais doenças zoonóticas que podem se transformar em outra pandemia global”, segue o relatório, ressaltando o risco do desmatamento e das queimadas sob o governo Bolsonaro.
O documento ressalta ainda a situação dos indígenas, lembrando que a Fundação Nacional do Índio (Funai) está operando com apenas 10% de seu orçamento. E outros organismos foram totalmente eliminados. “Noventa por cento da população ianomâmi tem níveis altamente perigosos de mercúrio em seus corpo”, denuncia a ONU.
O informe também trata do ataque do governo federal a organizações da sociedade civil, aos defensores dos direitos humanos e aos sindicatos no Brasil. E ao papel da ciência e da saúde. Outro ponto criticado é o aumento do uso de pesticidas no Brasil e denúncias sobre o suposto uso como “armas químicas” para expulsar comunidades indígenas e afro-brasileiras de suas terras. “Trinta por cento dos ingredientes ativos (116 de 393 substâncias) no Brasil não são aprovados na UE”, compara o relatório da ONU. “Somente em 2019, o Brasil permitiu a introdução de 474 novos produtos pesticidas.”
Brasil perde investimentos, Mourão
Também nesta quarta-feira, embaixadores de Alemanha, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Noruega, Reino Unido e Bélgica enviaram carta ao vice-presidente, Hamilton Mourão, informa o Opera Mundi. Os oito países europeus cobram do governo brasileiro iniciativas para combater o avanço do desmatamento na Floresta Amazônica. A “tendência crescente de desflorestamento no Brasil está tornando mais difícil” o investimento no país, afirmam.
“Os países que se reúnem através da Parceria das Declarações de Amsterdã compartilham da preocupação crescente demonstrada pelos consumidores, empresas, investidores e pela sociedade civil europeia sobre as atuais taxas de desflorestamento no Brasil”, reforça um dos trechos da carta.
A situação, avalia o grupo, confirma a importância fundamental de garantir que os órgãos de fiscalização se mostrem capaz de monitorar o desmatamento, além de aplicar as devidas leis.
Mourão atua como presidente do Conselho da Amazônia. Em junho passado ele já havia recebido uma carta de investidores estrangeiros para alertar sobre os efeitos do crescente desmatamento e aumento de queimadas sob o governo Bolsonaro, lembra a reportagem.